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    Josué de Souza

    Professor, Cientista Social e autor do livro Religião, Politica e Poder (EDIFURB)

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    A coluna que eu não gostaria de escrever

    "Estamos vivendo dias que os cristão deixaram de lado os ensinamentos do texto sagrado para serem guiados por cegos de conhecimento", diz Josué de Souza

    De acordo com os organizadores, cerca de 30 mil pessoas caminharam pelas vias principais da capital federal neste sábado 17 ao som de música gospel e orações; de acordo com a Polícia Militar do Distrito Federal, o público estimado chegou a 8 mil pessoas (Foto: Gisele Federicce)

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    Como já falei aqui em outras colunas, eu sou filho e neto de pentecostais. Minha família foi uma pioneira na Assembleia de Deus na região. Como filho de pentecostal, cresci acordando cedo no domingo para frequentar a Escola Bíblica Dominical (EDB). Desde criança fui aluno desta instituição centenária que contribuiu não somente para minha formação bíblica e alfabetização. Sim, eu fui alfabetizado pela minha professora de EBD. E não sou um caso isolado. Inúmeros brasileiros têm o primeiro contato com a leitura e o letramento nos bancos da escola bíblica dominical.  

    Suas lições ou cartilhas, muitas vezes, em companhia com a Bíblia Sagrada é a única literatura que chega nos lares da periferia das cidades e do interior do país. Foi na EBD que compreendi a importância dos estudos, da palavra escrita e do conhecimento científico. Por mais de trinta anos fui aluno e por outros professores. A fé pentecostal não marcou somente minha vida pessoal. Forjou minha carreira profissional. A experiência na igreja sem dúvida me levou a não ter dúvida em escolher o magistério como profissão, como também influenciou a minha escolha do objeto de estudo acadêmico. A relação entre religião e política no meio pentecostal.

    Preciso dizer que tem pelo menos cinco anos que não frequento mais igreja regularmente. Porém, no ano passado, ao ser questionado sobre um material comemorativo dos 90 anos da instituição sobre qual a importância da igreja na minha vida, não tive dúvidas em responder: “Esta organização simplesmente moldou tudo que sou, mesmo com todas as contradições, dela e é claro, minhas!” Daí a minha tristeza ao ler a matéria do Intercept. 

    Sobre polêmica “cartilha”

    Primeiro é preciso dizer que as lições são um negócio milionário. Presente em todas igrejas da Assembleia de Deus, até alguns anos atrás era um mercado monopolizado pela Editora Oficial da Assembleia de Deus no Brasil. Ligado à Convenção Geral das Assembleia de Deus – CGADB.  O controle da convenção e por consequência da editora é objeto de disputa por oligarquias políticas no interior das instituições. Não conseguindo controlar a editora oficial, lideranças regionais, que é o caso de Blumenau, passaram a editar suas próprias lições da EBD. Editoras essas que não são controladas pelas igrejas, mas por familiares dos pastores e lideranças. Controlam não somente o conteúdo, mas também garantem uma fatia no monopólio da venda de literaturas e materiais didáticos para os fiéis. Como a matéria do Intercept mostrou, a editora é do vice-presidente das Assembleias de Deus em Blumenau. Herdeiro de um caudilho político religioso que domina as Assembleias de Deus em Santa Catarina a décadas. 

    Os pentecostais brasileiros são conhecidos como as bíblias. A pecha popular, origina-se pela presença da escola dominical e pela característica de suas lições. Voltada prioritariamente para exegese do texto bíblico. Na lição de Blumenau, parece que essa tradição é esquecida. O material deixa a exegese bíblica de lado e promove uma miscelânea de péssima qualidade de conceitos filosóficos, sociológicos e conhecimentos históricos selecionados de forma parcial e tendenciosa. No caminho, assassinam conceitos primordiais para a compreensão dos temas que pretende tratar. Ignora as referências acadêmicas consagradas e lança mão de referências de origem duvidosa. Faz parecer que o objetivo não é o estudo do texto sagrado, mas a produção de pânico moral. 

    O cenário piora quando o texto se dedica a debater educação pública. Por mais que aponta a necessidade de educação formal e o papel da reforma luterana na popularização do conhecimento, propaga inverdades e destrói a realidade. Ressuscitam fantasmas como a Ideologia de Gênero e Marxismo Cultural. Faltou apenas a mamadeira de piroca! Temas sem nenhum lastro acadêmico.  Apontam os negativos índices da educação brasileira e creditam o resultado ao ensino humanista na escola pública e aplicação do método do educador brasileiro Paulo Freire. Esquecem, portanto, de lembrar seus leitores que nos últimos quatro anos, o Ministério da Educação teve cinco ministros. Sendo que o último era um pastor evangélico afastado por corrupção e por envolvimento com uma quadrilha de pastores da Assembleia de Deus. Acusados, entre outras coisas, de desviar dinheiro do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação em troca de propinas em barras de ouro.  

    No meio assembleianos há um ditado que diz que “todo texto tirado de contexto serve apenas de pretexto”. Ouso dizer que é isso que meus amigos da Assembleia de Deus fazem. Uma espécie de olavismo bíblico.  Aliás, muitas das manipulações presentes no material, eram propagadas pela boca e escritos do falecido astrólogo da Pensilvânia. A lição é um museu de velhas novidade requentadas em tempos eleitorais. Tudo em nome do poder e da chamada guerra cultural. A jihad dos neocalvinistas brasileiros. Um encontro da ignorância, o interesse econômico e político. Infelizmente sedimenta para os fiéis da igreja uma ideologia de extrema direita, tornando ela mais importante que as verdades bíblicas. Sim, estamos vivendo dias que os cristão deixaram de lado os ensinamentos do texto sagrado para serem guiados por cegos de conhecimento. Coisa triste!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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