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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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A cobiça de estrangeiros por terras brasileiras e a lição do Senado dos EUA

Senadores de lá restringem venda de áreas rurais à China, e invocam princípio da soberania. Cabe às instituições brasileiras defender os nossos interesses

Terras brasileiras, Eduardo Bolsonaro e Temer com a Paper (Foto: Reprodução)

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O Senado dos EUA aprovou projeto de lei que proíbe a compra de terras agrícolas por empresas com sede na China. É uma medida que faz parte da disputa comercial e geopolítica entre os dois países, mas o fundamento da decisão segue uma lógica que se aplica ao Brasil e a qualquer outro país que tem na agricultura importante fator econômico ou que se preocupa em defender sua soberania.

O projeto foi aprovado por larga maioria – 91 votos a 7 – e ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados de lá para se tornar lei, o que analistas acreditam que ocorrerá sem grandes dificuldades, dada a preocupação das lideranças norte-americanas com a ascensão econômica chinesa. 

“Este é um passo crítico para garantir que não estamos entregando valiosos ativos americanos a entidades estrangeiras que desejam nos substituir como a principal potência militar e econômica do mundo”, disse o senador Jon Tester, democrata de Montana, conforme o NY Times. 

Independentemente da posição que se tenha sobre essa disputa entre os dois países, a proteção fundiária de qualquer país contra as pretensões de outro parece necessária. Mais do que isso, justa. E o Brasil está no centro desse debate, depois que a Sociedade Rural Brasileira recorreu ao Supremo Tribunal Federal para declarar inconstitucional a restrição de venda de terras a estrangeiros. O caso ainda está em julgamento no Supremo Tribunal Federal.

O relator da ação foi o ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou em 2021. Um de seus últimos atos foi a apresentação de um voto duro contra a venda de terras a estrangeiros. “A ausência de regulação compromete o aspecto externo da soberania, ao permitir que parcela do território seja submetida à vontade de pessoas de fora”, escreveu ele.

Na ação, a Sociedade Rural Brasileira contesta o parecer da Advocacia Geral da União que limitou o acesso às terras por estrangeiros. O parecer é de 2010, quando Lula estava em seu segundo mandato de presidente da república. O interesse da Sociedade Rural Brasileira não está claro, mas um efeito da ação, caso os ruralistas tenham êxito, seria o aumento do preço da terra, já que elevaria a demanda.

"Um tiro no pé", disse ao 247 o presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Aristides Santos, que tem entre seus associados donos de pequenas propriedades. "O que o proprietário ganha hoje com a venda perde amanhã, já que será mais difícil adquirir novas propriedades", acrescentou.

O desembargador Alfredo Attié, do Tribunal de Justiça de São Paulo, também criticou o movimento para abrir o mercado de terra a estrangeiros.

"Tem algumas coisas que são indiscutíveis. Por mais que a gente queira dizer: 'olha, a gente vive numa ordem internacional, a soberania dos Estados desapareceu. Agora é uma comunhão de países do mundo inteiro, comunhão de povos'. Tudo bem, isso tudo é um ideal, mas não é assim na prática. Permitir que grandes parcelas da propriedade acabem nas mãos de estrangeiros é um risco para a soberania", disse Attié, que também é presidente da Academia Paulista de Direito e uma das vozes progressistas mais respeitadas no meio jurídico.

O desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, aplicou o princípio constitucional da soberania numa decisão recente, em que suspendeu a venda de terras para a multinacional Papper Excellence, que é do Sinar Mas Group, da família Widjaja, um dos maiores conglomerados da Indonésia, estabelecido também na China. A Papper disputa com o grupo brasileiro J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o controle da fábrica de celulose Eldorado.


A ação foi movida pelo ex-prefeito de Chapecó  Luciano José Bulligon. Segundo ele, representantes da Eldorado Brasil Celulose e da Paper Excellence foram a Chapecó “com o objetivo de sondar agricultores na Região Oeste de Santa Catarina para compra de terras, para realizar plantio de eucaliptos e extração de madeira para exportação”.

Além disso, Bulligon afirmou que “a empresa estrangeira Paper Excellence anunciou que estaria consolidando a aquisição da maior empresa de celulose do Brasil, que é a Eldorado Brasil Celulose, a qual é proprietária de 249 mil hectares de florestas de eucalipto plantadas em áreas rurais nacionais”.

Para ele, “a pessoa jurídica estrangeira, como a Paper Excellence, e as pessoas jurídicas brasileiras cujo capital social é controlado por pessoas jurídicas estrangeiras, como a CA Investment Brazil e Eldorado Brasil Celulose, só podem adquirir imóveis rurais no Brasil se cumprirem requisitos previstos nas Leis 5.709/71 e 8.629/93 e no Decreto 74.965/74, que regulam a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no país”.

O desembargador Favreto deferiu o pedido, ao determinar “a suspensão dos atos de transferência das ações da Eldorado Brasil Celulose de propriedade da J&F Investimentos em favor da CA Investment, bem como a aquisição de novas áreas rurais no território brasileiro pelas demandadas Eldorado Brasil Celulose, Paper Excellence e CA Investment até que sejam apresentadas as permissões pelo Incra e pelo Congresso Nacional, conforme exigido pelas Leis 5.709/71 e 8.629/93”.

Em seu despacho, Favreto assinalou ainda: “As provas constantes dos autos não deixam dúvida quanto à intenção de aquisição pela Paper Excellence, pessoa jurídica estrangeira, da totalidade das ações da Eldorado Brasil Celulose, proprietária de terras rurais, cuja aquisição por pessoa jurídica estrangeira deve observar os requisitos legais previstos na legislação (...). Tais requisitos não apenas protegem a soberania nacional, mas também buscam evitar investimentos meramente especulativos, aumento da desigualdade social e preservar a função social da propriedade”.

Logo depois que assumiu a presidência da república no lugar de Dilma Rousseff, em 2016, Michel Temer tentou alterar a legislação para eliminar as restrições da venda de grandes quantidades de terra a estrangeiros. A proposta não avançou no Congresso, mas Temer continua atuando nos bastidores para mudar a lei, segundo publicou a coluna Radar Econômico, da revista Veja

Temer tenta resgatar projeto de lei da Câmara dos Deputados e diz que quer escreve um livro sobre o tema. Por que tanto interesse? Temer é remunerado como consultor da Paper Excellence. O grupo sino-indonésio também fez lobby junto ao governo Bolsonaro na defesa de sua entrada como latifundiário no Brasil. Em 2019, recebeu Hamilton Mourão, então vice-presidente, em seu escritório em Xangai e depois Eduardo Bolsonaro em Jacarta, na Indonésia.

A cobiça de estrangeiros sobre as terras brasileiras já se tornou, certamente, um dos temas mais sensíveis do governo Lula. A decisão do Senado norte-americano mostra que os EUA sabem bem defender os interesses deles. Cabe às instituições brasileiras defender os nossos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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