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    Hélio Doyle

    Hélio Doyle é jornalista, foi professor da Universidade de Brasília e secretário da Casa Civil do governo do Distrito Federal

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    A esquerda pode levar Lula ao segundo turno, mas não o elege

    É mais do que natural que o PT, um grande e importante partido, tenha candidato a presidente da República. E é mais do que natural que esse candidato seja Lula, seu maior líder. Hoje, com transmissão pela Globonews e pela CNN, Lula mostrou que está pronto e preparado para essa batalha. 

    É uma candidatura com forte probabilidade de passar para o segundo turno. A tendência é de que, no primeiro turno, o voto em Lula esteja limitado aos simpatizantes do PT, aos seguidores dos partidos de esquerda que aceitarem com ele se coligar e a setores progressistas que não cultivam o antipetismo. Mas não dá para desconsiderar a possibilidade de empolgar, novamente, segmentos mais pobres da população.

    De qualquer maneira, quanto maior for a aliança de esquerda e centro-esquerda que Lula conseguir montar, maior será a probabilidade de estar no segundo turno. Mas o alto nível de rejeição ao PT e a Lula que hoje se observa poderá inviabilizar a vitória no segundo turno, contra qualquer candidato. Em condições normais, isso não seria um grande problema. Ganhar e perder são inerentes ao processo democrático. 

    O problema é que o candidato vencedor no segundo turno poderá ser Jair Bolsonaro, que mais uma vez estará sendo beneficiado pela recusa de boa parcela da sociedade em votar no PT e na esquerda. E sua reeleição será a continuidade da tragédia que assola o país, com consequências mais nefastas do que no primeiro mandato. Fortalecido Bolsonaro, teremos um governo assumidamente fascista.

    II

    Lula, porém, poderá derrotar Bolsonaro no segundo turno. Se isso acontecer, não será apenas com os votos do eleitorado de esquerda e centro-esquerda. Lula terá de receber votos de eleitores que não simpatizam com a esquerda, com o PT e com ele, mas que não querem a reeleição de Bolsonaro. 

    É uma equação simples: caso o segundo turno seja mesmo entre Lula e Bolsonaro, os eleitores que não são nem de esquerda nem de extrema-direita — e que não constituem um corpo homogêneo — irão optar entre um deles, ou anular o voto, votar em branco ou se abster. Como foi em 2018.

    Logo, tanto Lula quanto Bolsonaro, se o segundo turno for entre eles, terão o mesmo problema: ganhar o voto do eleitor que não se alinha automaticamente com ambos e não votou neles no primeiro turno. Nenhum dos dois ganhará todos os votos que tiverem sido dados a outros candidatos no primeiro turno, mas terão de esforçar para chegar a pelo menos 50,01% dos votos válidos.

    Provavelmente haverá, no primeiro turno, eleitores de esquerda e de centro-esquerda que não votarão em Lula — a não ser que ele consiga formar a frente progressista que hoje ainda parece improvável. Esses deverão ser votos certos para Lula no segundo turno, mesmo que candidatos derrotados resolvam se omitir e viajar para Paris. 

    O problema será ganhar os votos dos eleitores que também não terão votado em Lula no primeiro turno e se situam no campo da centro-direita e mesmo da direita, com posições sociais conservadoras e liberais na economia, mas também com valores democráticos e desgostosos com Bolsonaro, por algum motivo. São, basicamente, os eleitores que em 2018 optaram pelo capitão, anularam ou votaram em branco.

    Lula e o PT não poderão esperar o segundo turno para ganhar esses votos. Os sinais de que podem representar uma alternativa de governo pós-bolsonarismo têm de ser dados desde agora, pela postura, pelo discurso e pelo programa de governo que apresentarem. Hoje, Lula começou a fazer isso.

    III

    Como parece impossível que a “frente ampla” que poderá eleger Lula no segundo turno seja formada desde agora, o programa que será apresentado no primeiro turno terá certamente um conteúdo de centro-esquerda, com posições que não agradam ao eleitorado da direita não bolsonarista. Terá de mostrar a identidade do PT e dos partidos que poderão estar com ele coligados. 

    O programa não poderá, porém, ser radicalmente de esquerda. É preciso entender o momento em que vivemos e, sobretudo, o que mostra uma análise realista do cenário: o PT e a esquerda não conseguirão ganhar a eleição sozinhos e, se isso acontecer por alguma razão que hoje não se vislumbra, não conseguirão governar sozinhos. Além disso, quem deu o golpe parlamentar em 2016 não simpatiza com a volta do PT ao poder.

    O programa de governo, pois, tem de refletir essa realidade. Não vivemos uma situação pré-revolucionária, a revolução social não está no horizonte e o socialismo não bate às nossas portas. É mais realista, com a derrota de Bolsonaro, pensar em um governo democrático e voltado para a busca do desenvolvimento em todos os campos, da justiça social e da superação das desigualdades sociais e regionais, e de uma política externa independente. 

    O discurso e as posturas de Lula e do PT têm também, desde agora, de serem coerentes com essa realidade. Isso significa deixar de lado a pretensão de serem os donos da verdade, assim como os comportamentos sectários e hostis diante dos que divergem e as atitudes isolacionistas. Lula deve se inspirar no espírito democrático e pacificador de Mandela e de Mujica, não no radicalismo de Maduro e Cristina, que atuam em realidades bem distintas da nossa.

    Isso criará as condições para que, no segundo turno, Lula consiga constituir com os partidos derrotados no primeiro turno uma frente ampla em torno de sua candidatura e de um programa comum a ser negociado com transparência, e assim conquistar eleitores que garantam a maioria absoluta e a vitória.

    IV

    Essa frente ampla no segundo turno é importante não só para ganhar a eleição, mas para garantir a vitória diante da previsível reação de Bolsonaro à derrota. Porque não deve haver nenhuma dúvida de que, derrotado, Bolsonaro irá alegar fraude e mobilizar seus seguidores para se manter na presidência. São inúmeros os sinais que ele tem dado de que fará isso e tentará repetir o que Trump tentou e não conseguiu.

    A estratégia dos bolsonaristas é clara: colocar na rua seus seguidores, protegidos por milicianos armados e pelas polícias militares, para confrontar violentamente a oposição vitoriosa. Provocadores realizarão saques e depredações e irão apresentá-los como ações da esquerda radical. Não se pode descartar atos violentos e, naturalmente, o cerco ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal.

    Bolsonaro, derrotado, e especialmente se for por Lula, irá incentivar o caos, como é se sua natureza, para dele emergir com mais poderes, como sempre quis. Ameaçará com o “perigo” do comunismo e do anticristianismo. Ele acredita que em um ambiente de quase guerra civil as forças armadas terão de agir, naturalmente a seu favor e para impedir a volta de Lula e do PT. Afinal, ainda será o comandante-em-chefe e tem cuidado muito bem de trazer para seu lado os generais, oficiais e praças.

    Só um amplo respaldo da sociedade e das instituições democráticas do Estado e da sociedade civil ao resultado das eleições poderá neutralizar esse anunciado movimento de Bolsonaro. O PT e Lula terão de trabalhar para ter esse apoio. Uma eventual e difícil vitória sem respaldo desses setores poderá colocá-los no campo desse novo golpe. E a esquerda será, então, literalmente esmagada. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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