A banalidade do mal em Damares e nos terroristas
Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou
Quando Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pelo envio de cerca de 6 milhões de judeus
para o extermínio em campos de concentração no que se chamou de “solução final”, foi
julgado em Jerusalém em 1961, o mundo se surpreendeu com sua frieza ao afirmar que não
sentia que tivesse feito algo errado porque era apenas um soldado burocrata encarregado de
cumprir ordens.
A filósofa alemã e judia, Hanna Arendt, chegou a entrevistar Eichmann na prisão e dessa
entrevista extraiu elementos para seu livro, Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a
Banalidade do Mal.
Na obra, Arendt defende que Eichmann se tornara um homem desprovido da moral, da ética e
do senso crítico, cuja objetivo de vida era tão somente executar as ordens de Hitler sem
refletir sobre elas ou fazer qualquer julgamento.
Gostaria, a partir daqui, de tentar traçar um paralelo, que pode parecer a alguns um tanto
forçado entre Eichmann e Damares Alves, já que a comparação entre Adolph Hitler e Jair
Bolsonaro parece, nestes últimos tempos em que foi revelado um verdadeiro plano de
extermínio da etnia yanomami, parece por demais, óbvia.
Assim como Hitler, como já escrevi anteriormente em
https://bloganaliseeopiniao.blogspot.com/2023/01/hitler-o-fuhrer-e-bolsonaro-o-mito.html,
Bolsonaro defendia, desde os tempos de deputado, que o Brasil deveria fazer com nossos
indígenas aquilo que a cavalaria norte-americana fez com sucesso, ou seja, exterminá-los.
Portanto, o plano não se restringia somente aos yanomamis, mas a todas as outras etnias e só
não obteve sucesso pleno porque ele não se reelegeu e porque Lula chegou a tempo a
Roraima para impedir a continuidade do genocídio.
Mas se Eichmann não sentia o mínimo remorso por seus atos, o que dizer da ex-ministra
incumbida de preservar as terras Yanomamis, Damares Alves?
Damares é o que se pode chamar de evangélica fundamentalista. Acredita piamente que os
indígenas vivem em pecado por não reconhecerem Cristo e por viverem nus, o que é, na sua
visão, uma agressão à moral e aos bons costumes. É preciso lembrar que essa visão da ex-
ministra, constantemente exposta à opinião pública, tem revelado uma obsessão com relação
ao sexo, frequentemente encarado como algo extremo, por exemplo, quando afirmou que
crianças teriam seus dentes arrancados para facilitar o sexo oral na Ilha de Marajó, algo jamais
confirmado.
Além disso, acredita que as crianças indígenas, por viverem na floresta, isolados, dormindo em
redes, caçando e pescando e expostos a doenças e perigos, deveriam ser transferidas para as
cidades e adotadas preferencialmente por casais evangélicos que as salvariam. Ela própria,
segundo noticiários, sequestrou no passado uma criança indígena e a levou para viver com ela
na paz de Cristo. A menina, hoje uma moça, foi doutrinada e nega qualquer maldade cometida
com ela.
Damares Alves se empenhou, durante sua estada no governo, em facilitar a entrada de
pastores evangélicos nas aldeias indígenas para catequização. A ONG Missão Caiuá, entidade
missionária evangelizadora pertencente à Igreja Presbiteriana, que recebeu pelo menos R$
2,98 bilhões em pagamentos e R$ 3,05 bilhões em contratos celebrados com o poder público
desde o ano de 2014, é uma dessas entidades que utilizava até aviões do garimpo para se
deslocar às aldeias. O que esperar de uma entidade como essa?
Quando era ministra dos Direitos Humanos, para tornar a permanência das crianças indígenas
cada vez mais insuportável, forçando-as a deixar suas terras em direção à civilização, a atual
senadora pediu a Jair Bolsonaro que vetasse a entrega de leitos de UTI e de água potável a
indígenas em plena pandemia. Era aceitar Jesus ou morrer. Em ambas a opções, sem crianças,
os Yanomamis teriam sua sentença de morte assinada por não mais ser possível a
continuidade da etnia.
Nesse sentido, é possível um paralelo entre Damares e Eichmann?
Enquanto Eichmann parecia um robô nas mãos de Hitler, Damares agia movida por seu
fundamentalismo religioso, acreditando insanamente que estaria fazendo o bem.
Indiretamente cumpria os planos de Bolsonaro que queria, sem meias palavras, pura e
simplesmente a extinção do povo Yanomami e de todos os demais indígenas, facilitando a
ocupação de suas terras pelas empresas mineradoras.
A banalidade do mal está presente em ambos os casos e isso não significa que a punição deva
ser branda. No caso de Eichmann, seus crimes foram punidos com a forca. No caso de
Damares, esperamos investigação, julgamento e condenação à altura, de acordo com o Estado
de Direito, embora talvez nunca vejamos, como em Eichmann, a admissibilidade dos males que
cometeu.
Ainda há que se considerar o que Hanna Arendt escreveu em sua obra:
“a execução de ordens é a mera obediência cega, independentemente se o partido pede para
organizar distribuição de alimentos ou o extermínio de um grupo étnico”.
Fica claro, por essas palavras, que muitos dos que contribuíram para a tragédia dos Yanomami
tornaram o mal apenas uma banalidade. E vejam que bolsonaristas se manifestaram nas redes
sociais ridicularizando a FAB por ter enviado alimentos para os indígenas ou afirmando que são
venezuelanos fugindo da ditadura de maduro.
“o cidadão massificado executa as ordens, não por ódio, por haver um mal em seu coração ou
por premeditar atrocidades, mas o mal que faz é fruto da não consciência de seus atos”.
Essa frase remete imediatamente aos atentados terroristas de 8 de janeiro. Observem que
logo após serem presos, os terroristas reclamaram da falta de wi-fi, ar-condicionado e comida
de qualidade, como que alheios à sua nova condição de criminosos detidos. Executaram
ordens subliminares de seu capitão sem a correspondente noção do crime que cometeram. É
por isso que muitos não esconderam o rosto e ainda gravaram selfies, como se não
esperassem responsabilização.
Para esses indivíduos, o mal foi banalizado a ponto de se confundir com o bem. Eles
acreditavam realmente que estavam libertando o Brasil de uma ameaça comunista que não
existe.
Será preciso um esforço dos ministérios da comunicação e da educação rumo a uma
desbolsonarização do país para que a noção de bem ou mal seja novamente aferida com
precisão na balança de nossos atos éticos e morais.
Enquanto isso não acontece, Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou,
este sim, o mal sem nenhuma banalidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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