A diplomacia brasileira na ONU e a questão palestina
A subserviência do presidente Bolsonaro aos interesses dos sionistas tem contribuído para reduzir a reputação do Brasil e o isolamento do país
Como já é tradição, o Chefe de Estado brasileiro é o primeiro a discursar na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorre anualmente em setembro. Os representantes brasileiros sempre abordaram a questão palestina e ofereceram gestões e apoio para a solução do conflito, tradição quebrada pelo presidente Jair Bolsonaro, que este ano chegou a Nova Iorque sem estar vacinado e não disse uma única palavra sobre o conflito na Palestina em seu discurso na ONU.
Lembrando que, em 1947, o embaixador brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a fatídica sessão da Assembleia Geral que aprovou o nefasto Plano de Partilha da Palestina em dois territórios, em 29 de novembro daquele ano. Porém, em 1948, o Brasil votou a favor da Resolução 194 da Assembleia Geral, que estabeleceu o direito de retorno como princípio fundamental para a questão dos refugiados palestinos.
A diplomacia brasileira teve sempre a sua tradição atrelada à aplicação do Direito Internacional e igualmente permeada pelo pragmatismo. Isso demonstra que, tendo envolvimento com os temas do Oriente Médio, a política externa brasileira manteve-se alinhada aos Estados Unidos da América e seguiu sua orientação, embora tenha se inclinado às posições árabes em decorrência da crise do petróleo.
Na década de 1970, o regime militar brasileiro demonstrava grande preocupação com o comércio de petróleo com os árabes, o que levou o Brasil a votar favorável à Resolução 3379 da Assembleia Geral da ONU, de 10 de novembro de 1975, a qual considerou o sionismo como forma de racismo e discriminação racial. Durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o país passou a adotar posições favoráveis às petições árabes e a defender com maior firmeza o direito palestino à autodeterminação.
O Brasil votou a favor da Resolução 3236, de 22 de novembro 1974, que reconhecia a Organização para Libertação da Palestina (OLP) como legítima representante do povo palestino, bem como os direitos dos palestinos à autodeterminação, à independência nacional e à soberania. Em 1977, o Brasil votou, igualmente, a favor da Resolução 32/40-B da Assembleia Geral, que instituiu o dia 29 de novembro como o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, que posteriormente se tornou lei em várias cidades brasileiras.
Em 1993, dois meses após o reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP por meio da assinatura do primeiro Acordo de Oslo, o governo do presidente Itamar Franco (1992-1995) autorizou a abertura da “Delegação Especial da Palestina” em Brasília, com status diplomático e privilégios e imunidades equivalentes aos concedidos a organismos internacionais representados no país.
O Brasil sempre manteve uma postura de equilíbrio na ONU, e essa atitude merecia a atenção das lideranças do mundo árabe. Tanto é que, em 1994, o presidente Itamar Franco foi o único líder latino-americano a ser convidado a participar da cerimônia de assinatura do tratado de paz entre Israel e Jordânia. O Brasil foi representado na ocasião pelo chanceler Celso Amorim.
Durante sua visita ao Brasil, em outubro de 1995, Yasser Arafat reuniu-se com diversos líderes e parlamentares que lhe reiteraram o pedido para que a brasileira Lâmia Maruf fosse incluída entre os prisioneiros a serem libertados por Israel nos acordos de paz. A brasileira foi libertada após 11 anos de cárcere, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002), em 11 de fevereiro de 1998, aos 38 anos.
Naquela ocasião, Yasser Arafat foi condecorado pelo presidente FHC com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau Grã-Cruz, que é a comenda concedida a chefes de Estado, chefes de governo e outras personalidades de hierarquia equivalente. A mesma condecoração já havia sido concedida a personalidades como Che Guevara e Bashar Al-Assad. Já o ex-capitão fascista que governa o Brasil, Jair Bolsonaro, preferiu conceder essa honraria brasileira ao criminoso de guerra Benjamin Netanyahu durante sua visita para a posse presidencial em 2019.
O presidente FHC, que governou o Brasil de 1995 a 2002, tratou em seu discurso na abertura da Assembleia Geral de 2001 sobre o conflito na Palestina, defendendo a criação de um Estado palestino, quando afirmou que “o Brasil reclama passos concretos para a constituição de um estado palestino democrático, coeso e economicamente viável.”
Durante os seus dois mandatos (2003-2010), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve uma linha de defesa do direito à autodeterminação do povo palestino e a solução de dois Estados, com as fronteiras internacionalmente reconhecidas de 1967. A sua intervenção no cenário internacional foi marcada pela sua dedicação ao tema por onde quer que fosse. E, nas diversas vezes que ocupou a tribuna da ONU, Lula manteve sempre o discurso em que cobrava uma maior participação da comunidade internacional – da ONU em especial – na solução do conflito, afirmando que “O povo palestino ainda está longe de alcançar a autodeterminação a que tem direito.”
Em seu primeiro discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 21 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff disse que lamentava ainda não poder saudar o ingresso pleno da Palestina na ONU. Ela afirmou que “O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional.”
O presidente Michel Temer, no seu discurso de abertura da Assembleia da ONU, em 19 de setembro de 2017, disse que o Brasil defendeu historicamente a criação de um Estado palestino. Temer afirmou que: “No oriente Médio, as tratativas entre Israel e a Palestina encontram-se paralisadas. Amigo de palestinos e israelenses, o Brasil segue favorecendo a solução de dois Estados convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas e mutuamente acordadas.”
Em 14 de maio de 2018, Temer também emitiu nota se solidarizando com os palestinos mortos por atiradores israelenses na chamada Grande Marcha do Retorno. O presidente brasileiro escreveu em sua conta na rede social Twitter naquela data: “Lamento profundamente os terríveis episódios de violência na fronteira entre Israel e a Palestina. Nossa solidariedade com os feridos e as famílias dos mortos. O Brasil faz um apelo à moderação, um chamado à paz”.
A postura de subserviência do presidente Bolsonaro aos interesses dos sionistas de Israel não nos surpreende. Nada do que o governo do ex-capitão tem dito e feito está fora do perfil político de Jair Bolsonaro e de seu governo, totalmente desconectados dos debates internacionais e ridicularizado por analistas internacionais e diplomatas na ONU. Essa situação tem interferido diretamente para reduzir a confiança e reputação do Brasil no concerto das nações e contribuído de forma decisiva para o isolamento do nosso país.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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