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    Scott Ritter

    Ex-inspetor de armas da ONU, ex-oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, autor e analista

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    A eulogia silenciosa

    Continuamos a aperfeiçoar essa arma horrível, sabendo o tempo todo que qualquer uso em larga escala dessas armas sinalizaria a nossa própria passagem

    Reuters (Foto: Reuters)

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    Eu planejava publicar a Parte 2 do meu artigo sobre Alexei Navalny.

    No entanto, hoje Alexei Navalny já foi sepultado em um serviço fúnebre em Moscou, ao qual comparecem alguns milhares de pessoas bem-intencionadas e apoiadores.

    Minha esposa sempre me alertou para não falar mal dos mortos.

    Especialmente quando os seus restos mortais estão sendo devolvidos à terra.

    Em vez disso, sou compelido a escrever sobre outra coisa.

    É o funeral que nunca será realizado.

    O obituário que nunca será lido.

    A eulogia que nunca será proferida.

    De quem é a passagem que eu lamento?

    A minha.

    Minha família.

    Meus amigos.

    Meus compatriotas estadunidenses.

    A humanidade.

    O mecanismo das nossas mortes só será revelado tarde demais, muito provavelmente em um clarão cegante de luz que nos levará aos nossos joelhos, aguardando a onda de choque que precede o calor insuportável que transformará nossa carne e ossos, instantaneamente, em cinzas.

    Não podemos alegar que não fomos avisados de nossa iminente ruína - desde que Robert Oppenheimer se proclamou "A Morte, o destruidor de mundos", sabemos que possuíamos o mecanismo de nossa própria destruição, e ainda assim nada fizemos para remover esse perigo de nossas vidas.

    Em vez disso, continuamos a aperfeiçoar essa arma horrível, elaborando ogivas ainda mais letais e sistemas de entrega mais eficientes para entregá-las aos nossos inimigos, sabendo o tempo todo que qualquer uso em larga escala dessas armas sinalizaria a nossa própria passagem.

    Por um momento demasiado breve, a insanidade do curso que havíamos traçado tornou-se aparente, e tentamos repôr o gênio na garrafa, para reverter o curso, para nos salvar e aos nossos semelhantes.

    Mas a arrogância interveio, e quando a fonte de nossa angústia nuclear - a União Soviética - desapareceu nas páginas da história, buscamos alavancar nosso novo status de hegemon global armado nuclearmente, proclamando o fim da história, nos promovendo e ao nosso sistema político, através de um exercício intelectual que teria feito Darwin orgulhoso, na mais alta expressão do desenvolvimento humano.

    Mas, num piscar de olhos esse momento se foi, evaporado juntamente com as construções da nossa existência capitalista, enquanto cantos remotos do globo resistiam à nossa arrogante auto-coroação.

    Buscamos conquistar um mundo que não tolerava mais ser conquistado, dominar pessoas que se recusavam a se curvar, enquanto nos protegíamos da realidade de nosso poder atrofiado, nos escondendo atrás de um arsenal nuclear envelhecido, no qual nos enganamos acreditando ser supremo.

    Em nossa arrogância, nos divorciamos dos processos de controle de armas que costumávamos usar para garantir a nossa sobrevivência.

    Retiramo-nos do tratado de mísseis antibalísticos que deu vida ao valor de dissuasão da destruição mútua assegurada, acreditando que a única destruição que deveria ser assegurada era a de nossos inimigos, reais e imaginários.

    Retiramo-nos do tratado de forças nucleares intermediárias, esquecendo que a razão pela qual o celebramos foi para remover uma das armas mais desestabilizadoras da Europa, numa tentativa de garantir a paz.

    Em vez disso, buscamos reintroduzir essas armas desestabilizadoras, seguros em nossa crença errônea de que nossos inimigos não seriam capazes de igualar o nosso poderio militar.

    E negociamos de má-fé uma série de tratados de redução de armas estratégicas, buscando obter vantagens estratégicas, quando deveríamos estar buscando a estabilidade estratégica.

    O alvo de nossa arrogância, a Rússia e seu líder, Vladimir Putin, tentaram em vão nos dissuadir do caminho que estávamos seguindo.

    Em 2007, falando na Conferência de Segurança de Munique, Putin alertou que os Estados Unidos "ultrapassaram suas fronteiras nacionais de todas as maneiras. Isso é visível nas políticas econômicas, políticas, culturais e educacionais que impõem a outras nações. Bem, quem gosta disso? Quem fica feliz com isso?"

    Como resultado, Putin advertiu: "Ninguém se sente seguro. Quero enfatizar isso - ninguém se sente seguro! Porque ninguém pode sentir que a lei internacional é como um muro de pedra que os protegerá. Claro, tal política estimula uma corrida armamentista."

