A constante necessidade de se defender Paulo Freire
A despeito de mais de seus 20 anos de morte e do reconhecimento estrondoso de sua obra ao redor do mundo, o Brasil nunca aplicou efetivamente uma perspectiva Freireana, de maneira sistemática e na abrangência das escolas
Ao longo dos últimos anos, um fenômeno tem sido comum entre os reacionários de plantão: a direção de ódio a Paulo Freire. Os motes são os mais estúpidos possíveis: “Paulo Freire foi um doutrinador”, “Paulo Freire ferrou com a educação brasileira”, “Paulo Freire é o responsável pelo aumento da violência na sociedade brasileira”, “Paulo Freire é o responsável pelos impulsos sexuais nos adolescentes” [1] [2] [3] [4]. Pois é, este, estes são alguns dos absurdos que somos obrigados a ler pela dita inteligência de direita, inclusive no site do Instituto Liberal. Faço questão de deixar os links para a consulta ao show de horrores.
Mas a verdade é bastante diferente da pintada por estes fanastrões. Inclusive, a dialética destes grupos é tão pobre que qualquer estudante de ensino médio consegue desmontar as falaciosas informações, vejamos alguns fatos incômodos:
- Paulo Freire não teve sequer a possibilidade de destruir a educação, como dizem. [5] Assim que houve o golpe de 1964, Paulo Freire foi preso e exilado no Chile e Suíça. É verdade que foi durante seu exílio que escreveu seu livro mais famoso, “Pedagogia do Oprimido”, porém é fato inconteste que foram 16 anos fora do país, alheio a qualquer possibilidade de poder contribuir com o debate nacional. Durante a década de 1980, foi professor da UNICAMP. [6] Foi somente na década de 1990, portanto em seus últimos anos de vida, de 1989 – 1991, que Paulo Freire teve sua única atividade de gestão, na Secretaria de Educação de São Paulo, durante o governo de Luiza Erundina.
- Ainda nesta seara de gestão, não é preciso ir muito longe para ver que ela é falaciosa. Basta verificar o perfil dos que ocuparam a cadeira de Ministro da Educação desde a redemocratização, em 1985. A análise é bastante reveladora: dos últimos 35 anos, apenas durante 2003 – 2015 houve ministros com inclinações de esquerda, conforme a lista abaixo.
Marco Maciel (1985 - 1986) (PFL -atual DEM), Jorge Bornhausen (1986 - 1987) (PFL - atual DEM), Hugo Napoleão do Rego Neto (1987-1989) (PFL e atualmente PSD), Carlos Corrêa (1989-1990) (PMDB), Carlos Chiarelli (1990- 1991) (PFL - atual DEM), José Goldemberg (1991 - 1992) - Sem partido, Eraldo Tinoco (1992) (PFL), Murilio Hingel (1992 - 1995) (Sem partido), Paulo Renato Souza (1995 - 2003) (PSDB), Cristovam Buarque (2003 - 2004) (Então PT), Tarso Genro (2004 - 2005) (PT), Fernando Haddad (2005 - 2012) (PT), Aloízio Mercadante (2012 - 2014) e (2015 - 2016) (PT), José Paim (2014 - 2015) (Sem partido), Cid Gomes (2015) (PDT), Renato Janine Ribeiro (2015) (Sem partido), Mendonça Filho (2016 - 2018) (DEM), Rossieli Soares (2018) (Sem partido), Ricardo Vélez (2019) (Sem partido), Abraham Weintraub - atual (Sem partido)
- Interessantemente, percebe-se, ao se olhar os índices do exame Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que o Brasil apresentou melhoras substanciais quantitativas nos três principais índices: Na área de leitura, que é medida desde 2000, fomos de 396 para 407 em 2015. Na área de matemática, saímos de parcos 356 em 2003, para 377 em 2015 (interessante notar que em 2012 havia sido 389). Na área de ciências, que é medida desde 2006, saímos de 390 para 401 em 2015. [7]
- O método Freireano, que os reacionários acreditam ser fracassado, está sendo utilizado na Alemanha, como forma de ensino de idioma a refugiados. [8] Aplicado em escolas na Finlândia [9], África do Sul, com o fim do Apartheid [10], Áustria [11], entre dezenas de outros países.
A verdade é que a despeito de mais de seus 20 anos de morte e do reconhecimento estrondoso de sua obra ao redor do mundo, o Brasil nunca aplicou efetivamente uma perspectiva Freireana, de maneira sistemática e na abrangência das escolas, ficando por muitas e muitas vezes restrito unicamente às escolas de elite, particulares, [12] e que, por sinal, por vários motivos que não exclusivamente a metodologia, apresentam excelentes resultados nas avaliações gerais.
Não é necessário ser unânime em elogiar Paulo Freire e sua obra, mas é mandatória que haja integridade intelectual.
Paulo Freire, presente!
Fontes Bibliográficas:
[1] https://www.institutoliberal.org.br/blog/sim-a-culpa-e-de-paulo-freire/
[2]https://www.brasil247.com/midia/villa-defende-paulo-freire-rebate-constantino-e-weintraub-e-enfurece-a-direita
[3]https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/mural-de-paulo-freire-representa-fracasso-total-absoluto-do-brasil-no-pisa-diz-weintraub-24114951
[4]https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-faz-coro-com-weintraub-e-critica-paulo-freire/
[5] http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/paulo-freire/
[6] http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=605&Itemid=195
[7] https://pisadataexplorer.oecd.org/ide/idepisa/report.aspx <- cria-se o comparativo selecionando Brasil e as três variáveis principais.
[8] https://www.dw.com/pt-br/m%C3%A9todo-paulo-freire-%C3%A9-utilizado-para-integra%C3%A7%C3%A3o-de-refugiados-na-alemanha/a-48484879
[9] http://www.kriittisetpedagogit.fi/?page_id=239
[10] https://www.journals.ac.za/index.php/sajhe/article/view/902
[11] https://www.pfz.at/
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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