A discussão equivocada da maioridade
Movimento pela responsabilidade penal aos 16 anos obedece mais a propósitos políticos do que a uma estratégia de segurança bem pensada Leia mais sobre esse assunto
Virou um debate viciado. A questão não é reduzir ou não a maioridade penal de uma maneira geral. A questão é como lidar com uma pequena minoria de criminosos menores de idade, violentos e extremamente perigosos — com uma propensão a matar maior do que a de criminosos mais experientes — que, não obstante haverem cometido seguidos crimes violentos, voltam rapidamente às ruas em virtude do ordenamento jurídico vigente. Os vociferantes tanto “de esquerda” quanto “de direita” se equivocam nessa discussão. Uns precisam entender que a população não aceita mais a rapidez com que esses jovens assassinos voltam às ruas para matar de novo e tornam-se peças bem manipuladas pelas quadrilhas que têm seus contingentes “de menor” para todo crime. Os outros precisam atentar para o resultado final, a médio prazo, de passar o conjunto de jovens infratores brasileiros entre 16 e 18 anos para os presídios normais.
A maior parte dos delitos dos menores não envolve violência, há um número desproporcional por comércio de drogas. Simplesmente aumentarão nossa já elevada população carcerária e as chances dos novos “de maior” saírem dessas universidades do crime, que são nossas penitenciárias, muito mais violentos e perigosos. O foco deve ser no tratamento a ser dado aos menores que tenham cometido crimes violentos e constituam ameaça grave à sociedade, fazendo-os cumprir, ainda que em estabelecimento à parte, um tempo condizente com a violência do crime que cometeram e não permitindo mais essa rápida volta às ruas. Há projetos nesse sentido no Congresso.
O presente movimento pela diminuição geral da maioridade capitaneando pelo lobby conservador-religioso-policialesco obedece mais a propósitos políticos do que a uma estratégia de segurança bem pensada. Não consegue entender os vários ingredientes necessários a uma redução daqueles delitos violentos que mais atingem e preocupam a população (roubo, latrocínio, homicídio doloso) e a relação entre sua explosão nas últimas décadas e a política proibicionista de drogas, que alimenta a logística e o poderio econômico da bandidagem armada e suas mazelas associadas, incluída aí a corrupção policial via “arrego” e outras.
Quanto à velha esquerda, essa continua presa ao mito do “bandido vítima da sociedade” e não consegue explicar como, depois de 20 anos de políticas sociais, que reduziram de fato a pobreza, acabam coincidindo com um forte aumento da violência em escala nacional. Insiste num discurso que, tristemente, a divorcia da ampla maioria da população trabalhadora exasperada com a leniência para com o crime violento expresso na facilidade que têm os “de menor” mais violentos em retornar às ruas e os mecanismos de “progressão de pena”, que permitem a autores de crimes bárbaros saírem da prisão em quatro, cinco anos.
Vamos continuar sendo o país do faz de conta: sem uma política minimamente inteligente e realista de segurança, à mercê da demagogia de uns e da irresponsabilidade de outros e com um ordenamento jurídico que não combate eficazmente a criminalidade violenta mas, ao mesmo tempo, abarrota as prisões de pessoas que não representam ameaça maior à sociedade. A questão no Brasil não é encarcerar mais — é preciso, pelo contrário, ampliar as penas alternativas — mas conseguir concentrar na criminalidade violenta abrindo mão de duas fantasias ideologicamente distintas mas igualmente nocivas: a do “bandido vítima da sociedade” e a da polícia e das prisões abarrotadas que, mais dia menos dia, acabarão com as drogas. Em ambas, a realidade está ao reverso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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