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    Roberto Amaral

    Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

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    A dissimulação de Bolsonaro

    (Foto: Carolina Antunes - PR)

    Por Roberto Amaral e Manuel Domingos Neto 

    Ontem à noite, 31 de março, o presidente da República fingiu mudar de posição, passando a endossar as recomendações da Organização Mundial de Saúde para que as pessoas fiquem em casa. Simulou abandonar a insensatez e a vilania que rapidamente o projetaram como figura execrável na cena internacional. Simulou abraçar a ciência, abandonar o desvairio terraplanista e demonstrar empatia. Admitiu um agrado ao general Pujol, comandante do Exército, repetindo frase de sua recente manifestação. Tentou também, com extrema dificuldade, simular que governa.

    Ingênuos e precipitados viram sua fala em rede nacional como um “recuo” diante da crescente reação de repúdio da sociedade; outros perceberam um “enquadramento” pelos militares. 

    Houve ainda quem entendesse que o Presidente tentava driblar o atropelamento protagonizado por congressistas, governadores, prefeitos, procuradores, juízes e generais, todos procurando agir para atenuar o sofrimento da população.

    Contraditado pela grande mídia e censurado pelos donos de redes sociais, Bolsonaro, apesar do jogo de cena, do arranjo das palavras e frases, na verdade não recuou: persistiu na crença de que a “gripezinha” não pode “parar o Brasil” e que todos devem voltar ao trabalho.

    É a conclusão possível se considerarmos dois aspectos básicos: a manipulação da fala do Diretor da OMS e a criminosa postergação da entrega dos recursos necessários para manter as pessoas em casa.

    A orientação da OMS, pela boca de Tedros Adhanom, seu diretor-geral, é a de que os Estados devem garantir aos mais vulneráveis meios de sobrevivência em casa. Do contrário, o isolamento não seria viável. Impossível milhões de pessoas aceitarem morrer de fome sem ir à rua. Bolsonaro omitiu o mais relevante da fala do dirigente da OMS.

    Hoje pela manhã, acordou abrindo baterias contra os governadores e isentando-se de responsabilidade quanto às atribulações vividas pelo povo.

    Bolsonaro escamoteou as iniciativas parlamentares e as decisões judiciais de liberar os recursos necessários para enfrentar o vírus. Os parlamentares denunciaram imediatamente a demora do governo para sancionar pertinente decreto aprovado pela Câmara dos Deputados. Na prática, esse atraso sabota e anula a orientação de isolamento. Milhões de trabalhadores formais e informais não resistirão reclusos. As pequenas empresas de prestação de serviços não resistrão a uma paralisação de mais alguns dias. 

    Os recursos precisam ser liberados imediatamente, assim como cestas básicas para os milhões de brasileiros aglomerados em condições insalubres nas periferias das cidades.

    O problema de Bolsonaro não é apenas sua índole terrorista, bem conhecida de seus instrutores nas escolas militares, ou seu notório despreparo intelectual. Tampouco sua notável incapacidade de governar ou sua inapetência para a negociação e o entendimento político. O problema do Presidente não é ainda o seu reacionarismo extremado, sua cultura do ódio, sua aversão ao diferente.

    O problema de Bolsonaro é seu ardente apego ao projeto de destruição de traços solidários da convivência humana que alimentou ao longo da vida, e que persiste abraçado por uma razoável porção de brasileiros. O homem é um sociopata que, para estarrecimento de muitos que julgavam conhecer bem a sociedade brasileira, encontra seguidores. Um significativo contingente persiste, entusiasmado, apoiando Bolsonaro.

    A pesquisa encomendada pela Folha de São Paulo e difundida nesta semana indica que 45% dos brasileiros é contra o impeachment do Presidente. Essa posição é endossada por 53% dos que ganham entre 5 a 10 mil reais. O apoio entre os evangélicos é disparado: 69% rejeitam a ideia. Enquanto 55% dos que se declararam católicos são favoráveis ao impeachment, somente 25% dos que se apresentam como evangélicos o aceitam.

    Segundo a pesquisa, o apoio ao impeachment registrou um leve crescimento de 44.8% para 47.7% entre 18 e 25 de março, em que pese a inação diante das notícias aterradoras dos efeitos do Convid-19, o empenho da maioria dos governadores e prefeitos em esclarecer a sociedade sobre as ameaças que pairam sobre todos e o fato de 84% da população revelar medo de perder amigos e familiares por conta da doença.

