A Chacina de Vigário Geral e a travessia do “ponto de não retorno”
"Livro-reportagem apresenta em detalhes os meandros do massacre"
Acabo de ler o livro Massacre em Vigário Geral. Os 30 anos da chacina que escancarou a corrupção policial do Rio, escrito pelos jornalistas Chico Otavio, Elba Boechat e Elenilce Bottari, que se debruça sobre aquela que foi, nas palavras dos autores, a chacina que “desvelou a origem do que entendemos hoje como narcomilícias”.
Passados 30 anos daquela noite de 29 de agosto de 1993, em que, estima-se, cerca de 70 policiais invadiram o Parque Proletário de Vigário Geral assassinando brutalmente 21 pessoas inocentes, ainda se encontra como que colada à retina dos olhos a imagem dos corpos cravejados de balas enfileirados à entrada daquela comunidade da zona norte do Rio.
Resultado de uma ação de vingança contra traficantes que, na véspera, haviam matado 4 policiais, a Chacina de Vigário Geral ocorreu no mês seguinte a outra chacina que demonstrou, igualmente, a face mais vil e cruel da forma de agir do aparelho coercitivo público no estado do Rio de Janeiro, à época governado por Leonel Brizola – a Chacina da Candelária.
Resultado de um sólido trabalho de investigação jornalística, esse livro-reportagem apresenta em detalhes os meandros do massacre, o açodamento e as reviravoltas das investigações, a construção do processo e os julgamentos que, no fim das contas, resultaram na condenação e cumprimento da pena de apenas 4 acusados.
Se os autores do livro estiverem corretos na sua argumentação – e creio que estão -, a Chacina de Vigário Geral representou um ponto de inflexão na construção das estruturas orgânicas daquelas que, junto ao avanço do poder das igrejas neopentecostais e das forças políticas de extrema-direita, representam a “base de sustentação bélica” da destruição do nosso Estado democrático de direito, a partir do controle dos territórios habitados pelas populações mais empobrecidas da sociedade brasileira: as narcomilícias.
Três décadas se passaram e, para o infortúnio da nossa frágil democracia, o Rio de Janeiro não é mais um laboratório dessa experiência aniquiladora dos princípios mais elementares dos direitos humanos, particularmente dos indivíduos e grupos sociais constituídos por negros e pobres que habitam as periferias brasileiras.
A experiência realizada no “laboratório carioca” germinou e se ramificou por todos os estados da federação, em maior ou menor proporção, a ponto de ter sido responsável pela eleição de um presidente da república que expressou fidedignamente os seus interesses, sob a forma de um projeto político de caráter genocida.
Do alto do meu “pessimismo da razão”, desconfio que já atravessamos o “ponto de não retorno”, cabendo às forças democráticas e republicanas, apenas e tão somente, a tarefa de construção de diques de contenção da barbárie.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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