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    Jose Carlos de Assis

    Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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    A destruição do Estado social

    A obsessão com o equilíbrio (ou superávit!?) do orçamento primário, mediante cortes sucessivos nele, trava o desenvolvimento do país a altas taxas

    Fernando Haddad e Simone Tebet (Foto: Agência Gov)

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    Vem por aí mais um “pacotaço” dos ministros Hadadd e Tebet para que se dê outro passo na direção da liquidação completa do Estado social brasileiro mediante cortes, ainda mais profundos que os anteriores, no orçamento primário da União. Será a repetição de tentativas fracassadas nos últimos dez anos de equilibrar o orçamento primário do Governo. Com isso, acaba recaindo sobre o presidente Lula o peso político de medidas tão absurdas como a de cortes anunciados nos benefícios de prestação continuada, atingindo as parcelas mais vulneráveis do povo.

    Sinceramente, não vejo saída para essa tragédia nacional. O orçamento primário, onde aparecem todas as despesas de interesse público, além dos investimentos fundamentais do Estado em infraestrutura, deve ficar, no próximo ano, em cerca de R$ 2,2 trilhões, contra R$ 3,6 trilhões do orçamento financeiro. Só de juros sobre a dívida pública devemos pagar cerca de R$ 1 trilhão. Contudo, para se enquadrar no “arcabouço fiscal”, o governo está cortando gastos no primário, que já está esmagado pelo financeiro. E o principal sacrificado é o povo humilde!

    A saída para essa situação, que se soma às catástrofes climáticas extremas que devem ser enfrentadas com inevitável aumento de despesas do orçamento primário nos próximos anos, vai recolocar a questão dos cortes orçamentários num nível superior. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, deu ao presidente Lula uma saída institucional para escapar do “arcabouço” e de tentativas de impeachment. Autorizou o Executivo a editar e mandar ao Congresso medidas provisórias à margem da meta fiscal acima de 0,25% do PIB.

    Embora isso salve Lula do destino de Dilma, que teve de recorrer a expedientes junto a fundos de bancos públicos para contornar restrições fiscais - e que, por isso, foi deposta pelo Centrão e os conservadores-neoliberais chefiados por Michel Temer e Eduardo Cunha -, o “mercado”, indiferente às vítimas dos desastres climáticos, ficou enfurecido com o Ministro porque sabe que sua decisão terá efeito sobre a economia real como um todo, independentemente da formalidade fiscal.

    De fato, a autorização de despesas extraorçamentárias para enfrentar ou nos adaptar a desastres climáticos não evita seus efeitos sobre o conjunto da economia. A demanda vai aumentar, por causa das despesas com reconstrução ou reposição de ativos de empresas e famílias, e, se não houver uma contrapartida de aumento da oferta ou de importações, haverá um desequilíbrio no mercado, com risco de inflação. Para evitar isso, seria necessário que os empresários fossem estimulados a investir, o que está limitado pelas taxas de juros estratosféricas impostas pelo Banco Central - cujo aumento na próxima reunião para fixar a Selic o Bradesco, ditando a futura decisão do Copom, já antecipou em 0,5 ponto percentual.

    Temos, portanto, uma política econômica invertida em relação ao que deveria e poderia ser. A obsessão com o equilíbrio (ou superávit!?) do orçamento primário, mediante cortes sucessivos nele, trava o desenvolvimento do país a altas taxas. Déficit primário não causa aumento do custo de vida e da inflação, a não ser que não haja contrapartida de investimentos responsáveis do Estado e incentivos ao setores privados para produção alimentar e de bens e serviços de consumo popular. Havendo aumento do investimento e da produção, a oferta desses itens acompanha dinamicamente a demanda, e a inflação se estabiliza.

    Superávit primário é outra estupidez absoluta, recomendada apenas pelos que ignoram os rudimentos da economia. Uma vez aplicado, ele retira recursos públicos e privados do circuito econômico, reduz a liquidez e a demanda, e provoca deflação e queda do PIB. Portanto, nos casos de equilíbrio ou de superávit fiscal, quem sai ganhando são os barões do mercado financeiro especulativo, que desviam para ele seus investimentos produtivos diante de demanda real insuficiente.

    Qualquer economista, mesmo que alinhado ao conservadorismo-neoliberal, sabe perfeitamente de tudo isso. O problema é que ele defende interesses próprios e de seus patrões da oligarquia econômica, principalmente financeira, e não os interesses da nação e do povo. Isso fica por conta dos desenvolvimentistas. Mas os desenvolvimentistas, supostamente favoráveis ao interesse público, não têm meios econômicos e políticos para defender suas propostas. Na verdade, são uma minoria insignificante no Congresso, e nada indica que isso mude em 2026, qualquer que seja o destino de Lula.

    Diante disso, e independentemente da razão econômica, teremos de continuar tolerando as medidas de equilíbrio do orçamento fiscal similares às que estão sendo preparadas, assim como as do aumento da taxa de juros, enquanto uma guerra generalizada, uma convulsão social ou uma sucessão de desastres climáticos extremos não impuserem, como um desafio imposto pela realidade, uma inversão da política econômica brasileira.

    Na verdade, estamos vivendo sob a ditadura do Capital financeiro especulativo, que subordinou o Estado a seus interesses num grau ainda mais elevado do que fez o velho Capital selvagem dos séculos XIX e princípios do século XX. Antes, para produzir bens e serviços e lucrar, o Capital produtivo havia se aliado ao Estado “apenas” para controlar os trabalhadores. Agora está migrando para a especulação financeira, dispensando trabalhadores, aumentando o desemprego formal e trazendo o Estado para uma aliança espúria contra os interesses da sociedade.

    A base dessa aliança são a política fiscal e a política monetária. Com a cumplicidade do Banco Central, o Capital financeiro expropria diretamente o Tesouro mediante suas operações no mercado aberto, em especial as chamadas “operações compromissadas” que rendem juros ao dia (Selic, acima da inflação oficial) sobre reservas bancárias. Assim, com a simples troca de sinais eletrônicos com o Bacen, e sem nenhum trabalho, os barões do Capital financeiro se apropriam diariamente de parte significativa da renda nacional, ao mesmo tempo em que dispensam milhões de trabalhadores.

    O Estado complementa o processo retirando direitos sociais dos trabalhadores para sobrar mais recursos para a especulação financeira. Foi o que aconteceu com as reformas Previdenciária e Trabalhista. E é o que acontece agora, com os cortes anunciados no orçamento primário. O pretexto é a necessidade de equilíbrio fiscal e de uma alta da taxa de juros para estabilizar a inflação. Esses são fetiches que apenas refletem a ideologia da classe dominante. Na ordem capitalista universal atual, agravada no Brasil, a ideologia dominante é a ideologia do Capital especulativo, martelada diariamente na grande mídia. Não se sabe aonde isso vai dar!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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