Uruguai: lei de Lacalle Pou que regulamenta rádio e TV é inconstitucional e favorece grande mídia
Lei sobre mídia começou a ser discutida há três anos no Uruguai, mas é aprovada a menos de 3 meses das eleições
Por Luvis Hochimín Pareja (Diálogos do Sul) - O governo direitista uruguaio aprovou no Parlamento uma lei de Regulamentação de Serviços de Difusão de Conteúdo Audiovisual que contém artigos evidentemente anticonstitucionais, favorece os grupos poderosos da comunicação e permite a restrição da liberdade de expressão.
Um projeto de lei obteve na madrugada de 8 de agosto a sanção parlamentar definitiva com 50 votos da coalizão do governo de direita, sobre 91 deputados presentes do total de 99 que formam a Câmara Baixa. A opositora Frente Ampla (centro-esquerda) não apoiou a iniciativa, que modifica a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual adotada em 2014 no final do governo de José Mujica, e regulamentada em 2019 no último período da segunda presidência do também esquerdista Tabaré Vázquez.
O projeto começou a ser discutido há três anos, mas é aprovado no ano eleitoral, a menos de três meses das eleições onde a coalizão direitista conduzida pelo presidente Luis Lacalle perderia a condução do Estado para a centro-esquerdista Frente Ampla, principal partido de oposição.
No projeto tiveram participação protagonista em sua confecção os donos dos canais de televisão e, naturalmente, a norma os favorece de maneira direta, razão pela qual, em consequência, prejudica a democracia. Também consagra o direito dos titulares de licenças de televisão para assinantes de oferecer serviços de banda larga, em concorrência com os serviços do Estado.
A nova norma, que como a de 2014 regulamenta só os serviços de rádio e televisão, e não a difusão pela internet, elimina a declaração de que o Estado deve impedir a formação de monopólios e oligopólios para garantir a diversidade e o pluralismo no acesso à informação.
Também deixa sem efeito o financiamento do fundo de promoção do setor de comunicação audiovisual, formado com contribuições dos titulares de licenças de televisão para assinantes, assim como a obrigação dos operadores de canais a cabo de incluir em seu pacote básico os sinais da televisão nacional do Uruguai.
Seu descarado costume de beneficiar a grande mídia perseguia este propósito, mas, mesmo no contexto desta convicção, a lei que acabam de aprovar é surpreendente. De um momento para o outro, em um cúmulo de normas que prejudicam a estatal de comunicações Antel e favorecem a grande mídia, legisla descaradamente para garantir uma blindagem post mortem, diz Caras y Caretas.
A lei inclui criar cargos em ano eleitoral, algo especialmente vedado pela Constituição e que permite ao Governo nomear por seis anos o diretor da mídia pública, incorrendo em uma flagrante arbitrariedade com a intenção de prorrogar, além dos limites deste período, seu controle sobre os meios de comunicação do Estado.
Os analistas se perguntam se as grosseiras inconstitucionalidades que exibe a norma passarão pelo filtro da Suprema Corte de Justiça quando lhe toque abordá-las, mas além dos que atentam contra a Carta Magna há outro montão de artigos nefastos para a sociedade e ruinosos para o Estado.
Alberto Grille indica que a única coisa boa desta lei de mídias é que as desnuda, as pinta de corpo inteiro como o que verdadeiramente são quando se retira a maquiagem: uma coalizão de partidos de direita, com uma vocação autoritária de manual, completamente embarcados em uma estratégia de supressão da informação e da crítica para manter o controle político da sociedade e continuar favorecendo uma articulação de interesses privados e uma orientação conservadora da coisa pública.
Veto de Lacalle Pou - Ainda que a Constituição lhe desse um prazo de dez dias, o presidente Luis Lacalle Pou não esperou nem 24 horas para vetar o artigo 72 da nova lei de mídia que, por proposta do ultradireitista Cabildo Abierto (CA), consagrava o direito dos cidadãos de receber “uma comunicação política de maneira completa, imparcial, séria, rigorosa, plural e equilibrada”.
No veto que enviou em 8 de agosto à Assembleia Geral, Lacalle Pou afirma que o artigo “é questionado por razões de constitucionalidade e conveniência”. O artigo, agora aprovado no Parlamento, também impunha aos meios de comunicação a obrigação de dar informação “imparcial” e “equilibrada” em “todos os programas e espaços que emitam análises, opiniões, comentários, avaliações e informação de caráter político no sentido mais amplo do termo”.
Lacalle argumenta que, “sem prejuízo de vulnerar a liberdade de indústria”, o texto em questão supõe “uma obrigação incompatível com a liberdade de expressão”, dado que, “não só obriga a mídia a como deve comunicar”, como ainda define “que tipos de conteúdos devem ser comunicados”.
Por fim, o presidente afirma que questionar este artigo “é imprescindível em um Estado de direito” para “salvaguardar o direito e a garantia jurídica da liberdade de expressão como direito humano que deriva da forma republicana de governo”.
Guido Manini Ríos, líder do Cabildo Abierto, disse que o propósito do artigo era garantir “a liberdade do cidadão”: “Que liberdade tem um cidadão de eleger [nas eleições] com base na caricatura que fazem de um partido ou de um candidato?”, perguntou.
Manini afirmou que a nova lei da mídia “tem aspectos que são muito mais polêmicos” e advertiu que, sem o artigo, “no futuro pode acontecer que, pela concentração da mídia, três ou quatro meios de comunicação decidam a quem dar o microfone, ou não”. O senador do Cabildo Guillermo Domenech lamentou que, “uma vez mais, o presidente não cumpre com a palavra dada”, que foi “transmitida por seus senadores”, afirmou.
A Constituição prevê a possibilidade de que o Parlamento levante o veto do Poder Executivo, sempre e quando a Assembleia Geral reúna uma maioria especial de três quintos dos votos. A senadora do Partido Nacional (PN, oficialista) Graciela Bianchi, ressaltou que “O que nos importava era derrogar a lei vigente, que era perigosíssima”, enfatizou.
O deputado da Frente Ampla (FA) Carlos Varela disse que se alegrava com a decisão do presidente, mas –acrescentou- “isso não evita que estejamos diante de uma lei muito ruim”, que “tem uma quantidade de elementos negativos que significam um enorme retrocesso em relação à legislação que tínhamos”.
Como foi dito, a lei agora modificada foi aprovada no governo de José Mujica e regulamentada na segunda presidência de Tabaré Vázquez. Com exemplo, Varela mostrou o mecanismo de designação das novas autoridades do sistema público de rádio e televisão, que já foi considerado inconstitucional pela Divisão Jurídica da Comissão Administrativa do Poder Legislativo.
“É absolutamente inconveniente a criação de cargos que comprometem a gestão do próximo governo em matéria de meios de comunicação públicos; não deveriam fazer isso a esta altura do ano”, afirmou.
Tradução: Ana Corbisier
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