Renan, o aliado essencial
"O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) é hoje o principal esteio do governo Dilma no Congresso, onde ela enfrenta divisões no PMDB, vacilações dos outros partidos da base e muchochos frequentes do PT. A centralidade de seu papel, como presidente do Senado, foi demonstrada esta semana ao longo da batalha parlamentar pela aprovação do projeto que flexibiliza o cálculo do superávit primário", avalia a colunista Tereza Cruvinel; perfil do senador que comanda o Legislativo é a capa da nova edição da revista Brasil 24/7
Por Tereza Cruvinel
Renan Calheiros é uma espécie de fênix na política brasileira. Quando se pensa que está morto, ressurge das cinzas e volta ao proscênio. É dotado também de um forte mimetismo que lhe tem permitido sobreviver e vencer em diferentes ambientes políticos. Hoje ele é o principal esteio do Governo Dilma no Congresso, onde ela enfrenta divisões no PMDB, vacilações dos outros partidos da base e muchochos frequentes do PT. A centralidade de seu papel, como presidente do Senado, foi demonstrada esta semana ao longo da batalha parlamentar pela aprovação do projeto que flexibiliza o cálculo do superávit primário.
Foram duas semanas de embates entre a coalizão governista e a oposição, que culminaram com as quase 19 horas de sessão na noite de quarta para quinta-feira, dia 4. Muitos outros, em seu lugar, teriam posto tudo a perder para o Governo. Em diferentes momentos, Renan fez uso dos atributos que lhe têm permitido sobreviver às adversidades ou renascer após as derrotas. Em alguns momentos, ele faz uso da conhecida couraça com que se especializou em enfrentar golpes e provocações sem descontrolar-se. Em outros, valeu-se da habilidade e da simpatia para segurar os aliados e desconcertar os atacantes. Houve também a hora em que precisou subir o tom e boxear com o verbo.
A couraça foi de extrema importância no esforço para aprovar um projeto crucial para a presidente Dilma Rousseff. Embora ainda falte a votação de um destaque, o resultado já retirou das mãos da oposição uma das armas com que ela contava para tentar semear a ideia golpista do impeachment. Sem a flexibilização do cálculo do superávit primário deste ano, Dilma poderia ser acusada de crime de responsabilidade por descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A oposição não escondeu seus desígnios ao longo da sessão, quando passou repisar o mantra de que aprovar o projeto seria anistiar Dilma de um crime já cometido.
Na primeira tentativa de votação do projeto, na semana passada, Renan endureceu para conter a fúria da oposição. Foi no entrevero com o líder do DEM, Mendonça Neto, que insistia em protestar da tribuna contra o início da votação. “Vossa Excelência não pode ficar aí, gritando. Vossa Excelência pode tudo. A democracia que Vossa Excelência quer e reivindica pode permitir isso. A democracia do Brasil não permite, não. Cale-se aí! Cale-se aí”.
Depois dos socos verbais, contemporizou dizendo que todos deviam conter os ânimos e pedir desculpas, e ele o fazia. Era hora de encerrar uma sessão fracassada, porque a base também não comparecera em peso.
Esta semana, a oposição voltou armada até os dentes e colocou manifestantes aliados nas galerias. Eles conseguiram inviabilizar a sessão de terça-feira com xingamentos a parlamentares. Quando começou o enfrentamento entre manifestantes e seguranças do Congresso, Renan concluiu que era preciso recuar novamente. Qualquer excesso ou violência resultaria num escândalo a favor da oposição. Antes do encerramento, declarou: “Esta foi uma obstrução sem precedentes, comandada por 26 não-parlamentares”.