    Nós [os EUA] o ignoramos.

    Em vez disso, convencemos os nossos parceiros europeus dos perigos ilusórios de uma Rússia "expansiva", ao mesmo tempo que minimizamos os perigos reais de um arsenal nuclear russo à beira do renascimento - tudo o que se fazia necessário era um empurrão na direção certa, o qual estávamos mais do que felizes dar, ignorando as preocupações russas com a defesa de mísseis.

    Em 2018, as galinhas nucleares voltaram para casa para dormir.

    Citando nosso desrespeito pelas formalidades do controle de armas, Vladimir Putin anunciou que a Rússia estava desenvolvendo uma nova geração de armas nucleares, capazes de superar qualquer defesa que os Estados Unidos estivessem preparando para implantar. "Vocês não escutaram o nosso país naquela época," disse Putin, referindo-se a seus alertas passados sobre os perigos de uma corrida armamentista. "Escutem-nos agora."

    Nós [os EUA] não escutamos.

    Em vez disso, trabalhamos nossos aliados europeus em um frenesi, incitando as chamas do conflito com exageros, tanto da ameaça representada pela Rússia, quanto da capacidade da Europa - através da OTAN - de derrotar essa ameaça - especialmente se o veículo para levar a Rússia aos joelhos fosse um conflito por procuração na Ucrânia.

    "Houve conversas sobre a possibilidade de enviar contingentes militares da OTAN para a Ucrânia," observou o líder russo em um discurso entregue ao parlamento russo na quinta-feira passada. "Mas nós lembramos o destino daqueles que uma vez enviaram seus contingentes para o território de nosso país. Mas agora as consequências para possíveis intervencionistas serão muito mais trágicas. Eles devem perceber que também temos armas que podem atingir alvos em seu território. Tudo isso realmente ameaça ser um conflito com o uso de armas nucleares e a destruição da civilização. Eles não entendem isso?"

    Aparentemente, eles não entendem.

    Então aqui está o experimento estadunidense.

    Nascido em 4 de julho de 1776.

    Morreu... nunca saberemos.

    Uma união imperfeita, ela se esforçou para ser melhor, lutando numa revolução para se libertar da tirania da coroa britânica, enquanto preservava a escravidão como uma instituição constitucionalmente aprovada.

    Os EUA lutaram uma sangrenta Guerra Civil para acabar com o mal da escravidão e preservar a União, ao mesmo tempo em que implementavam o seu auto-proclamado "destino manifesto" dado por Deus, que levou quase à extinção os povos indígenas que povoavam o continente que conquistamos.

    Viemos em auxílio da Europa não uma, mas duas vezes, ao longo de um século, ajudando a derrotar as forças do fascismo e do imperialismo, antes de nos tornarmos fascistas em nossas políticas domésticas que apoiavam nossas políticas imperiais estrangeiras.

    “America”, a bela.

    Deus derramou a sua graça sobre Vós.

    Esta é a eulogia que jamais poderei entregar, porque, como o resto de vocês, estou fadado a morrer em um holocausto nuclear de nossa própria criação.

    Embarcamos em uma jornada coletiva cujo único destino é a morte e a destruição.

    Ignoramos, com o nosso próprio risco, os esforços daqueles, em casa e no exterior, que tentaram nos fazer encontrar uma saída.

    Eu gostaria que o epitáfio em minha lápide dissesse: "Aqui jaz um guerreiro da paz, que dedicou sua vida à causa de tornar o mundo um lugar mais seguro para se viver."

    Infelizmente, eu, como todos vocês que estão lendo isso, estou condenado a morrer em uma guerra que poderia ter sido evitada, se apenas tentássemos um pouco mais para evitá-la.

    A vergonha é que, naquele momento, em que a inevitabilidade de nossa passagem bater em nossas casas, no milissegundo que se seguirá ao clarão de luz e à compreensão do que isso significa, todos nós pensaremos "Se eu tivesse apenas...".

    Mas será tarde demais porque não o fizemos.

    Permitimos que o complexo militar-industrial sobre o qual o presidente Dwight Eisenhower nos advertiu se manifestasse.

    Permanecemos indiferentes à realidade de sua pervasividade, mesmo quando nosso próprio governo nos informava que a razão para seguir nosso caminho suicida de destruição com a Rússia na Ucrânia era para que a nossa indústria de defesa pudesse lucrar.

    Mas não há lucro na morte.

    Descanse em paz, “América”.

    E que Deus amaldiçoe a todos nós no inferno, por destruirmos aquilo que Ele nos legou.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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