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    Fernando Castilho

    Arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada

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    A banalidade do mal em Damares e nos terroristas

    Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou

    Damares Alves (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

     Quando Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pelo envio de cerca de 6 milhões de judeus

     para o extermínio em campos de concentração no que se chamou de “solução final”, foi

     julgado em Jerusalém em 1961, o mundo se surpreendeu com sua frieza ao afirmar que não

     sentia que tivesse feito algo errado porque era apenas um soldado burocrata encarregado de

     cumprir ordens.

     A filósofa alemã e judia, Hanna Arendt, chegou a entrevistar Eichmann na prisão e dessa

     entrevista extraiu elementos para seu livro, Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a

     Banalidade do Mal.

     Na obra, Arendt defende que Eichmann se tornara um homem desprovido da moral, da ética e

     do senso crítico, cuja objetivo de vida era tão somente executar as ordens de Hitler sem

     refletir sobre elas ou fazer qualquer julgamento.

     Gostaria, a partir daqui, de tentar traçar um paralelo, que pode parecer a alguns um tanto

     forçado entre Eichmann e Damares Alves, já que a comparação entre Adolph Hitler e Jair

     Bolsonaro parece, nestes últimos tempos em que foi revelado um verdadeiro plano de

     extermínio da etnia yanomami, parece por demais, óbvia.

     Assim como Hitler, como já escrevi anteriormente em

     https://bloganaliseeopiniao.blogspot.com/2023/01/hitler-o-fuhrer-e-bolsonaro-o-mito.html,

     Bolsonaro defendia, desde os tempos de deputado, que o Brasil deveria fazer com nossos

     indígenas aquilo que a cavalaria norte-americana fez com sucesso, ou seja, exterminá-los.

     Portanto, o plano não se restringia somente aos yanomamis, mas a todas as outras etnias e só

     não obteve sucesso pleno porque ele não se reelegeu e porque Lula chegou a tempo a

     Roraima para impedir a continuidade do genocídio.

     Mas se Eichmann não sentia o mínimo remorso por seus atos, o que dizer da ex-ministra

     incumbida de preservar as terras Yanomamis, Damares Alves?

     Damares é o que se pode chamar de evangélica fundamentalista. Acredita piamente que os

     indígenas vivem em pecado por não reconhecerem Cristo e por viverem nus, o que é, na sua

     visão, uma agressão à moral e aos bons costumes. É preciso lembrar que essa visão da ex-

     ministra, constantemente exposta à opinião pública, tem revelado uma obsessão com relação

     ao sexo, frequentemente encarado como algo extremo, por exemplo, quando afirmou que

     crianças teriam seus dentes arrancados para facilitar o sexo oral na Ilha de Marajó, algo jamais

     confirmado.

     

     Além disso, acredita que as crianças indígenas, por viverem na floresta, isolados, dormindo em

     redes, caçando e pescando e expostos a doenças e perigos, deveriam ser transferidas para as

     cidades e adotadas preferencialmente por casais evangélicos que as salvariam. Ela própria,

     segundo noticiários, sequestrou no passado uma criança indígena e a levou para viver com ela

     na paz de Cristo. A menina, hoje uma moça, foi doutrinada e nega qualquer maldade cometida

     com ela.

     Damares Alves se empenhou, durante sua estada no governo, em facilitar a entrada de

     pastores evangélicos nas aldeias indígenas para catequização. A ONG Missão Caiuá, entidade

     missionária evangelizadora pertencente à Igreja Presbiteriana, que recebeu pelo menos R$

     2,98 bilhões em pagamentos e R$ 3,05 bilhões em contratos celebrados com o poder público

     desde o ano de 2014, é uma dessas entidades que utilizava até aviões do garimpo para se

     deslocar às aldeias. O que esperar de uma entidade como essa?

     Quando era ministra dos Direitos Humanos, para tornar a permanência das crianças indígenas

     cada vez mais insuportável, forçando-as a deixar suas terras em direção à civilização, a atual

     senadora pediu a Jair Bolsonaro que vetasse a entrega de leitos de UTI e de água potável a

     indígenas em plena pandemia. Era aceitar Jesus ou morrer. Em ambas a opções, sem crianças,

     os Yanomamis teriam sua sentença de morte assinada por não mais ser possível a

     continuidade da etnia.

     Nesse sentido, é possível um paralelo entre Damares e Eichmann?

     Enquanto Eichmann parecia um robô nas mãos de Hitler, Damares agia movida por seu

     fundamentalismo religioso, acreditando insanamente que estaria fazendo o bem.

     Indiretamente cumpria os planos de Bolsonaro que queria, sem meias palavras, pura e

     simplesmente a extinção do povo Yanomami e de todos os demais indígenas, facilitando a

     ocupação de suas terras pelas empresas mineradoras.

     A banalidade do mal está presente em ambos os casos e isso não significa que a punição deva

     ser branda. No caso de Eichmann, seus crimes foram punidos com a forca. No caso de

     Damares, esperamos investigação, julgamento e condenação à altura, de acordo com o Estado

     de Direito, embora talvez nunca vejamos, como em Eichmann, a admissibilidade dos males que

     cometeu.

     Ainda há que se considerar o que Hanna Arendt escreveu em sua obra:

     “a execução de ordens é a mera obediência cega, independentemente se o partido pede para

     organizar distribuição de alimentos ou o extermínio de um grupo étnico”.

     Fica claro, por essas palavras, que muitos dos que contribuíram para a tragédia dos Yanomami

     tornaram o mal apenas uma banalidade. E vejam que bolsonaristas se manifestaram nas redes

     sociais ridicularizando a FAB por ter enviado alimentos para os indígenas ou afirmando que são

     venezuelanos fugindo da ditadura de maduro.

     “o cidadão massificado executa as ordens, não por ódio, por haver um mal em seu coração ou

     por premeditar atrocidades, mas o mal que faz é fruto da não consciência de seus atos”.

     Essa frase remete imediatamente aos atentados terroristas de 8 de janeiro. Observem que

     logo após serem presos, os terroristas reclamaram da falta de wi-fi, ar-condicionado e comida

     de qualidade, como que alheios à sua nova condição de criminosos detidos. Executaram

     ordens subliminares de seu capitão sem a correspondente noção do crime que cometeram. É

     

     por isso que muitos não esconderam o rosto e ainda gravaram selfies, como se não

     esperassem responsabilização.

     Para esses indivíduos, o mal foi banalizado a ponto de se confundir com o bem. Eles

     acreditavam realmente que estavam libertando o Brasil de uma ameaça comunista que não

     existe.

     Será preciso um esforço dos ministérios da comunicação e da educação rumo a uma

     desbolsonarização do país para que a noção de bem ou mal seja novamente aferida com

     precisão na balança de nossos atos éticos e morais.

     Enquanto isso não acontece, Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou,

     este sim, o mal sem nenhuma banalidade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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