Na quarta-feira, antes de abrir a sessão pela manhã, ele determinou o bloqueio do acesso às galerias, disposto a enfrentar apenas a guerrilha regimental da oposição. Foram quase dezenove horas de desafio à paciência e ao autocontrole. Deputados e senadores tiveram que apreciar dois vetos e um projeto ordinário para limpar a pauta. A oposição esticou a corda o quanto pôde, com pedidos de verificação de quórum, questões de ordem, requerimentos e falações demasiadas para gastar o tempo. Finalmente, quando se chegou ao projeto do superávit, a oposição inventou uma preferência pelo texto original do governo, contra o qual tanto blasfemara. A preferência é sempre do substitutivo do relator, a não ser que o plenário decida contrariamente. Ok, fez-se a votação, precedida dos discursos a favor e contra, das questões de ordem e da ladainha contra o “crime já cometido” por Dilma. Eram 3hs45m da manhã de quinta-feira quando o texto básico do relator Romero Jucá foi aprovado, restando o destaque que será votado na semana que vem. Renan saira poucas vezes da Mesa para ir ao banheiro e mastigara alguma coisa ali mesmo, numa rápida substituição. Dilma, dormindo no Alvorada, passou a dever muito aos aliados, que não lhe faltaram, e especialmente a Renan, que conseguiu levar a sessão a seu final, com o resultado desejado.
Os trancos e os barrancos
Hoje Renan é um dos políticos mais influentes e poderosos do país mas já tropeçou e caiu muitas vezes ao longo do caminho, que começou no movimento estudantil e o levou ao primeiro mandato de deputado federal em 1982. Quando o conterrâneo Fernando Collor resolveu ser presidente, tornou-se um de seus arqueiros, assumindo depois a liderança do governo na Câmara. Sentiu-se traído por Collor na disputa pelo governo de Alagoas em 1990. Ficou sem mandato, fora do Congresso. Na crise do impeachment, reforçou as acusações contra o esquema Collor-PC.
Deu a volta por cima e voltou como senador na eleição de 1994. Prestou bons serviços a Fernando Henrique no Senado e tornou-se ministro da Justiça em 1998. Em 2002, juntamente com Sarney e outros caciques do PMDB, apoiou a eleição de Lula, embora o partido fosse oficialmente aliado de José Serra. Em 2005, sucedeu a Sarney na presidência do Senado e foi reconduzido em 2007 mas estava começando outra fase adversa. Por ter ficado com Lula e o PT na crise do mensalão, entrou na mira da revista Veja, que o acusou numa reportagem de ter a pensão de uma filha tida fora do casamento paga pela empreiteira Mendes Júnior. Apedrejado pela imprensa, renunciou à presidência do Senado mas se recusou a abdicar do mandato. Ficou na planície, respirando discretamente para não atrair os adversários. Enquanto isso, costurava apoios e alianças. No início de 2013 estava de volta ao comando do Senado, terceiro posto na linha sucessória da Presidência da Republica. Mas logo vieram as manifestações de junho e no rastro deles, o movimento “Fora Renan”. Ele o suportou impávido e fez uso da couraça, à espera das eleições de outubro. Demonstrou força elegendo o filho governador.
Uma trajetória tão singular só é possível aos políticos que aprendem a decifrar as cartas enigmáticas do poder, aos que sabem combinar, na dose certa, lealdade aos aliados e esforço de autopreservação. No governo Dilma, ele tem se exposto ao limite quando se trata de uma questão crucial para a sobrevivência do esquema de poder de que participa, como no caso do superávit. Isso não o impediu de, muitas vezes, permitir ou até ajudar a articular derrotas do Governo, quando estavam em jogo seus interesses pessoais ou partidários. Recentemente ele tem insistido com ela, direta ou indiretamente, sobre a importância de melhorar o relacionamento com os aliados. Tempos difíceis esperam por Dilma: a oposição, ruminando a derrota, promete uma guerrilha permanente para inviabilizar seu governo. Se houver brecha, pedirá até mesmo o impeachment, embora lhe faltem as condições jurídicas e políticas para isso. Vem aí um ajuste fiscal e algumas medidas terão que passar pelo Congresso. Se conseguir se reeleger para mais um mandato na presidência do Senado – e até onde a vista alcança a possibilidade de êxito é grande - Renan Calheiros continuará sendo, para Dilma, o aliado essencial. Ele não vai se atirar ao mar por ela mas não lhe faltará enquanto houver boas condições de navegação.
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