30 anos do "Plano Real"
O país passou a importar muito mais do que exportava, um desequilíbrio contornado temporariamente com taxa de juros extremamente alta para atração de dólares
(nem tudo foi divino e maravilhoso)
Pedro Benedito Maciel Neto
"As pessoas esquecem, porque ficam só no oba-oba: Sim, o Plano Real foi uma maravilha, mas junto com ele foi feita uma elevação de juros absolutamente alta. A partir do Plano Real, o mercado financeiro e os rentistas (e os economistas que trabalham para os rentistas e os financistas) passaram a capturar o patrimônio público. Eles estão, no ano da graça de 2024, portanto 30 anos depois do real, capturando 7% do PIB [Produto Interno Bruto]".
Bresser-Pereira, para a Folha de São Paulo.
O ano de 1994 começou agitado. Logo em janeiro Paulo César Farias, o tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando Collor de Mello, foi condenado a quatro anos de prisão por sonegação de impostos e o relatório final da “CPI do Orçamento” aprovou o pedido de cassação dos mandatos de 18 parlamentares; em fevereiro o governo lançou a URV, Unidade Real de Valor, que equivalia a 2 750 cruzeiros reais, em maio o Brasil chorou a morte de Airton Sena, comemorou os títulos mundiais do basquete feminino e do futebol masculino e conheceu o Plano Real.
São trinta anos desde a implantação do exitoso “Plano Real”, que colocou fim à espiral inflacionária, herança da política econômica da Ditadura Militar. Gosto de lembrar que o presidente era Itamar Franco, pois há um desejo revisionista por trás de frequente omissão e, para os mais jovens, é importante lembrar que todas as economias periféricas do mundo, em especial as latino-americanas, vivenciaram cenários de inflação elevada naquela época, que, assim como nós, também experienciaram planos diversos de estabilização e que todos conseguiram estabilizar a economia mais ou menos no mesmo período.
O “Real”, que começou com um forte ajuste fiscal (recessão) e teve como âncora de sustentação o câmbio (o que exigiu movimentos para atração de dólares), derrotou uma inflação (cuja origem seria o endividamento motivado pelo excesso de gastos e falta de disciplina com as contas públicas).
Muitos países conseguiram equilibrar suas economias na mesma época, mas não foi coincidência; economias estáveis foi uma tendência mundial e decorre do ciclo de liquidez na economia mundial, o que explica por que o Plano Real “deu certo”, enquanto o Plano Cruzado, com características parecidas, não. A brilhante economista Juliane Furno escreveu: “Inclusive, os dois planos contaram com perspectivas teóricas muito parecidas, com parte dos mesmos cérebros pensantes.”, contudo, “... no início e meados dos anos 1980 os fluxos internacionais de capitais estavam restritos, sobretudo em função da desestabilização mundial provocada pelo aumento da taxa de juros americana e a política de sobrevalorização do dólar, cenário radicalmente distinto no final da década.”.
A maior disponibilidade de capital internacional viabilizou o Plano Real, fato que não retira seus méritos, pois, identificou-se a inflação inercial, isto é, os agentes de mercado aumentando preços por conta das expectativas tanto passadas quanto futuras da inflação.
A estabilização foi uma vitória fundamental para que os salários pudessem manter poder de compra e a moeda brasileira superasse o que poderia ser uma inevitável crise de confiança. Mas, como explicou recentemente Bresser-Pereira: “a arquitetura do Plano Real cobrou uma fatura elevada”.
Antes de criar o Real, foi, como dito acima, realizado um forte ajuste fiscal das contas públicas e a política cambial foi importante; foi necessário atrair substanciais recursos externos, então o país contraiu dívida externa e queimou as reservas externas; o Plano Real elevou a taxa básica de juros a 45% ao ano, hoje, ela é de 10,50%, persistentemente uma das maiores do mundo, para alegria definitiva do mercado.
Como entravam muitos dólares na economia brasileira, incentivado pelos juros imorais, com o Real apreciado, os produtos importados ficavam mais competitivos, prejudicando a indústria nacional, afinal, com os juros na estratosfera, não havia qualquer incentivo para que as empresas investissem aqui, nem para as que já estavam alocadas sobrevivessem, já que o custo do crédito não as permitia, nem mesmo, financiar o capital de giro.
O resultado foi a falência da indústria nacional. Perdemos diversos elos das importantes cadeias produtivas que havíamos desenvolvido ao longo do nosso período industrialista; o “Real” quebrou empresas e setores produtivos nacionais, reduziu as exportações e aumentou as importações. O país passou a importar muito mais do que exportava, um desequilíbrio contornado temporariamente com uma taxa de juros extremamente alta para atração de dólares.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: