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    Rudá Ricci

    Rudá Ricci é sociólogo

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    A diferença entre direita e conservadorismo brasileiros

    A direita, enfim, não prospera no Brasil em tempos democráticos. Daí seu eterno apelo às armas. Como um corretivo. Como um mergulho no obscurantismo medieval

    Emanuel Marra me pergunta, no Facebook, se eu poderia detalhar mais o que seria a direita brasileira. Achei que esta seria uma questão que interessaria outros que me seguem nas redes sociais. Interesse evidentemente lastreado no imenso fracasso da reedição da Marcha com Deus convocado pela direita tupiniquim nesses dias de março.

    Então, lá vai. A questão central é distinguirmos direita de pensamento ou valores conservadores. A direita é programática, possui uma leitura sobre a sociedade e ideologia. Já o pensamento conservador se atém ao comportamento social, quase sempre focada no campo dos direitos civis e não necessariamente no Estado ou na estrutura de poder. A maioria dos brasileiros é conservadora, mas não de direita. O que possuem de comum é a defesa da família nuclear e rejeição à ampliação de direitos civis. Confundem o conceito de família com a nuclear (composta por pai, mãe e filhos). Mas esta composição familiar é a que mais decai proporcionalmente no Brasil, desde os anos 1980 (hoje, bem próximo de 50% do total). A família que mais cresce é a monoparental (hoje, bem próximo de 25% do total), em especial, aquela que apenas a mãe vive com os filhos (90% das famílias monoparentais brasileiras).

    A partir daí começam as diferenças. Vejamos:

    a) o conservadorismo brasileiro é composto por negros e pobres. Contudo, a direita brasileira os rejeita por ser profundamente elitista e acreditar que a lógica estamental tem relação com meritocracia (quando, na verdade, tem relação com a intolerância e a cristalização de hierarquia baseada em privilégios históricos e tradicionais);

    b) a população pobre quer a tutela do Estado. A direita brasileira, ao contrário, quer o liberalismo econômico. Esta distinção é fundamental porque coloca em lados opostos a direita e o conservadorismo popular brasileiro. Liberalismo, num país com forte desigualdade social, é interpretado pela grande massa da população pobre brasileira (há inúmeras pesquisas a respeito) como privilégio aos ricos e empresários e ausência de proteção e promoção social estatal;

    c) Os pobres brasileiros (cuja maioria é conservadora) defendem a ordem e a paz. A direita brasileira é beligerante, agressiva e frequentemente fulaniza os ataques políticos, tornando-os ataques grosseiros e rudes, pregando corretivos violentos e discriminadores. Tal discurso vincula-se rapidamente aos desmandos e abusos históricos que as classes menos privilegiadas no Brasil (grande parte oriunda da dominação escravagista, negra ou indígena) sofreram;

    d) A religiosidade popular é sincrética, alicerçada numa bricolagem muito ampla, envolvendo catolicismo e protestantismo; espiritismo e candomblé, além de crendices e provérbios populares e até mesmo diálogos com conhecimentos vinculados à socialização de almanaques europeus via cordel, num amálgama extremamente rico e sofisticado que chega a alterar os cânones das principais igrejas ocidentais (como a inclusão de Cosme e Damião, entre outros). Já a direita brasileira é dogmática e fundamentalista, hierarquizando valores e conhecimentos e excluindo toda identidade sincrética como um erro fundado na ignorância.

    A direita, enfim, não prospera no Brasil em tempos democráticos. Daí seu eterno apelo às armas. Como um corretivo. Como um mergulho no obscurantismo medieval. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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