A Folha tortura os fatos para ver rombo onde o que existe é investimento eficiente das estatais

Podem parecer injunçōes históricas separadas, resultantes de quadras históricas distantes no tempo, mas não são. O fato de que a Folha tenha não apenas participado da conspiração do golpe militar como louvado com entusiasmo em editoriais de capa e manchetes de louvor à ditadura então nascente plasmou muito do caráter desse jornal.

Foi, porém, o envolvimento do grupo Folha com graves violações de direitos humanos, cedendo seus veículos para torturadores da Operação Bandeirantes e o DOI-CODI, enquanto abrigava agentes da repressão na direção e na equipe de um de seus veiculos, o rito de passagem que fundou o caráter mais profundo do jornal, com o qual ele lida ao longo de toda a sua história até os dias de hoje.

Tenta negar, por diversos expedientes, e se afastar daquela cena de origem sangrenta, plasmada na deformação da história e dos corpos, mas recai obsessivamente. Assim gestado, o jornalismo da Folha vai sendo atualizado como seu oposto.

A mais recente dessas reincidências multiformes veio na figura do relato de estaria havendo um "rombo das estatais" no governo Lula.

Reportagem publicada neste sábado, 28 de dezembro, afirma que as 43 estatais federais registraram, entre outubro de 2023 e o mesmo mês de 2024, o maior déficit dos últimos 15 anos: 5,1 bilhões de reais.

O texto, sensacionalista no uso da expressão "rombo", comete erros básicos de técnica e de jornalística. Despreza o exame das evidências empíricas em pelo menos duas ocasiões: 

1.⁠ ⁠Para não matizar o aspecto chocante da notícia, omite o fato de que no "rombo" estão incluídos recursos que na verdade são investimento.

2.⁠ ⁠Expurga do "cálculo" lucros espetaculares de grandes estatais e dos bancos públicos, sob a evasiva de que eles distorcem o resultado.

O melhor jornalismo toma por princípios o respeito aos fatos, que devem ser examinados com exatidão e inteireza. O jornalista e o jornal devem aprofundar-se, procurar as características específicas do fato, para desvendar as forças e os processos que o engendram. Neste caso específico, a observância da boa regra jornalística mostraria que o problema inexiste, o vício é na verdade uma virtude do governo Lula, que busca pelo investimento estatal induzir a economia. 

Uma investigação sem pré-julgamentos talvez revelasse eficiências de gestão oriundas de estatais brasileiras, sempre tão estigmatizadas a priori. Mas pode alguma alma sincera contar que a Folha, com sua obsessão multivariada por rombos, veja alguma virtude no governo Lula, ainda mais advinda de estatais?

O jornalismo sucumbe nesse ambiente em que se reduz a arma rasteira de um panfleto político reacionário. Como disse acima, a Folha criou inúmeras iniciativas aparentemente modernizadoras de seu jornalismo. O chamado Projeto Folha, retomando princípios clássicos consagrados da técnica e da ética incluiu a criação do ombudsman, uma voz crítica dos procedimentos do veículo. Fui um deles. Vários livros foram publicados sob a égide do próprio jornal. 

Na ausência de uma autocrítica histórica diante da verdade, memória e sem a reparação devida pela sua participação em  graves violações de direitos humanos, inclusive contra algumas vitimas que eram seus próprios jornalistas, a Folha seguirá maquiando sua imagem culpada enquanto retorna à cena da tortura, desta vez contra o jornalismo.