10 anos de uma conferência nacional histórica da classe trabalhadora
A classe trabalhadora tem que liderar a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento, em aliança com os pequenos e médios produtores do campo e das cidades. O primeiro passo nesta direção é a batalha pelo impeachment de Jair Bolsonaro
Junho é o mês em que o movimento sindical lembra e comemora o 10º aniversário da 2ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), evento unitário das centrais sindicais brasileiras que reuniu em torno de 30 mil sindicalistas no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Ocorreu no primeiro dia do mês. Seu resultado mais notável foi a aprovação de uma “Agenda da Classe Trabalhadora por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, com Soberania, Democracia e Valorização do Trabalho”.
O documento, elaborado com a assessoria do Dieese, refletiu uma elevação do nível da consciência e da luta dos sindicalistas ao sinalizar um propósito estratégico das batalhas travadas pela classe trabalhadora que transcende os conflitos corporativos do cotidiano sindical e remete à luta política por objetivos sociais e nacionais mais amplos e permanentes.
Outra conjuntura
A conjuntura econômica e política era outra. Em 2010, o Brasil vivia o último ano do governo Lula. Depois de enfrentar a “marolinha” da crise econômica iniciada nos EUA em dezembro de 2007 e amargar, em 2009, um recuo da produção que hoje parece brando (-0,6%), a economia nacional experimentou forte recuperação.
O PIB fechou com alta de 7,5% no ano em que foi celebrada a 2ª Conclat. A taxa de desemprego medida pela IBGE baixou a 6,7%. A realização da conferência concretizou uma proposta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), apresentada durante o congresso de fundação da central classista, em dezembro de 2007 na capital mineira (BH), lembra o sindicalista João Batista Lemos, um dos fundadores da CTB.
Valorização do trabalho
“A 2ª Conclat foi fundamental porque naquela época era necessário a classe trabalhadora ganhar o protagonismo político na construção de um projeto nacional no país para impulsionar o governo Lula e, depois, o de Dilma”, comentou.
Em sua opinião “era necessário dar uma sustentação social para mudar os rumos do país e fortalecer o processo de desenvolvimento nacional com valorização do trabalho. A CTB foi uma das primeiras organizações que compreenderam uma questão fundamental na abordagem teórica e prática do desenvolvimento nacional: a valorização do trabalho é uma fonte do crescimento econômico”.
Constituição
Tal compreensão está em harmonia com os princípios que orientam a Constituição Federal de 1988. Com efeito, a Carta Magna estabelece no art. 1°, IV, que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos “os valores sociais do trabalho”. O caput do art. 170 diz que a ordem econômica é “fundada na valorização do trabalho humano”. O art. 193 dispõe que a “ordem social tem como base o primado do trabalho”. Os artigos 7º e 8º definem os direitos sociais e sindicais fundamentais.
Graças à ação unitária das centrais, aliada ao caráter democrático e popular dos governos Lula e Dilma, os valores sociais consagrados na Constituição Cidadã estavam deixando de ser letra morta. A valorização do trabalho à época transformou-se em realidade. Foi traduzida num aumento sensível do salário mínimo (mais de 70%), crescimento do emprego formal, redução do desemprego, extensão dos direitos previstos na CLT ao trabalho doméstico, legalização das centrais sindicais, programas de transferência e redistribuição da renda, entre outras iniciativas.
Público versus privado
Já naqueles anos, conforme Batista, percebia-se uma “onda ideológica muito forte e pressões poderosas pelo chamado Estado mínimo, enquanto o movimento sindical e os partidos de esquerda e centro-esquerda lutavam por maior intervenção do Estado, no planejamento e promoção do desenvolvimento e na defesa dos direitos do povo. É a visão que quer a prevalência dos interesses privados sobre os interesses públicos”.
“Do nosso lado também defendemos uma atualização da CLT para responder aos novos desafios nas relações do trabalho decorrentes da terceira revolução técnico científica e a redução da jornada sem redução do trabalho. O próprio Lula disse que o movimento sindical tinha de lutar pela redução da jornada de trabalho porque isto contribuiria para o desenvolvimento nacional, pois significava trabalhar menos para todos trabalharem e poderíamos chegar ao pleno emprego, fortalecendo o mercado interno e a economia”, salientou.
Reformas estruturais
Para o sindicalista “tratava-se de incorporar todos os brasileiros e brasileiras em idade ativa no desenvolvimento das forças produtivas e do bem estar social. Nossa luta tinha o objetivo de construir uma correlação de forças no campo político mais favorável para avançar na direção de mudanças mais profundas. Batalhamos por reformas estruturais: a efetivação da reforma agrária, estimulando as cooperativas e a agroindústria; a realização de uma reforma tributária progressiva; reforma política; a democratização dos meios de comunicação; a mudança radical da política econômica baseada no tripé conservador do câmbio flutuante, geração de superávits primários para remunerar rentistas e juros reais altos”.
Era (como ainda é) essencial ampliar os investimentos públicos na saúde, na educação, na habitação, no saneamento, na infraestrutura e logística para garantir o desenvolvimento nacional sustentado. A conferência indicou a importância da unidade da classe trabalhadora em torno da luta pela implementação da agenda aprovada na 2ª Conclat.
