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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    A CIA no Brasil

    "O objetivo fundamental da visita de William Burns foi o de fazer, ou tentar fazer, que a ABIN coopere mais estreitamente com a CIA, nesses grandes temas políticos", escreve o sociólogo Marcelo Zero

    William J. Burns (Foto: 15 Reuters | ABr)

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    Por Marcelo Zero

    William Joseph Burns, que esteve recentemente no Brasil, é o primeiro diplomata de carreira a assumir o estratégico cargo de Diretor da poderosa CIA. Fato inédito.

    Sua aprovação pelo Senado norte-americano deu-se de forma rápida e consensual. Fato raro.  

    Após o senador Ted Cruz ter obtido a promessa de Joe Biden de que empresas que participem da construção do novo gasoduto russo para a Alemanha serão punidas, a sabatina de Burns transcorreu de forma bastante cordial, com muitos elogios para o indicado.

    Os elogios, do ponto de vista dos interesses dos EUA, são merecidos.  

    A experiência de Burns é vasta. Filho de general, Burns, que entrou no serviço exterior dos EUA em 1982, foi embaixador na Jordânia (posto chave dos EUA no Oriente Médio) e na Rússia, onde se destacou por seus relatórios precisos sobre a ascensão de Putin. Além disso, Burns foi Vice-Secretário do Departamento de Estado (2011-2014) e Secretário Assistente do Departamento de Estado para o Oriente (2001- 2005).   

    Ele foi o principal negociador do atual acordo nuclear com o Irã. Por causa disso, a revisa Foreign Policylhe deu o título de “Diplomata do Ano”, em 2013. Não bastasse essa vasta experiencia, Burns é intelectualmente muito preparado, tendo feito mestrado e doutorado em Relações Internacionais no prestigiado St John's College, da Universidade de Oxford.   

    Seu currículo é, pois, muito sólido e revela um diplomata profissional e competente.  

    Mas não foi apenas o currículo e seu prestígio, principalmente entre Democratas, que lhe assegurou no posto.

    A nomeação de Burns, um diplomata de carreira, para a CIA insere-se na mudança que Biden quer introduzir na política externa e na política de segurança dos EUA.  

    Antes que os idiotas do pensamento do binário e simplório se manifestem, adianto que não se trata de mudanças de objetivos, que permanecem os mesmos, mas de métodos.

    Os estrategistas ligados aos Democratas argumentam, com certa razão, que o unilateralismo e o isolacionismo do America Firstde Trump contribuíram para fragilizar a presença dos EUA no mundo, o que contribuiu para acelerar a ascensão de adversários como China e Rússia no cenário internacional.  

    O America First, segundo tal visão, corroeu as estratégicas relações com aliados tradicionais, particularmente os europeus, e criou vácuos diplomáticos e econômicos que foram ocupados, com muita competência, por China, Rússia, Irã etc.

    Agora, Biden pretende recriar e fortalecer as alianças dos EUA no mundo, bem como voltar a ocupar as instituições multilaterais, de forma a isolar o que ele chama de “Estados autocráticos”.  

     Na INTERIM NATIONAL SECURITY STRATEGIC GUIDANCE, divulgada em março, Biden afirma que os EUA não conseguirão realizar seus objetivos estratégicos sozinhos. Por esse motivo, diz ele, “nós vamos revigorar e modernizar nossas alianças e parcerias pelo mundo”.Tal esforço será dirigido especialmente para a região do Indo-Pacífico, a Europa e o Hemisfério Ocidental. Países como Índia, Austrália, Japão, Coréia do Sul, Vietnã, Singapura, Reino Unido, Canadá e México terão centralidade nessa estratégia de contenção dos “Estados autocráticos”.  

    Mas o que isso tem a ver com a CIA e seu novo diretor diplomata?

    Tem tudo a ver.

    É que fragilização recente dos EUA também abrangeu a área de inteligência.  

    Na realidade, os EUA estão levando uma surra de países como China e Rússia, nessa área.

    Há cerca de uma década, a China conseguiu desbaratar a rede de espiões dos EUA em seu território. Desde então, os EUA têm se valido do MI-6 britânico para obter informações “on the ground”da China.

    Mesmo assim, são informações precárias. A China desenvolveu um sofisticado sistema de contrainteligência, baseado em sólida inteligência artificial e biometria de ponta, que dificulta muito o trabalho e a presença de espiões estrangeiros em seu território. Ademais, tanto a China quanto a Rússia estão usando mais eficientemente a Internet e as redes sociais para suas atividades de inteligência e contrainteligência. O domínio da tecnologia 5G pela China poderá ampliar ainda mais, e por todo o mundo, sua vantagem estratégica.

    A resposta dos EUA virá de três formas: mais investimento em tecnologias aplicáveis às áreas de inteligência e contrainteligência, melhor formação de quadros e, sobretudo, ampliação e aprofundamento de suas redes com sistemas de inteligência de aliados.

    É nesse último ponto que entra o diplomata.

    Burns vai aprofundar o relacionamento da CIA com outros sistemas de inteligência, de modo a inseri-los mais intensamente na geoestratégia dos EUA e propiciar sinergias para a contenção dos “Estados autocráticos”. Além disso, a presença de um diplomata permitirá que os sistemas de inteligência conversem sobre temas políticos que escapam à discussão estreita de métodos de inteligência.  

    O Brasil é visto, nos EUA, como um país-chave da América Latina, fundamental para conter tanto a influência da China e da Rússia na região quanto para colocar obstáculos à ascensão de regimes e governos que sejam hostis aos interesses dos EUA no subcontinente.  

    Portanto, o objetivo fundamental da visita de Burns foi o de fazer, ou tentar fazer, que a ABIN coopere mais estreitamente com a CIA, nesses grandes temas políticos.  

    O perigo óbvio é o de que a ABIN, como já acontece também com o Itamaraty e as Forças Armadas, perca cada vez mais de vista os interesses soberanos do Brasil e passe a defender ainda mais intensamente os interesses geoestratégicos dos EUA, num alinhamento automático e subserviente de suas políticas de inteligência e contrainteligência.

    Dadas às características geopolíticas do governo Bolsonaro, tudo indica que o pacto já foi selado. Se o pacto incluiu também a contenção de forças populares e políticas internas, com a escusa de que eles seriam aliadas dos “Estados autocráticos”, é algo a ser investigado e esclarecido.  

    Na mencionada INTERIM NATIONAL SECURITY STRATEGIC GUIDANCE, Biden afirma que: “A América está de volta. A Diplomacia está de volta. As alianças estão de volta”.

    Podemos acrescentar que a CIA, que nunca foi embora, também está de volta. E em grande e novo estilo, mais “cooperativo” e “diplomático”. Sobretudo, mais presente e atuante.

    Mais um vírus no Brasil. Variante potencialmente letal para a democracia.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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