Próximos alvos de Bolsonaro serão Doria, Witzel e Huck
"O tensionamento agrada ao Bolsonaro porque o consolida como única alternativa de um campo de forças, minando com antecedência as candidaturas do governador de São Paulo João Doria (PSDB), do governador do Rio Wilson Witzel (PSC), do apresentador Luciano Huck ou outros que queiram [se candidatar] neste campo", avalia o cientista político Paulo Baía
Sputinik – Contrariando o seu discurso eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deu uma indicação nesta semana de que poderá ser candidato à reeleição no pleito presidencial de 2022, em um movimento que soa surpreendente, mas que pode ser estratégico, segundo um analista ouvido pela Sputnik Brasil.
Durante o evento Marcha para Jesus, realizado na quinta-feira em São Paulo, Bolsonaro afirmou que poderia tentar um novo mandato presidencial, caso o Congresso Nacional não realize o que ele classificou como "uma boa reforma política".
"Se tiver uma boa reforma política eu posso até nesse caldeirão jogar fora a possibilidade de reeleição. Agora se não tiver uma boa reforma política e, se o povo quiser, estamos aí para continuar mais quatro anos", declarou o presidente, contrariando o que ele afirmara em outubro do ano passado, quando mencionou querer acabar com a reeleição.
"Pretendo fazer, vou conversar com o Parlamento também, é ter uma excelente reforma política. Você acabar com o instituto da reeleição. No caso, começa comigo se eu for eleito", comentou o então deputado federal, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo.
À Sputnik Brasil, o sociólogo e cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstrou pouca surpresa com a recente fala de Bolsonaro sobre o assunto. De acordo com o especialista, o momento de intensa polarização do país tem um caráter estratégico para o bolsonarismo, sobretudo com o aparecimento dos primeiros nomes que prometem disputar o campo mais à direita do espectro político brasileiro.
"[O tensionamento] agrada ao Bolsonaro porque o consolida como única alternativa de um campo de forças, minando com antecedência as candidaturas [do governador de São Paulo] João Doria (PSDB), [do governador do Rio Wilson] Witzel (PSC), [do apresentador] Luciano Huck ou outros que queiram [se candidatar] neste campo", avaliou.
Baía reforçou que o Brasil segue dividido pela figura de Bolsonaro de um lado, e de outro figura o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado em Curitiba, por conta de sua condenação em um dos processos a que responde na Operação Lava Jato. Apesar do petista não poder ser candidato, o cientista político acredita que a postura do ex-capitão do Exército também agrada o Partido do Trabalhadores em um cenário antecipado de 2022.
© SPUTNIK / IGOR PATRICKApoiador do presidente Jair Bolsonaro carrega cartaz com críticas ao Congresso.
"O Bolsonaro inaugura um estilo de governo centrado no tensionamento. Então esse tensionamento é muito comum nas campanhas eleitorais e não nos governos, mas ele não mudou e não creio que vá mudar ao longo do seu governo. Pelo contrário, esse tensionamento vai aumentar, tensionar posições, reafirmar seus princípios e enfrentar o Congresso Nacional, enfrentar a oposição, provocar a oposição, porque o quadro de polarização entre Bolsonaro e PT agrada aos dois grupos. Agrada ao PT porque não deixa uma oposição de outro tipo surgir", opinou.
Mais embates com Legislativo e Judiciário
O analista ouvido pela Sputnik Brasil ainda analisou os embates que Bolsonaro travou com os outros poderes da República – o Legislativo e o Judiciário. Baía não prevê que o presidente mudará de postura, uma vez que o seu estilo agrada os seus apoiadores, seja na sociedade ou no ambiente político. E isso deve se manter até o último dia de governo, na sua visão. O próprio anúncio sobre a reeleição em um evento majoritariamente evangélico não foi ao acaso.
"O estilo dele é de pressionar o Congresso Nacional. Na Marcha para Jesus em São Paulo, ele faz um apelo para que a população pressione a Câmara dos Deputados em relação ao decreto das armas. Este é o estilo dele e será assim o tempo todo. Não esperem uma modificação do estilo. Bolsonaro está sendo Bolsonaro naquilo que ele foi em 30 anos de mandato", sentenciou o cientista político da UFRJ.
O especialista também não crê em um arrefecimento da polarização até as próximas eleições presidenciais. Uma das razões é o fato de Bolsonaro estar exacerbando o uso de decretos para governar, o que tensiona as suas relações com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF), levando à judicialização de várias de suas propostas – muitas delas promessas de campanha.
"[Bolsonaro] usa sua base de apoio de raiz, que está permanentemente desqualificando o Supremo, e em um governo com o estilo dele, as questões serão judicializadas com muita frequência. Por exemplo, o decreto das armas, se não for derrubado na Câmara, irá para o Supremo, não há dúvidas disso. Esse tensionamento é a marca, o Bolsonaro gosta desse estilo, ele tem um apoio ainda majoritário na sociedade com esse estilo. Se esse apoio vier a decair, se perder popularidade, pode ser que ele mude. Enquanto ele mantiver a sua popularidade, ele manterá esse estilo", profetizou.
Baía ainda falou sobre o discurso corrente entre os bolsonaristas, de que o presidente da República quer mudar o que há de errado no Brasil, mas que ele vem sendo tutelado e impedido por setores do Legislativo e do Judiciário, estes adeptos do que Bolsonaro frequentemente chama de "velha política". Segundo o cientista político, essa retórica fortalece a base eleitoral do presidente, permitindo um ativismo permanente que o coloca como "vítima de um sistema político corroído que ele quer modificar".
Então a "nova política" irá finalmente dar as caras em algum momento da era Bolsonaro? De acordo com Baía, ainda não está claro o que seria esse conceito e até mesmo o PT estaria tentando ganhar com tal indefinição do que representaria tal termo.
"Ele procura falar em nova política de maneira muito genérica e sem definição, e colocar também o que acontecia de maneira genérica, dando a entender o que existia antes era só corrupção. Ele mantém esse estilo que agrada os seus admiradores e agrada os que o estão apoiando no governo, ao mesmo tempo que mantém a estrutura da oposição refém do PT, o que interessa também ao PT, mantendo-o como única oposição, ficando as demais forças de oposição diluídas e sem discurso", finalizou.
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