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    Duda Quiroga

    Professora, psicopedagoga e poetisa da Executiva Nacional da CUT (dirigente sinproRio, Sepe e CNTE)

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    A água que nos faltou: a perspectiva feminista sobre o acesso a este bem comum

    A luta pelo acesso à água limpa e acessível é também uma luta pelo reconhecimento do trabalho invisível das mulheres

    Milhares de moradores do Rio enfrentam falta de água em meio à onda de calor extremo (Foto: REUTERS/Aline Massuca)

    Março é o mês que celebramos o Dia Internacional das Mulheres, em 8 de março, e também o Dia Internacional da Água, em 22 de março. Esse mês se torna um ponto de reflexão para as pautas que envolvem as lutas das mulheres e, ao mesmo tempo, a água - o bem comum mais essencial para a vida -, é uma questão crucial que afeta diretamente o nosso estar no mundo, cotidianamente. 

    Quando falamos da água, falamos não apenas de um recurso vital ao corpo físico, mas também da sustentabilidade da vida humana. Ela está presente em tudo: na nossa alimentação, na higiene, na limpeza das casas, na nossa saúde e é impossível imaginar um mundo sem ela. Por tudo isso a água, assim como a energia, deveria ser tratada como um bem comum, algo a que todos têm direito, e não uma mercadoria. No entanto, a realidade é bem diferente.

    A privatização da água é um fenômeno que vem se intensificando não só no Brasil, mas em várias partes do mundo e o impacto dessa prática é devastador, principalmente para as populações mais vulneráveis.

    No Brasil, a privatização da CEDAE, no estado do Rio de Janeiro, é um exemplo claro dessa mercantilização da água. Desde a privatização, muitas comunidades enfrentam longos períodos sem água potável e a escassez desse recurso tem se tornado um problema cada vez mais evidente. O aumento do preço da água, juntamente com a dificuldade de acesso em várias localidades, não é apenas uma questão de infraestrutura, mas também de justiça social. As condições de vida em áreas periféricas, que já enfrentam diversas desigualdades, são ainda mais agravadas pela falta de acesso a um direito básico, como a água.

    Essa problemática tem um impacto ainda mais profundo nas mulheres, especialmente nas mulheres da classe trabalhadora. A responsabilidade pela manutenção da higiene, do cuidado com a casa, das roupas limpas e da alimentação recai, em grande parte, sobre as mulheres e a falta de acesso à água agrava ainda mais essa sobrecarga.

    A água, que deveria ser uma necessidade básica e um bem acessível a todos, torna-se um fardo, especialmente para as mulheres, que frequentemente são as principais responsáveis por garantir que as famílias tenham acesso a esse recurso.

    Quando a água é racionada ou escassa, são as mulheres que enfrentam o desafio de buscar água em locais distantes ou de lidar com a escassez no dia a dia, impactando diretamente em sua saúde, bem-estar e qualidade de vida.

    Essa sobrecarga de tarefas domésticas e de cuidados, muitas vezes invisíveis e não remunerados, se agrava com a privatização da água. Para muitas mulheres de comunidades periféricas e favelas, o acesso à água é um desafio constante, não só pela escassez, mas também pela alta tarifa imposta. E, nesse contexto, a questão de classe se entrelaça de forma indissociável com a questão de gênero.

    As mulheres mais pobres, que já enfrentam uma carga de trabalho doméstico excessiva, também são aquelas que sofrem mais diretamente com a dificuldade de acesso à água e com a exploração das tarifas, que muitas vezes são elevadas e inacessíveis.

    O acesso à água não é apenas uma questão de infraestrutura ou de gestão de recursos hídricos; trata-se de uma questão de direitos humanos, especialmente no que diz respeito à igualdade de gênero. A falta de água não é apenas um problema de saúde pública ou de infraestrutura urbana, mas também uma questão que impacta diretamente o tempo e a energia das mulheres, que acabam sobrecarregadas com tarefas que deveriam ser compartilhadas de maneira equitativa entre os membros da família.

    A luta pelo acesso à água limpa e acessível é, portanto, também uma luta pelo reconhecimento do trabalho invisível das mulheres e pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde as responsabilidades domésticas e de cuidados sejam compartilhadas igualmente entre os gêneros.

    Na perspectiva feminista e de classe, defender a água como um bem comum é, de fato, defender a vida das mulheres. Garantir que todas as mulheres, independentemente da sua classe social, tenham acesso à água é fundamental para promover a equidade de gênero e para construir um mundo mais justo. A água não deve ser tratada como uma mercadoria, mas como um direito básico, acessível a todas as pessoas, em especial àquelas mais vulneráveis, que são as mais afetadas pela privatização e pela escassez desse recurso vital.

    A luta por políticas públicas que garantam o acesso universal à água é uma luta feminista e de classe, pois reconhece que as mulheres são as que mais sofrem com a falta de acesso e com a gestão desigual dos recursos hídricos. É necessário que o Estado implemente políticas que tratem a água como um bem comum, com preços justos e com uma distribuição equitativa, e que leve em consideração as desigualdades de gênero e classe na hora de planejar e executar essas políticas.

    A defesa da água como bem comum é uma defesa da vida das mulheres, da igualdade de direitos e da justiça social.

    Em resumo, a água, enquanto bem comum e essencial para a vida, precisa ser protegida e acessível a todos. E, nesse contexto, é fundamental que se entenda que garantir o acesso à água é garantir a dignidade das mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social. A luta por um mundo com acesso universal e justo à água é, portanto, também uma luta por um mundo mais igualitário, onde as mulheres não sejam sobrecarregadas com responsabilidades que não devem ser delas sozinhas e onde os direitos das mulheres sejam respeitados de forma plena.

    Água é vida. E defender o acesso universal a ela é, sem dúvida, defender a vida das mulheres.

    Nós costumamos dizer que é preciso mudar o mundo para mudar a vida das mulheres. E uma mudança necessária e urgente, nesse caso, é exatamente sobre a relação com água que não pode ser tratada como mercadoria, assim como nós, mulheres, também não. E por essas pautas a nossa luta é todo dia! 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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