    As mulheres são mais firmes que os homens no apoio ao impeachment. O mesmo quanto aos nordestinos, relativamente aos sulistas e sudestinos. Neste caso, há um reflexo da ação conjunta dos governadores, além do fato de ser sempre o Nordeste que, desde as eleições, rejeita Bolsonaro com mais firmeza. Enquanto 55% dos nordestinos querem o impeachment, apenas 38% dos sulistas apóiam esta iniciativa.

    A sociedade está estressada: 75% dos entrevistados estão em pânico. Os que têm medo de morrer são 39% e os tem medo de pegar a doença são 36%. Muitos ainda não sentem o emprego ameaçado. Só 9% dizem que já perderam o emprego. 

    Coerentemente, a maior preocupação é com a vida das pessoas (72%) e só 21% priorizam a economia. 

    Apesar de sua magnitude, a pandemia ainda não estimulou percepções de cataclismo econômico. Para 43% dos brasileiros, a crise ainda não causou impacto sobre sua renda, mas 61% esperam pela recessão ainda este ano. Os dados relativos à renda são reveladores da percepção coletiva. Os apoiadores do impeachment são maioria apenas entre os que percebem até dois mil reais. Na medida em que a renda vai aumentando, aumenta os que querem a permanência de Bolsonaro.

    Das revelações da pesquisa encomendada pela Folha, a mais significativa para a reflexão sobre o futuro imediato, que demanda arranjos políticos para enfrentar uma crise de proporções ainda não calculadas, diz respeito à imagem das lideranças. Sem referenciais políticos, fica difícil imaginar um entendimento  emergencial legitimado pela sociedade. A pesquisa mostra um quadro muito favorável aos conservadores.

    Para a pergunta “você tem uma imagem positiva ou negativa destes líderes políticos?”, a pesquisa apresentou uma lista com nove nomes. Moro é visto positivamente por 53% dos pesquisados, muito acima do segundo colocado, seu chefe Jair Bolsonaro, que empata com Paulo Guedes, ambos com 39% de imagem positiva. Lula amarga um quarto lugar, com 33% e Fernando Haddad com 27%.

    Os outros nomes mencionados, com a exceção de Ciro Gomes (24%), formam o trio das “novas lideranças”, todas do campo da direita: Luciano Hulk (21%), Rodrigo Maia e João Dória, ambos com 20%.

    Esse panorama, em seu conjunto, deve mudar rapidamente tendo em vista as previsões dos epidemiologistas. As notícias sobre o avanço da doença nos Estados Unidos certamente rebaterão sobre os brasileiros mais do que as calamidades da Itália e da Espanha.

    Ao que tudo indica, o comando do Exército prevê abalos de grandes dimensões. Disse aos seus comandados o general Pujol que a luta contra a pandemia seria a missão mais importante de sua geração.

    Os analistas se dividem na interpretação de seu discurso. Alguns consideram que, mesmo contraditando o seu superior, no caso, o capitão afastado das fileiras e eleito presidente, Pujol emprestou-lhe apoio.

    O fato que ninguém em sã consciência pode negar é que Bolsonaro, o provocador incendiário, é um entrave para o estabelecimento de uma ação governamental minimamente razoável numa crise dessas dimensões.

    Os hospitais ainda não entraram em colapso e os mortos estão sendo enterrados de forma ordenada. Como reagirá a sociedade com a rápida deterioração dos próximos dias?

    Se, como dizem alguns, o governo Bolsonaro morreu, não foi todavia enterrado. Quem governa, então? 

    Na tarde deste primeiro de abril, em pronunciamento oficial no Planalto, Bolsonaro parecia não saber o que estava falando ou fazendo. O Presidente apareceu como um fantoche atarantado, cercado de generais. Paulo Guedes falou em seu nome, prometendo medidas provisórias, prevendo repasses para estados e municípios. Os recursos estão sendo arrancados à fórceps. 

    Logo veremos se a “tutela militar”, como alguns dizem, contém o Cavalão, apelido que os colegas de academia puseram na figura insana que hoje finge presidir a República.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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