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    Evson Malaquias de Moraes Santos

    Professor Titular do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional (DAEPE) do Centro de Educação da UFPE. Formado em História pela UNICAP e Doutor em Sociologia pela UFPE

    5 artigos

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    A administração central da UFPE e a sua rejeiçao ao Estado de Direito Democrático

    Nem na ditadura impedia-se o acesso ao processo

    UFPE (Foto: Divulgação)

    O MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL no. 0805594-43.2022.4.05.8300 na 3ª Vara Federal de Pernambuco impetrado por MARIA JOSÉ DO AMARAL contra a UFPE, que exige o direito pleno ao Exercício da Profissão é um marco nesta instituição e, provavelmente, em todas as administrações federais.

    O estatuto da UFPE rege o seguinte em seu Art. 2º: “A Universidade Federal de Pernambuco é regida: I - pela legislação federal pertinente;”; e no seu Art. 3º “A Universidade Federal de Pernambuco obedecerá aos princípios de: I - democratização da educação e da equidade na oportunidade do seu acesso; II - liberdade acadêmica sem discriminação de qualquer natureza”.

    Os pesquisadores sociais sabem que qualquer documento institucional que rege uma organização é, normalmente, uma “peça morta”. Não há correspondência direta entre o que está escrito e o que é praticado – cabe ao Direito fazê-lo não peça morta: é o que está fazendo a advogada. O corpus legal de uma sociedade nem sempre está coadunado com suas práticas sociais. Na instituição também se dá assim. Há pesquisadores que dizem existir uma cultura institucional ou organizacional, revelando bem mais o que é uma organização do que suas normas escritas. Ora, desde o início do século XX, os pesquisadores da Relação Humana e os pesquisadores empresariais já sabiam disso.

    Muitas pessoas devem estar perplexas sobre o fato de a UFPE estar envolvida em tal situação, mas, como estudioso da instituição, acho que é supernormal por conta da própria história da instituição (antes Universidade do Recife). Não tenho ilusão com ela. Há coisas maravilhosas em sua história, mas também coisas depreciadoras. Os administradores – de direita e de esquerda (ou que se diz ser) - tentam construir uma imagem idílica, pura, perfeita da instituição. E, de fato, conseguem fabricar essa idealização. Toda instituição faz isso de si: fabrica ilusão e idealização.

    Ora, só pra dar um exemplo de como o autoritarismo e a discriminação estão presentes nas nossas práticas institucionais, basta relembrar que o meu departamento apresentou uma proposta no Conselho Departamental, a RETIRADA DA DISCUSSÃO sobre a modificação do nome do auditório do CE. Em outras palavras, um departamento que tem pesquisadores de comunicação livre, sem poder (Habermas) e com ideais emancipatórios, assim como Paulo Freire, propõe a CENSURA[1]

    Ao leitor desavisado, lembro, também, que o Estatuto da UFPE até o mandato de Anísio Brasileiro (2016-2019) era o da ditadura. Isso mesmo. A UFPE conviveu com suas normas autoritárias até 3 anos atrás. Logo, a UFPE conviveu por 33 anos com um estatuto da ditadura numa República Democrática. A gestão atual e seus apoiadores nunca se preocuparam com isso, que, por sinal, foram apoiadores das gestões anteriores. E mais: a atual reitoria recebeu a proteção para a sua posse de Fernando Coelho, que pertence a uma família que serviu à ditadura de 1964. Além disso, Fernando Coelho é atual apoiador de Bolsonaro. 

    Um exemplo de autoritarismo foi quando eu mesmo fui CENSURADO pelo Conselho Departamental Paulofreireano (a pintura na fachada do CE foi aprovada por esse órgão) por escrever textos e publicá-los em blogs. Será que vão tentar me censurar de novo? Sofrerei processo? Outro?[2] 

    Outro indicador consistente da concepção autoritária da administração atual da UFPE é a parceria que pretende firmar com o Exército brasileiro sobre a memória dessa instituição.[3] Sob força do fuzil a UFPE em 1964 criou sindicância contra seus membros, Paulo Freire, Jomard Muniz de Brito e tantos outros, sendo também o IV Exército representado na sindicância pelo Major João Batista de Araújo. É o mesmo Exército que assassinou dois jovens no centro de Recife, as primeiras vítimas da ditadura no Brasil. O relatório final da Comissão da Verdade de Pernambuco diz o seguinte:

    Os primeiros mortos vítimas da ditadura de 1964, em Pernambuco, foram os estudantes Jonas José de Albuquerque Barros, secundarista de 17 anos, e o universitário estudante da Escola de Engenharia Ivan Rocha Aguiar (23 anos), ambos metralhados pelo exército no dia 1º de abril, quando participavam de uma passeata no centro da cidade do Recife contra o golpe que destituiu do poder o governador Miguel Arraes e o prefeito Pelópidas Silveira. 

