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    Valéria Dallegrave

    Jornalista, escritora e dramaturga

    35 artigos

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    A fake news de um ano novo

    Em curtos e pontuais momentos de minha vida a matemática me pareceu interessante, como quando aprendi, nas equações de primeiro grau, que os números mudavam de sinal ao ir para o outro lado da igualdade. Hoje entendo que foi devido à narrativa proposta pela professora, em que passar para o outro lado da igualdade era “pular a cerquinha”. Até lembro de estar em frente ao quadro negro explicando a situação do pulo da cerca aos colegas de aula... 

    Confesso, então, não gosto muito de números, é um preconceito que se enraizou em mim, e não posso mais negá-lo. Daí que a mudança de números na convenção que determina o ano em que vivemos sempre me pareceu motivo ridículo para tanta festa. Um subterfúgio para vender (e comprar) ilusões. A essa convicção somou-se a experiência frustrante dos últimos anos, em que esperei que o ano seguinte trouxesse algo melhor (seguindo a tradição). E tivemos o golpe contra a democracia, a prisão de Lula, as fake news, um judiciário acovardado, a eleição de diversos canalhas, Bolsonaro e o coronavírus. Lembram quando a gente saiu às ruas para gritar “ele não” e muitos nos acusaram de estar restringindo a liberdade de quem queria “ele sim”!?

    Por isso, com todo respeito ao direito de cada um de se iludir, não me venham com essa balela de feliz ano novo. Aliás, o que é felicidade? Alguém aí já conseguiu alcançá-la? Bem, filósofos tentam conceituá-la em longos debates, mas o certo é que ela é o elemento mais utilizado pela propaganda para vender todo e qualquer produto. Beba tal cerveja com amigos e seja feliz. Compre margarina e tenha uma família feliz. Compre o carro dos seus sonhos e viaje para a felicidade! 

    Mais uma vez, assumo ser estraga-prazeres. Não preciso citar nenhum filósofo para dizer: A propaganda mente. Você trabalha em dobro, compra o que lhe venderam como felicidade, tem um contentamento passageiro e continua com um vazio enorme - e talvez uma úlcera, um problema na coluna, um stress crônico, um relacionamento destruído, filhos com os quais não consegue conversar. Se tiver o privilégio de não precisar se matar de trabalhar para comprar suas “felicidades instantâneas”, vai conseguir menos desgaste físico e um vazio a cada dia maior.

    Nessa estrutura (ou, se preferirem, sistema) que nos oferece uma felicidade fake, a comemoração do ano novo é a principal festa de alienação. Sabem por quê? Por que colocar no ano a responsabilidade por nos trazer um futuro melhor é nos eximir de responsabilidade pelo que virá. 

    Enquanto não assumirmos completamente a responsabilidade pela nossa vida, pelo nosso país, pelo nosso mundo, nada vai mudar. A humanidade faz mais e mais descobertas científicas e tecnológicas, mas continua destruindo sua casa, o planeta Terra, e nada faz para impedir que muitas crianças morram de fome, violência, frio e medo. Os refugiados, como a família de Jesus, na maior parte das vezes não encontram um verdadeiro refúgio, um abrigo. A mudança no destino da humanidade não é questão de evolução tecnológica, é de perceber que somos responsáveis pelo mundo em que vivemos. De compreender que, para ser feliz, é preciso preservar a natureza, o planeta,  a vida e a saúde de todos. Como ser feliz se ao seu lado há miséria e abandono? Talvez seja isso que o coronavírus veio nos dizer: enquanto um estiver doente, todos estão em perigo...

    É questão de perceber que não podemos sair por aí ignorando que estamos destruindo florestas, poluindo o ar e os oceanos, provocando a morte de animais – e tornando propício o surgimento de novos vírus. De compreender a importância de seguir os procedimentos de contenção da disseminação do coronavírus, pois não são apenas nossas vidas em risco, mas as de todos. Exigir de cada indivíduo essa responsabilidade, ou a de tomar alguma das diversas vacinas que em breve estarão disponíveis pelo mundo, não será restringir a liberdade de alguém, mas sim  dar a muitos a liberdade de permanecer vivo! É o imperativo de impedir assassinatos. Um franco-atirador (que pelo menos tem mais consciência do que faz) pode reclamar da restrição de sua liberdade em usar as pessoas como alvo!? A liberdade de qualquer ação, na vida em sociedade, está intrinsecamente ligada ao respeito pelos direitos dos outros. E que tal o direito à vida, é pouca coisa!? 

    A ideia de que a cobrança de um comprovante de vacina para a retomada do convívio social (a tal “obrigatoriedade”) seja uma restrição de liberdade é uma distorção de argumentação que dissimula a liberdade de matar (mesmo que inconscientemente). Quem não quiser tomar vacinas, que não tome, e não saia às ruas para agir como mensageiro da morte. É simples assim. Eu quero o direito de sair às ruas sem o risco de ser contaminada por quem pense que vírus são como fantasmas, e só irão aparecer para quem acreditar neles!

    Enfim, considerando a virada do ano como a festa das festas da inconsciência, da falta de noção e responsabilidade, em que é tradição beber, fazer promessas que não serão cumpridas, e estourar fogos que causam traumas e mortes em animais, eu prefiro esperar por 2021 de forma reservada, fazendo um esforço para preservar minha paz interior e manter a consciência de que farei todo o possível para que o futuro traga mais amor que ódio, mais vida que morte, mais solidariedade que indiferença. 

    Para quem está comigo nessa determinação de contribuir para o surgimento de um país e um mundo melhor, um brinde. A festa a gente faz quando tirarmos do poder aquele que serve como exemplo a tanta gente no Brasil para as mentiras, impunidade, corrupção, machismo, misoginia, homofobia, egoísmo, irresponsabilidade e descaso com a vida alheia. #FORABOLSONARO

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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