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    Igor Corrêa Pereira

    Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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    A bênção do deus dinheiro

    Podemos mais do que isso. Podemos mais do que sonhar com a “bênção” de um dia poder dar esmolas

    (Foto: ABr)

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    Certo cantor sertanejo abordou uma vendedora ambulante como muitas das que existem nas nossas cidades. Perguntou sobre sua vida, descobriu o que acontece com muita gente. É difícil levar a vida com um emprego informal. Aí o cantor resolveu dar mil reais a moça dizendo que Deus havia abençoado a vida dele e ele queria retribuir. A cena foi filmada, editada com música emocionante, e compartilhada por site famoso de noticias. Apareceu para eu olhar como deve aparecer para muita gente.   

    A vida da vendedora ambulante não mudará significativamente após o gesto. Ela provavelmente continuará trabalhando como vendedora ambulante. O cantor vai ter mais visibilidade positiva, o que o fará vender ainda mais shows. E as pessoas que assistiram muitas delas vão continuar achando que em algum momento serão "abençoadas", que parece ser a palavra cristã que significa ter muito dinheiro.   

    Enquanto isso, o problema que traz a dificuldade para a vida da vendedora ambulante permanece sem visibilidade. Não há oferta de emprego de qualidade para ela, pois o Brasil destruiu sua capacidade de crescimento industrial. Somos uma grande fazenda que oferece emprego principalmente na área de serviços de baixa complexidade nas cidades. Como, por exemplo, vender meias nas ruas.  ]

     Este é um problema nacional, mas esse tipo de episódio reforça que tudo depende da iniciativa individual. O país não consegue empregar pessoas na produção de bens de alta sofisticação, logo não oferta empregos bem remunerados. Como pode ser culpa das pessoas ter empregos informais se não há oferta de empregos formais suficientes? A conta não fecha, e justamente por isso ela é escondida atrás das crenças em bênçãos religiosas e outras formas de jogar nos ombros dos indivíduos, ou em soluções sobrenaturais, a responsabilidade por problemas estruturais.  

    A vendedora ambulante só terá chance de um emprego digno que não a submeta a ser exposta a caridade midiática de celebridades, quando o Brasil retomar um processo de crescimento econômico e sofisticação produtiva com um consistente projeto de reindustrialização. Mas como nada disso é compatível com o lucro de banqueiros e os latifundiários que financiam cantores sertanejos e a mídia empresarial, interessa reproduzir a ideia de que o sucesso depende de uma bênção divina, ou então da iniciativa individual de se virar na precariedade, que é definido com a palavra bonita de empreendedorismo. Essas iniciativas aparentemente bondosas cumprem o papel de manter tudo como está. A reprodução desses gestos em vídeos que viralizam nas redes sociais tem a função de capturar sonhos e desejos. Interessa aos donos do poder que as pessoas sonhem em ser o cantor sertanejo. Que as pessoas sonhem em receber a “bênção” de um dia poder dar mil reais a uma vendedora na rua. É o sonho de ser rico, é o fetiche pelo dinheiro, e não pelo trabalho. Isso é o mais grave desse tipo de iniciativa, e com isso eu finalizo.  

    O dinheiro se apresenta, dessa forma, como o único Deus possível de ser cultuado, a única utopia ou sonho possível. Podemos mais do que isso. Podemos mais do que sonhar com a “bênção” de um dia poder dar esmolas. Precisamos, como sociedade, oferecer mais àquela vendedora ambulante, e às milhões de pessoas subempregadas e desempregadas do país, do que ser usada para a promoção de um artista famoso. Precisamos disputar os sonhos das pessoas. Somente com sonhos mais generosos, vamos caminhar para a saída dessa treva que nos enfiamos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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