    Agora, depois de um desgaste interno, a UFPE pretende criar uma Comissão da Verdade (?!). Acende uma vela ao diabo e agora também quer acender ao santo. Procura minimizar o desgaste. Dá para acreditar numa Comissão da Verdade comandada pela atual administração? A questão não diz respeito aos nomes que venham a ser lançados e escolhidos, mas ao processo (democrático inexistente), à origem (na calada da noite) e à sua natureza (cupulista) – além das práticas institucionais já desenvolvidas sob este tema por esta administração. Se a mudança do nome do auditório do Centro de Educação, um nome representativo da ditadura de 64, gerou uma celeuma, com vários docentes que apoiam a atual gestão da reitoria, discordando da iniciativa de proposta, imaginemos uma Comissão da Verdade que terá que colocar o dedo na ferida desse passado? Não podemos esquecer, também, que o professor Marco Mondaini, ex-diretor do Núcleo de TVs e Rádios Universitárias, renunciou ao cargo quando sofreu censura por parte da reitoria, que exigia a retirada do nome do presidente da República Jair Bolsonaro de um vídeo institucional. Disse ele: "Uma hora depois, por volta das 17h, me ligaram da Superintendência de Comunicação, informando que o reitor estava pedindo para tirar a referência ao presidente. Disse que não aceitava e coloquei o cargo à disposição”, afirmou. Completou: “Em nenhum momento foi feito o pedido em tom de conversa. Foi um ato contra a liberdade de expressão e contra a liberdade de cátedra”. Uma Comissão da Verdade que nasce nesse contexto e nesse comando resultará, certamente, na falta de muitas verdades.[4]

     Se mexermos bem na história institucional e na política da UFPE ficaremos escandalizados. Mas essa não é a história apenas da UFPE, e sim da sociedade brasileira: patrimonialismos, coronelismos, clientelismos, etc. Apenas somos parte dessa história. Contudo, não temos que seguir a história inconscientemente, mas podemos fazer uma outra história. Há uma questão de ética política que vários docentes querem transformar em tema administrativo interno, o assédio que sofri, sem que tenhamos que recorrer ao jurídico. Ou seja, queriam calar-me. É uma forma de dominação. Estar dominado pelo autoritarismo administrativo. Max Weber já disse que administrar é dominar.

    É isso o que Maria José está fazendo e entrando para a história: resgate do Estado de Direito Democrático jogado para debaixo do tapete (ou no lixo) pela administração da UFPE. Em conversa com ela, ao dizer que, caso ela ganhasse na Justiça, ela me interrompeu e reparou imediatamente: não serei eu que sairei vitoriosa, mas a Lei. É a Lei que sairá. É a Lei que está em jogo.

    Ora, no Estado de Direito Democrático, o advogado é imprescindível, é sujeito principal dele. Sem advogado não há Direito. Nem na ditadura impedia-se o acesso ao processo. Vários estudantes foram libertos das garras da ditadura nos tribunais e nas prisões por via dos advogados. Os advogados tiveram papel importante na luta contra a ditadura. Essas páginas começam a ser escritas. Há alguns trabalhos de pesquisa que tentam resgatar o sujeito advogado[5].

    Assim, Maria José recorreu ao que a Constituição de 88 diz: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

    O Estatuto da OAB categoricamente afirma: XIII- examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos; e “XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais”.

    A Lei sendo vitoriosa será não somente para o exercício de Maria José, mas para TODOS os advogados. As pessoas que estiverem em processo interno (PAD) poderão se utilizar do advogado de forma plena, e não amputada, como é o que vigora atualmente na UFPE. Os advogados poderão ACESSAR PLENAMENTE o seu processo e exercer o seu papel que está garantido na Constituição e no Estatuto da OAB.

    Obrigado e parabéns Maria José do Amaral por colocar a UFPE em um trilho que corresponda aos seus princípios estatutários, tão violentados pelas práticas administrativas autoritárias. 

    PELO DIREITO DE PLENO ACESSO AO PROCESSO!

    PELO NÃO FIRMAMENTO DE PARECERIA EXERCITO/UFPE!

    POR UMA PAD/UFPE COM LISURA!

    POR UMA COMISSÃO DA VERDADE EMERGENTE AUTÔNOMA

    PELOS TRES SEGMENTOS UNIVERSITÁRIOS  

     

      [1] Do departamento de administração escolar e planejamento educacional à direção do Centro de Educação (novembro de 2021): em resposta à solicitação acerca do posicionamento do DAEPE sobre a mudança ou não do nome do auditório Carlos Maciel do Centro de Educação, UFPE. O pleno do Departamento reunido em 08/10/2021 solicitou que fosse suspenso o ponto de pauta. Caso o Conselho Departamental fizesse uma opção por reapresentar o ponto para debate, discussão, o processo seguiria os trâmites adequados no âmbito da Instituição. O tema veio para os plenos do Departamento como se todos tivessem um conhecimento histórico do homenageado do auditório. O pleno sentiu falta da formalização de um processo que resgatasse a origem do texto do surgimento de pauta no âmbito do Centro de Educação, bem como a ausência de elementos para a condução dos trabalhos, debates no interior dos Departamentos. Nesse sentido, o Pleno do DAEPE solicitou que o Conselho Departamental suspendesse de sua agenda de trabalho o referido ponto de pauta. 

    [2]Fui repreendido com tentativas de intimidação por vários docentes e por estruturas administrativas. Seguem meus textos que incomodaram tanto a cultura patrimonialista da UFPE: https://www.brasil247.com/authors/evson-malaquias-de-moraes-santos  

    [3] O historiador Carlos Modaini estranhou a parceria da UFPE com o Exército já que os departamentos de História e de Turismo estão fora do projeto. Conferir no Brasil 247: https://www.brasil247.com/blog/a-parceria-entre-ufpe-e-o-exercito-brasileiro-nao-esquecam-da-prisao-de-miguel-arraes-e-das-torturas-de-gregorio-bezerra 

    [4] Conferir: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/03/23/diretor-de-tv-universitaria-entrega-cargo-por-causa-de-video-sobre-isolamento-que-cita-bolsonaro-ato-gravissimo-de-censura-diz.ghtml [5] Advocacia em tempos difíceis Ditadura Militar 1964-1985. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/13745/Advocacia%20em%20tempos%20dif%C3%ADceis.pdf 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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