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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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A arte de Zé Celso não cabe no mundo de Rubinho Nunes

"Homenagear a arte e o direito jamais passaria por sua cabeça"

Rubinho Nunes (Foto: André Bueno/Rede Câmara)

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O vereador Rubinho Nunes (União Brasil), o mesmo que dedica boa parte de seu mandato a perseguir o Padre Júlio Lancellotti, não quer que o Parque do Bixiga chame-se Parque do Rio Bixiga “José Celso Martinez Corrêa”. Luta na Câmara Municipal para que o espaço ora delimitado pelo legislativo municipal denomine-se Parque Abravanel, em homenagem a Sílvio Santos, bilionário comunicador cuja sovinice atravancou o sonho urbano-cultural do dramaturgo morto há um ano. 

Zé Celso e Sílvio Santos travaram uma longa briga judicial de motivação imobiliária. De um lado, a força a arte e da cultura; de outro, o poder econômico. Rubinho Nunes emerge para tumultuar o ambiente que parecia resolvido, com os argumentos reacionários de sempre.

O revolucionário dramaturgo sabia em que terreno pisava. Conhecia o direito, pois formado pela Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, ali perto do mesmo Bixiga em que se instala o Teatro Oficina e se instalará o parque.

De certo modo, indignado pelas injustiças do mundo, Zé Celso sempre abordou questões de direito em sua obra, ainda que subliminarmente. O direito está na arte, e não há por que imaginar que a arte não esteja no direito. Não se trata de mera inspiração temática, como quando o cinema exibe histórias de cunho judicial - há fartura desse tipo de filme, alguns excelentes, outros ruins. Trata-se de interseções práticas: a oratória inflamada do advogado no Tribunal do Júri estaria muito distante de um monólogo teatral? 

Seriam as faculdades de direito, além de formadoras de juristas, celeiros de atores e dramaturgos? No caso das Arcadas, pode se dizer que sim sem medo de errar.

A dramaturgia escandalosamente simbólica de Zé Celso, fruto de seu inconformismo com qualquer regra imposta, pode ter brotado de seus aprendizados sobre liberdade e justiça nos bancos acadêmicos. “Acho que o teatro tem um sentido de justiça e eu advogo muito por isso. Nos últimos 50 anos, fui um excelente advogado”, declarou.

O encenador de “Roda Viva”, “O Rei da Vela” e “Bacantes”, um “tropicalista” do teatro, preso e torturado na ditadura, odiado por puritanos da vida e da arte, estudou direito ao lado de Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato e Márcio Thomaz Bastos. Foi aluno de Goffredo da Silva Telles, Esther de Figueiredo Ferraz e Cesarino Junior. 

Das Arcadas não saltou para a dramaturgia apenas Zé Celso. Lá se formaram o também diretor e ator Renato Borghi, co-fundador do Oficina, os geniais atores Paulo Autran e Juca de Oliveira e o consagrado diretor, ator e professor de artes dramáticas Emílio Fontana. Os atores Marcos Caruso e Caio Blat, hoje presenças frequentes em novelas de televisão, também estudaram no Largo de São Francisco - Blat não chegou a se formar, mas Caruso bacharelou-se em 1976.   

A seu modo polemista, figura endeusada por muitos e detestada por tantos outros, Zé Celso parecia ter a consciência de que lugares e tempos possuem o condão de modificar verdades não apenas sociológicas, mas jurídicas. Se o direito constitui um poderoso instrumento de resistência contra violações dos direitos humanos e da democracia, a arte também pode ser assim entendida.

Batizar o Parque do Bixiga com o nome de Zé Celso Martinez Corrêa será homenagear a arte e o direito. Chamá-lo de "Abravanel" será uma dupla afronta.

Raphael Carneiro Arnaud Neto, mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, presidente da Comissão de Direito, Arte e Cultura da OAB da Paraíba, escreveu junto com Marianna Chaves num site de artigos jurídicos um texto inspirado sobre direito e arte, do qual se extrai o seguinte trecho:

"O recurso à arte pode oxigenar, descontruir e remodelar o pensamento rígido e inflexível que muitas vezes habita a mente do jurista, ainda pautado - não raras vezes - em uma lógica meramente positivista e exegética. A arte nos possibilita uma nova maneira de pensar, onde direito e criatividade não são excludentes. Seja como se dê esse encontro, uma coisa se pode ter como certa: a arte possui um papel fulcral na construção de uma formação criteriosa e humanística de advogados e juristas em geral. A arte pode contribuir para a instauração de uma nova cultura jurídica, pautada pelo pluralismo e pelo pensamento critico do direito."

Desnecessário imaginar o que Rubinho Nunes pensa de considerações como essa. O que ele pensa da obra de Zé Celso Martines Corrêa, sabemos. De todo modo, homenagear a arte e o direito jamais passaria por sua cabeça, que prefere a adulação a comunicadores cuja presença na TV costuma primar pelo preconceito e a misoginia.

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