A ética da verdade X A mentira editada
Nas empresas da mídia corporativa afilhadas a uma narrativa interessada, apesar do discurso dissimulado de isenção, é recorrente a maliciosa edição das matérias
É um desafio enorme compreender a motivação de um contingente expressivo de pessoas que insiste no culto reverenciador a políticos da extrema direita fascista ou à direita usurpadora dos recursos públicos, ainda que estes não representem suas necessidades e, sim, os seus próprios interesses.
No sábado passado fomos surpreendidos com o anúncio de uma prisão inédita no país de um general quatro estrelas, Walter Braga Neto, pela Política Federal. Esta notícia movimentou o país e absorveu integralmente o tempo de transmissões, tanto da mídia corporativa, como dos canais do jornalismo profissional independente, veiculados pelo Youtube. No entanto, a despeito do que veio à tona, desde as divulgações sobre a tentativa de golpe ao Estado de Direito, mediado por provas irrefutáveis, nada modifica a insanidade coletiva dessas mentes confusas e intrigantemente justificadoras dos horrores planejados, inclusive de assassinatos do Presidente, de seu Vice e do Ministro Alexandre de Moraes. Parecem viver num mundo paralelo. Essas pessoas de todos os níveis de formação, desde os mais incipientes até os mais graduados levantam argumentos que aparentemente lhes convencem de que estão certos. Não conseguem discernir entre a fantasia e a verdade.
Nesse horizonte paralelo para alguns alienados da realidade temos, do outro lado, personagens com plena consciência da realidade pertencentes à elite financeira e ao meio político rasteiro. Estes defendem o indefensável por absoluto interesse. Seus propósitos destinam-se exclusivamente a espoliar os recursos públicos, a amealhar super vantagens no mercado financeiro. O modus operandi desse grupo nefasto acaba contribuindo, sobremaneira, no aumento dos índices de desigualdade social, mazela escorchante que marca a sociedade brasileira, desde sempre. É incontestável que esse modo de fazer política rastejante e a incomensurável ganância da elite financeira ditam, indubitavelmente, os rumos do país. Compostas pela extrema direita fascista, movida pela barbárie tresloucada bolsonarista e pelas conveniências da direita clientelista em conluio servil com classe dominante, eles perpetuam as barreiras que impedem aos governos progressistas mudar, de modo sustentável, as condições materiais de existência da maioria do povo que vive à margem de uma vida razoavelmente digna.
Cumpre ressaltar que tanto os detentores do poder político no congresso nacional, majoritariamente em mãos da extrema direita e do centrão fisiologista, como os do staff financeiro utilizam como um dos meios de dominação, a comunicação. Nesta materialidade, os veículos da grande mídia, patrocinados pela elite soberba, enterram habilmente qualquer saída reflexiva e avaliativa da realidade, que não seja pela lente invertida dos fatos. Os mais vulneráveis, ou os que já fixaram suas opiniões a partir de uma sistematizada desinformação ou interpretação falsificada do real sucumbem às versões enviesadas. Recentemente foi assim no indevido impeachment da Presidenta Dilma, na prisão sem o devido processo legal do Presidente Lula vítima de lawfare, foi assim na fabricação de um herói pífio pela rede globo, o ex juiz parcial Moro, mas que servia como instrumento pseudo legalizado para afastar a eleição de um projeto progressista de governo, que certamente venceria as eleições de 2018.
A propósito desse jogo da grande mídia, o filósofo Antonio Gramsci acentuou em seus escritos, durante sua prisão pelo regime fascista italiano, ser a comunicação um dos caminhos ideológicos de dominação pelos detentores do poderio econômico, nesse sentido constitui “a organização material voltada para manter, defender e desenvolver a frente teórica ou ideológica” (Gramisci, Antonio - Cadernos do Cárcere - Os Intelectuais. O Princípio Educativo. Jornalismo, v. 2, Civilização Brasileira, 2000, p. 78).
Nas empresas da mídia corporativa afilhadas a uma narrativa interessada, apesar do discurso dissimulado de isenção, é recorrente a edição maliciosa das matérias que produzem de acordo com o que pretendem comunicar.
