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    Pedro Benedito Maciel Neto

    Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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    "A autoridade aqui sou eu". Será?

    Campinas, assim como todas as cidades do país, precisa de uma cultura de paz e de ações civilizatórias

    Catedral Metropolitana de Campinas (Foto: Rovena Rosa - ABR)

    Me deparei com dois vídeos, os recebi pelo WhatsApp.

    O primeiro estava publicado no Instagram do vereador Vinícius de Oliveira, aqui de Campinas. O segundo envolve o prefeito de Valinhos. Assisti a ambos, lamentei o que vi e lembrei do Charada no filme The Batman de 2022.

    O primeiro vídeo (link) é uma aula de desrespeito ao servidor público; nele, o vereador, ao exercer seu direito/dever de fiscalizar, extrapolou suas competências e prerrogativas.

    Há uma discussão tensa entre o sequioso camarista e uma funcionária não identificada. Após ele dizer à funcionária: “a autoridade aqui sou eu” (patético), há um corte no “filminho” e o vereador passa a mostrar consultórios de atendimento vazios, onde, segundo ele, deveriam ocorrer atendimentos. Ele afirma: “era para ter cinco (médicos) atendendo”, apenas depois ele pede a outra servidora a relação dos médicos que estariam no plantão.

    O vereador produziu um vídeo que criminaliza o serviço público, médicos e servidores. A sua mensagem é que o atendimento é precário na tal unidade por causa dos médicos ausentes e da falta de controles auditáveis.

    O vídeo é longo.

    Mas há outro vídeo, no qual o vereador constrange uma médica que voltava do jantar e mostra uma senhora, provavelmente auxiliar de enfermagem, que reclama da falta de ar-condicionado.

    Nesse segundo vídeo, o jovem vereador mostrou seus “superpoderes” levando à unidade de saúde a Polícia Militar, fortemente armada (link) e declarou: “darei voz de prisão a quem duvidar do meu trabalho”.

    A criminalização do serviço público e o desrespeito aos servidores, patrocinados pelo vereador, devem ser censurados.

    E no vídeo que recebi de um animado morador de Valinhos (link), é possível ver o prefeito, dentro de uma UPA da cidade, demitindo um médico que teria fraudado sua presença nos plantões para receber seus salários. Haveria investigação do Ministério Público em relação ao fato.

    O problema não é a demissão propriamente dita, mas a exposição vexatória à qual o médico foi submetido.

    Tanto o vereador de Campinas quanto o prefeito de Valinhos conquistaram milhares de likes.

    Volto ao filme The Batman para dizer: o vereador e o prefeito agem como o Charada, o vilão assassino do filme, pois não propõem soluções, apenas semeiam o ódio. O resultado dessa semeadura é a barbárie (no filme surgem, em Gotham City, milícias e muitos “charadas” armados, matando inocentes durante o caos provocado pelo próprio vilão).

    The Batman contém uma crítica social profunda e uma mensagem: precisamos de civilidade.

    Pergunto: produzir imagens, editá-las e postar nas redes sociais em busca de apoio e likes é a forma correta de fazer política?

    Não duvido das boas intenções de ambos, mas suas ações podem estimular fatos e atos como o que aconteceu em Nova Odessa, SP, onde um médico de 54 anos foi agredido a socos e chutes no Hospital Municipal, sob alegação de haver cometido erro médico. A agressão foi registrada pelas câmeras de segurança da unidade (link).

    Não é a primeira vez que vemos políticos da região com algum assanhamento midiático. Em 2009, o Sindimed apresentou interpelação criminal e representação na Corregedoria contra o então vereador Peterson Prado por suposta prática do crime de injúria previsto no artigo 140 do Código Penal. O vereador disse que a maioria dos médicos “se vendem para laboratórios”. Não sei que fim levaram a interpelação e a representação à Corregedoria.

    Não sou consultor da Câmara de Vereadores ou assessor do prefeito, mas ambos, ao “jogarem para a torcida”, praticaram, em tese, ilícitos civis ou criminais.

    Me autorizo a alertar o jovem vereador que há limites para o regular exercício do poder de fiscalização dos vereadores para que não se viole o “Princípio da Separação dos Poderes”. As competências do Executivo e do Legislativo estão definidas na Constituição, aplicável aos municípios por força do contido no artigo 144 da Constituição do Estado.

    O poder dos vereadores não é irrestrito, sujeitando-se aos limites impostos pela própria Constituição, por lei complementar e, eventualmente, por leis ordinárias.

    O artigo 31 da Constituição Federal dispõe que “A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.” Ou seja, o vereador pode tudo, mas “na forma da lei”. Será que o jovem vereador consultou esses limites?

    O artigo 150 da Constituição Estadual prevê que a fiscalização de todas as entidades da administração direta e indireta será exercida pela Câmara Municipal, na forma da respectiva Lei Orgânica, em conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal.

    Mas esse direito/dever não é irrestrito ou sem limites.

    A Lei Orgânica de Campinas – que eu acompanhei a formação, como assessor do prefeito Jacó Bittar – estabelece no artigo 12 que o vereador tem direito à inviolabilidade de suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, nos termos da Constituição Federal. Mas, no parágrafo único do citado artigo, esclarece que o livre acesso dos vereadores deve ocorrer “na forma da lei” e, salvo melhor juízo, o jovem vereador esqueceu-se de conferir a lei antes de fazer seu showzinho para as redes sociais.

    Ou seja, a autoridade é a lei.

    E o jovem prefeito de Valinhos expôs, desnecessariamente, o empregado a uma situação vexatória, ofendendo a sua moral. Nasce aí o dever de reparar o dano, pois, apesar de o médico, em tendo cometido fraudes, dever pagar pelos seus erros, o prefeito, ao cometer ilícito civil e desrespeitar a dignidade da pessoa humana, da mesma forma deverá responder pelo excesso.

    Essas são as reflexões: Campinas, assim como todas as cidades do país, precisa de uma cultura de paz e de ações civilizatórias, não de “vingadores”, de “charadas” ou de semeadores do ódio.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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