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    Falta de governabilidade e atores estrangeiros dificultam a solução da crise no Haiti

    O governo, privado de seu período constitucional para governar, e o agravamento da situação de "vácuo de poder", permitiram o empoderamento exponencial de quadrilhas armadas

    Homem chuta pneus em chamas durante protesto enquanto governo preparava prorrogação do estado de emergência após escalada de violência de gangues que buscam destituir o primeiro-ministro Ariel Henry, em Porto Príncipe, Haiti (Foto: Ralph Tedy Erol / Reuters)

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    Agência RT - O assassinato ocorrido em junho de 2021, no Haiti, contra seu presidente Jovenel Moïse, abriu o cenário de uma desintegração social da nação haitiana. O ato, perpetuado, entre outros, por ex-militares colombianos na própria casa presidencial e financiado por empresas de segurança em Miami – como decidiram os tribunais da cidade do sudeste dos EUA – levou o país a uma situação mais complicada do que crises anteriores deste século.

    Aqui estamos falando de uma fragmentação social, com atores diferentes em conflito, que desde fevereiro chegou a um paroxismo. A ilegitimidade do governo, privado de seu período constitucional para governar, e o agravamento da situação de "vácuo de poder", permitiram o empoderamento exponencial de grandes quadrilhas armadas.

    As ações desses soldados colombianos mostram uma intenção velada, vinda do exterior, de levar o Haiti a uma situação como a que está vivendo. As redes sociais também fizeram a sua "magia", espalhando fake através da clássica e colonial acusação de canibalismo entre os habitantes, para promover a imagem de um país "governado pela barbárie" que, "de imediato", teria de ser intervencionado.

    O dia 7 de fevereiro indicava constitucionalmente o prazo para a saída do atual governo, composto basicamente pelo primeiro-ministro Ariel Henry que, de Porto Rico, renunciou ao cargo, embora nunca tenha sido realmente empossado. A ilegitimidade do governo, privado de seu período constitucional para governar, e o agravamento da situação de "vácuo de poder", tem permitido o empoderamento exponencial de grandes quadrilhas armadas, algumas lideradas por ex-funcionários conhecidos, que vêm avançando na tomada de vários espaços no país e também despontam como atores políticos.

    Por muitos anos, as gangues controlaram setores da periferia e do centro de Porto Príncipe, mas nas últimas semanas avançaram em direção ao resto do país, conseguindo controlar enormes territórios. Suas ações também foram mais parecidas com as de um grupo armado com influência política e nacional: atacaram postos policiais, tomaram prisões e libertaram prisioneiros, já entraram em bairros ricos, exigiram a renúncia de Henry e, segundo a mídia internacional, impediram o primeiro-ministro de voltar, cercando o aeroporto.

    Alguns analistas chegam a afirmar que a rejeição de Henry e a participação de ex-militares colombianos no assassinato teriam conseguido coordenar as ações das gangues, que passaram a ter um inimigo em comum, um adversário superior: o governo apoiado apenas por potências estrangeiras.

    Enquanto as instituições estatais estão evaporando, grupos de autodefesa também estão surgindo para tentar enfrentar essas gangues e a situação de perseguição generalizada sofrida por toda a população.

    Percebe-se que há uma situação de fragmentação do poder em que nenhuma força ainda pode se impor e estamos diante de um Estado que não tem mais presidente ou primeiro-ministro e que tem forças policiais em claro enfraquecimento.

    Dias antes da renúncia do premiê, em 12 de março, em uma entrevista coletiva na capital e cercado por seus guarda-costas, o líder da gangue do G9, vulgo 'Barbecue', foi bastante enfático: "Se Ariel Henry não renunciar, se a comunidade internacional continuar a apoiá-lo, ele nos levará diretamente a uma guerra civil que terminará em genocídio".

    Henry concordou em renunciar a Porto Rico e, por meio da mediação da Comunidade do Caribe (Caricom), foi proposta a instalação de um Conselho Presidencial de Transição para nomear um presidente interino e convocar, em tempo peremptório, eleições livres, o que no final parece ser uma demanda comum entre atores políticos e alguns grupos armados.

    Mas, uma dúzia de dias depois, nada disso aconteceu. Sabe-se que cada parte teria indicado o seu representante nesse órgão. Embora ainda não haja indicação de sua constituição formal ou da nomeação de um novo presidente interino.

    Há uma situação de fragmentação do poder em que nenhuma força ainda pode se impor e estamos diante de um Estado que não tem mais um presidente ou primeiro-ministro e que tem forças policiais em clara fraqueza

    Enquanto isso, há um óbvio deserto de autoridade. A violência está aumentando. As quadrilhas armadas passaram a operar com uma lógica de reocupação do Estado e não mais como simples crime organizado; A população civil está cada vez mais indefesa, na verdade bolsões de fome já são relatados. Tudo isso sugere que a atual ausência do Estado não será preenchida com muita facilidade, independentemente do presidente que aceite funções interinas.

    Regresso à normalidade ou intervenção à porta

    O que está em causa, do ponto de vista do Estado, é criar condições mínimas para eleições nacionais que não se realizam desde 2016. Não é descabido que as gangues armadas, que têm porta-vozes políticos, permitam um evento eleitoral, já que exigiram a eleição popular do próximo presidente.

    No entanto, o Haiti não parece estar atualmente caminhando para a normalização. Teremos de ver como é que este novo conselho e a nomeação de um novo presidente de transição são recebidos entre o arquipélago de factores de poder político e territorial.

    O governo queniano se ofereceu para enviar uma tropa de 1.000 policiais, financiada por Washington, para intervir no controle da ordem pública. O Governo dos EUA Os EUA também estão considerando enviar forças, como disse Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, na terça-feira.

    Uma intervenção no Haiti, constituído como uma força multinacional, "não é novidade debaixo do sol". Desde 1994, a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou dez operações, sendo a última a Minustah, implantada de 2014 a 2017, e suas ações estão repletas de memórias nocivas. Essas intervenções não regularizaram a situação, mas até aprofundaram a crise.

    A novidade atual, em relação às intervenções anteriores, é a força militar das quadrilhas. Com essa nova variante, qualquer previsão sobre a pacificação do país fica reservada, mesmo sob a intervenção de uma hipotética força internacional, o que pode acabar alimentando uma guerra civil.

    As fatídicas horas sofridas pelos cidadãos acabaram por ser longos dias, meses e anos, de uma crise tão aguda quanto perpétua. Os interesses da "comunidade internacional" também não ajudam muito.

    O Haiti está sozinho, e apenas uma convocação antecipada de eleições gerais poderia gerar algum vislumbre de esperança.

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