Para Dênis Morais, “do ponto de vista das corporações midiáticas, trata-se de regular a opinião social através de critérios exclusivos de agendamento dos temas que merecem ênfase, incorporação, esvaziamento ou extinção. O ponto nodal é transmitir conteúdos que ajudem a organizar e a unificar a opinião pública em torno de princípios e medidas de valor”. (Dênis Moares - Comunicação, hegemonia e contra hegemonia: a contribuição teórica de Gramsci – Revista debates, UFRGS, v.4, 2010, p.66).
Na entrevista realizada pela jornalista Sônia Bridi da Rede Globo com o presidente Lula, após ele ter recebido alta do Hospital Sírio Libanês, ficou nítida a intenção da matéria maliciosamente editada. A emissora do plim plim ao divulga-la no Programa Fantástico intercalou as falas do presidente com outros textos e imagens em afronta ao que ele sustentava durante a entrevista, além de omitir partes essenciais da fala do Presidente que certamente teriam impacto positivo na opinião pública. Estas complementações foram divulgados dias após pelos canais progressistas por meio da gravação integral da entrevista realizada pelo assessor do Presidente, Ricardo Stuckert.
A intenção do canal corporativo foi de contestar a fala de Lula ao dizer que não teve o direito à presunção de inocência no decorrer do processo que lhe condenou à prisão. É fato que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu ser o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar Lula. Com essa decisão todas as acusações contra o presidente foram anuladas. É fato inquestionável a parcialidade de Moro e o cerceamento de defesa de Lula. Esses desvios vieram à tona no vazamento de áudios denunciadores das manipulações empreendidas pelo ex Juiz em combinação com os membros do Ministério Público, por meio de um acintoso indevido processo legal. Foi uma vergonha inconteste para a justiça e para os profissionais do direito conviver com as graves rupturas no ordenamento jurídico.
Para o povo que não tem tempo para se debruçar em análises acuradas, pois na segunda-feira pós o fatídico entretenimento barato da rede globo tem de levantar muito cedo, bem antes do sol nascer para tratar de sua subsistência e nessa pressa da vida acaba comprando as mentiras, minuciosamente montadas, numa entrevista que poderia dar voz e vez à ética da verdade em vez sonegá-la ao sabor de seus espúrios interesses. Repito o que referi num dos artigos que escrevi neste site: nem sempre é, se lhe parece. Ao assistirmos a mídia hegemônica temos que pensar nessa frase, quase um mantra para nos defender dessas malditas armações.
O ódio plantado e alimentado pela mídia sensacionalista de baixo nível, durante o governo insano que falava em Deus, pátria e família e agia de modo oposto ao sucumbir vidas pelo negacionismo da ciência e ao debochar dos que agonizavam na pandemia, deixou um legado assustador. Nesta semana uma idosa de 77 anos, movida por esse sentimento de ódio que inibe qualquer possibilidade de humanidade, manifestou um gesto deplorável ao portar uma fúnebre coroa de flores endereçada à residência do Presidente da República, que se recuperava pós tratamento de saúde. Além dessa façanha macabra, essa senhora insultou um policial que fazia a segurança do presidente, chamando-o de macaco numa expressão abominável de injúria racial.
Nesse horizonte obscuro, temos parte da sociedade adoecida pela intolerância, pelo rancor racionalmente injustificado que a fez escolher para representá-la no congresso, políticos que vociferam ódio, retrocessos nos direitos, que chantageiam para aprovar qualquer matéria oriunda do executivo, como a recente aprovação do ajuste fiscal realizado à véspera do recesso parlamentar.
Por fim, é imprescindível ressaltar o que disse o Gabriel José García Márquez sobre ética e comunicação, célebre escritor colombiano laureado com o Nobel de Literatura: “A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”.
Em direção oposta é triste constatar que a mídia corporativa brasileira está longe da ética da verdade por estar implicada, sem limites, com a mentira editada. Neste contexto, quem sofre é o povo deixado à margem do real.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: