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GDF é responsável por não ter protegido a Praça dos Três Poderes, diz Lênio Streck

Já a União não tem responsabilidade pelos incidentes, pois só age em caso de falha dos entes federativos

Lenio Streck e terroristas bolsonaristas (Foto: Reuters | OAB)

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Por Sérgio Rodas, do Conjur – O governo do Distrito Federal é responsável por não ter protegido melhor os prédios dos três Poderes, em Brasília, dos ataques de bolsonaristas no domingo (8/1). Já a União não tem responsabilidade pelos incidentes, pois só age em caso de falha dos entes federativos. No entanto, na opinião do jurista Lenio Streck, o Estado é vítima do que ocorreu em Brasília, e os verdadeiros culpados são os terroristas e seus financiadores.

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, ao comentar os ataques terroristas, afirmou que o Estado — tanto o Distrito Federal quanto a União — deveria ter feito um trabalho de prevenção para evitar os incidentes de Brasília.

"Estou estarrecido e a única indagação que faço é: onde esteve o Estado que não previu isso e não tomou as providências cabíveis? Refiro-me ao Estado como um grande todo, não apenas ao governo do Distrito Federal. É algo impensável ter o STF depredado, ter o Congresso Nacional depredado, como ocorreu. Vamos fechar o Brasil para balanço", disse Marco Aurélio em entrevista ao jornal O Globo.

Os governos federal e do DF sabiam que um grande número de bolsonaristas se dirigia a Brasília para manifestações no domingo, conforme reportagem do Globo. No sábado (7/1), o Ministério da Justiça tinha a informação de que havia mais de cem ônibus em direção à capital do país.

O planejamento inicial do governo do Distrito Federal previa proibir o acesso de manifestantes à Esplanada dos Ministérios, para evitar que se aproximassem dos prédios públicos. No entanto, o plano foi alterado no sábado, sem que o governo federal houvesse sido avisado. Dessa maneira, as barreiras foram montadas somente nas áreas próximas à Praça dos Três Poderes, onde ficam o Palácio do Planalto e os prédios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Algumas horas antes de os bolsonaristas deixarem a área do quartel-general do Exército, onde muitos estavam acampados, e partirem em direção à Esplanada dos Ministérios, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviou relatório a órgãos de segurança. No documento, a Abin avisou que os manifestantes planejavam depredar os prédios dos três poderes. Um dos órgãos que recebeu o alerta foi a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, então comandada por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL) e que havia viajado para os Estados Unidos no sábado.

Após o início dos atos terroristas, a Força Nacional foi convocada para reforçar a segurança. Contudo, apenas 140 agentes estavam em Brasília no domingo. O contingente servia só para reforçar o policiamento feito pela Polícia Militar do DF.

Vítimas do terrorismo

Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, afirma que a União e o Distrito Federal são responsáveis pela reconstrução da destruição causada pelos ataques bolsonaristas em Brasília.

"Os dois entes federativos são vítimas. Juridicamente, os responsáveis pelos atos são os terroristas, bem como seus instigadores e financiadores", diz Lenio. "O ex-ministro (Marco Aurélio) está culpando a vítima pelo estrago. É como a Petrobras pagar multa na 'lava jato'. Sem sentido isso."

A seu ver, União e DF poderiam e deveriam ter tomado medidas para prevenir os ataques. Aí entra a responsabilidade de Ibaneis Rocha (MDB), governador afastado do DF, e de sua equipe, além do Gabinete de Segurança Institucional, do governo federal.

Para demonstrar de quem é a culpa pela destruição de Brasília, Streck recorda uma história atribuída à filósofa francesa Simone de Beauvoir.

"Uma mulher e seu marido violento viviam numa casa à beira de um rio. Na outra margem havia um vilarejo. Regularmente ela fazia a travessia com um barqueiro para estar com seu amante. Também havia uma ponte não muito distante dali que ela evitava pelo temor de encontrar um assaltante, conhecido na região por atacar os transeuntes à noite. Um dia ela se tardou. No cais, o barqueiro encerrava seu turno de trabalho e se recusou a transportá-la. Retornou à casa do amante, mas ele se negou a acompanhá-la alegando cansaço. Chegou a considerar seu convite para passarem a noite juntos, mas lembrou-se do marido violento e escolheu retornar pela ponte onde logo depois foi morta pelo assaltante", narra o jurista.

"Simone de Beauvoir, a quem é atribuída a autoria dessa alegoria, teria perguntado: de quem é a culpa? Surpreendentes, ou nem tanto, teriam sido as respostas. No topo da lista figurava a mulher, adúltera, que 'buscou' o nefasto destino. Depois, do barqueiro intransigente com o horário. Do amante egoísta cansado. Do marido violento que a empurrou para os braços do amante. Ninguém se deu conta de que o culpado é o assassino? Culpados são os terroristas e quem os inspirou e financiou. Simples assim. Acaciano", conclui Streck.

União sem culpa

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano também discorda do argumento de Marco Aurélio. Em sua opinião, a responsabilidade pela segurança pública em Brasília era do Distrito Federal, mas não da União, que só poderia agir em caso de falha daquele ente — algo que não poderia ser presumido.

Conforme Serrano, o governo federal agiu de forma correta ao decretar a intervenção federal no DF após a gestão local falhar na proteção do patrimônio público. E não havia como a União estabelecer preventivamente estado de defesa ou de sítio, aponta o professor. O primeiro cabe em caso de grande tumulto. O segundo, em caso de guerra ou grave perturbação da ordem não solucionável pelo estado de defesa.

Serrano diz que, antes de domingo, era muito difícil saber se as manifestações seriam pacíficas, o que dispensaria a necessidade de reprimi-las, ou violentas. Mesmo se houvesse a certeza de que o ato seria agressivo, a responsabilidade de contê-lo seria do Distrito Federal, a quem compete a segurança pública em Brasília, e não da União, destaca o professor.

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