1º dia de 523 anos!
Hoje sabemos que vivemos 523 anos de destruição prolongada desde aquele dia
“O colonialismo deixa para trás germes de podridão que devemos detectar e remover clinicamente da nossa terra, mas também das nossas mentes” - Frantz Fanon
Tenho pensado nesses dias de abril, reivindicado hoje como abril indígena, pela simbologia de luta de resistência desde quando os europeus começaram a invadir o território de Pindorama. Talvez tenha sido um dia chuvoso, como o é hoje, talvez ainda os últimos raios de sol resistissem a inevitável chuva, talvez a majestosa mata atlântica daquela época, fosse mediadora da alternância entre o sol e a chuva em nosso cenário celeste, que devia ter um azul incandescente, principalmente às noites com suas estrelas piscando ininterruptas e incansavelmente.
São tantas cenas que me veem à cabeça, que não sei qual seria a mais (in)adequada, no momento dessa chegada, que parecia ser mais uma chegada de viajantes, que fazendo paradas para continuar viagem trocavam algumas mercadorias ou uma parada para tomar a nossa famosa bebida, o Cauim, amplamente conhecida pelos viajantes que por aqui passavam, ou talvez conhecer o nosso modo livre de viver, integradas e integrados à densa e extensas florestas habitadas.
Independente de como foi o dia e o que pensavam ou faziam os parentes naquela ocasião, esse foi o dia que marcou em definitivo as nossas vidas nesses trópicos, que de alegres ficaram tristes. E penso, que triste que não tínhamos uma internet ligeira (porque já tínhamos comunicação virtual, não essa de hoje) e nos faltou signal, telegram, whatsapp ou instagram, face, Twitter, para que tivéssemos sido alertados sobre a invasão que já havia ocorrido em Abya Yala, e já durava 8 anos e já havia causado estragos. Tanto os invasores de cá, quanto os de lá, estavam em guerra há mais de 700 anos, incorporaram esse espírito da violência e não vieram para trocar, se banhar em nossas praias e rios ou beber nosso cauim, a determinação dos que chegaram em Abya Yala e Pindorama, nesse período era outra.
Os primeiros dias, aqui observamos a movimentação dos que chegaram, mas nunca perdemos a nossa característica hospitaleira e como sempre fizemos com outros viajantes, nos aproximamos, tentamos nos comunicar, já conhecíamos outras palavras diferentes vagamente, mas não desses que chegaram, as palavras desses saiam meio cuspidas, um pouco cantada, mas cada palavra que saia deles, nos divertiamos, dávamos risadas e ríamos quando eles riam.
Percebemos claro, quando eles olhavam de forma estranha para as mulheres, mas como entre nós não havia a ideia de propriedade de corpos, olhávamos para as suas vestimentas, algumas esfarrapadas, outras estranhas meio metálica, não entendemos, já que o calor apesar de não ter chegado às temperaturas que hoje chegam, era insuportável para quem usava tais vestimentas à época.
Mas passamos a desconfiar, quando eles começaram a ficar mais tempo, não parecia uma dessas visitas corriqueiras, que passavam alguns dias e seguiam a viagem, eles foram ficando, foram chegando mais gente parecidas com os primeiros, esses de caras fechada, rude e falavam alto conosco, começamos a achar que algo estava diferente, bem diferente, passaram a brincar com as nossas mulheres, o que não nos incomodava, mas passaram a nos forçar a pegar madeira, se não o fizéssemos, éramos chicoteados e amarrados em filas. As nossas mulheres passaram a se negar a ter algo com eles e passaram a ser violentadas. Logo as suas doenças começaram a se espalhar entre nós, muitos começaram a morrer, começamos a ser expulsos das nossas terras, cada vez mais chegavam esses homens. E passaram a chegar mais, esses diziam que tudo isso era feito em nome de um tal de deus, que nem sabíamos quem era, diziam que esse deus era bom, só não conseguimos entender para quem ou para o quê?
Porque morríamos, nossas mulheres eram estupradas, éramos escravizados, nossos rios eram contaminados, nossas matas eram derrubadas? Muitas doenças que não tínhamos passamos a ter, nosso modo de vida de muitos milênios passou a ser impedido e passaram a falar que esse território em que vivíamos aqui, que nossos avós, bisavós, tataravós sempre viveram, não era nosso e sim de um tal rei de Portugal.
Começamos a entender que aquele dia não foi um dia normal. Depois de 500 anos, começamos a ver os sinais dos céus de sua chegada e percebemos que o nosso mundo se modificou, e modificou todo o mundo, e hoje sabemos que vivemos 523 anos de destruição prolongada desde aquele dia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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