Cenário subvertido
Os avanços políticos, econômicos e sociais despertaram o ódio de classes nas elites empresariais e forças conservadores com expressão nos meios militares e aliadas ao imperialismo americano.
O golpe de Estado contra Dilma em 2016, que pode muito bem ser definido como um golpe do capital contra o trabalho, bloqueou o caminho do movimento sindical, subverteu o cenário político contra a classe trabalhadora, a democracia e a soberania nacional e segue impondo o retrocesso. Está em curso desde então uma política de restauração neoliberal profundamente hostil ao povo brasileiro. O cenário de desenvolvimento com valorização do trabalho, que cobrava avanços, foi brutalmente revertido.
Retrocesso inédito
O movimento reacionário, inicialmente capitaneado pela direita do PMDB e PSDB, foi coroado com a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018, e a ocupação do Palácio do Planalto pela extrema direita. Presenciamos a radicalização da política golpista orientada para a destruição do Direito do Trabalho, a abjeta submissão aos EUA, as privatizações, a degradação da democracia, da saúde e da educação, das empresas públicas, do mercado de trabalho e do meio ambiente.
Este retrocesso de proporções inéditas na história brasileira configura uma antítese da Agenda por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento com Valorização do Trabalho, Democracia e Soberania aprovada na 2ª Conclat no dia 1º de junho de 2010. Mas isto não significa que a agenda (desenvolvimentista) esteja superada e deve ser descartada.
Governos Lula e Dilma
Nos governos Lula e Dilma, pelo menos até o advento da crise econômica e política de 2015 (quando a presidenta foi praticamente impedida de governar), a valorização do trabalho foi acompanhada do crescimento do mercado interno, aumento da renda per capita, maior formalização do mercado de trabalho e baixa taxa de desemprego.
Em 2002, o Brasil ocupava a 13ª posição no ranking global de economias medido pelo PIB em dólar, segundo dados do Banco Mundial e FMI. Chegou a ser o 6º em 2011, desbancando a Grã-Bretanha. Depois começou a recuar. A desigualdade caiu, as discriminações (contra negros, mulheres, índios, jovens, homossexuais) foram combatidas.
Reformas neoliberais
O golpe foi facilitado pela irrupção de uma crise econômica (que são recorrentes e inevitáveis sob o capitalismo) no final de 2014. A empreitada golpista consiste em destruir e reverter as conquistas alcançadas nos governos de centro-esquerda liderados pelo PT. As reformas neoliberais, impostas sob a retórica de que eram o caminho para a recuperação da economia e do emprego, estão perpetuando a estagnação e produzindo um estado de mal-estar social generalizado.
A política de depreciação da força de trabalho, com flexibilização da CLT, reforma da Previdência, terceirização irrestrita, fim da política de valorização do salário mínimo e congelamento dos gastos e investimentos públicos, agravou a recessão de 2015/16 e impediu uma recuperação mais robusta da economia e do mercado de trabalho. O desemprego em massa persiste, temperado pelo crescimento extraordinário da informalidade, do trabalho precário, da pobreza e da miséria.
Receitas fracassadas
Esses resultados confirmam as críticas e as advertências da oposição. Mostram que a política neoliberal, fundada no dogma do Estado mínimo e na progressiva destruição do Direito do Trabalho, fracassou em suas promessas e está em contradição com a necessidade nacional de desenvolvimento e o anseio popular por bem-estar social.
A emergência da pandemia do novo coronavírus evidenciou a irracionalidade do neoliberalismo. Na contramão do fundamentalismo liberal, a ampliação dos gastos e investimentos públicos para contornar os efeitos das crises sanitária e econômica tornou-se um imperativo para as nações. No Brasil não poderia ser diferente. Paulo Guedes e equipe foram atropelados, embora insistam nas receitas fracassadas.
As classes e o desenvolvimento
“A agenda da 2ª Conclat por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, soberania e democracia, está mais atual do que antes”, observou Batista, acrescentando que a consciência das lideranças trabalhistas sobre o tema é agora mais elevada. “Temos também mais unidade”.
Mas é preciso levar em conta as lições da história. Com a consolidação da hegemonia neoliberal, a burguesia brasileira deixou de se preocupar com o desenvolvimento e há muito já não fala nem manifesta interesse por um projeto nacional, diferentemente do que ocorreu na época de Getúlio
Vargas e Roberto Simonsen.
Os fatos, com os resultados práticos das teorias e políticas neoliberais sugerem que os interesses das classes dominantes já não favorecem ou promovem o desenvolvimento das nações. São, na atualidade, um sério obstáculo neste sentido. Um obstáculo que cumpre remover.
Fora Bolsonaro
A história indica que só a classe trabalhadora tem interesses objetivos em um novo projeto nacional de desenvolvimento e que esses interesses coincidem com a necessidade de fortalecimento do mercado interno e crescimento sustentado da economia.
Ao celebrar o 10º aniversário da Conclat cabe enfatizar a necessidade de criar as condições para resgatar a agenda aprovada no Pacaembu. A classe trabalhadora tem que liderar a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento, em aliança com os pequenos e médios produtores do campo e das cidades.
O primeiro passo nesta direção é a batalha pelo impeachment de Jair Bolsonaro, em defesa da democracia, da soberania nacional (afrontada com a vil submissão aos EUA) e dos direitos sociais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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