A força do BRICS na construção do mundo multipolar
"Na geopolítica mundial, o BRICS se estrutura como força política, econômica, social e cultural, fundamental para a multipolaridade", escreve José Guimarães
A realização da Cúpula do BRICS em Kanza, na Rússia, foi o mais avançado passo dos países membros no sentido da construção da nova ordem multipolar, da consolidação da agenda soberana e democrática, de desenvolvimento econômico sustentável com justiça social e ambiental, na geopolítica global.
O BRICS que foi a Kanza ganhou força no vácuo da exaustão do modelo neoliberal, culminada na crise do Subprime, em 2008, nos Estados Unidos, que levou junto as ideias do “Consenso de Washington”.
Crise de um modelo que deixou como herança o aumento dramático da desigualdade com hiperconcentração da riqueza, da pobreza extrema, da fome, da degradação ambiental acelerada e os efeitos devastadores dos fenômenos climáticos severos.
O saldo das contas bancárias e o patrimônio de poucos se multiplicaram exponencialmente. De acordo com o Global Wealth Report 2024, do UBS, 1% da população mundial ganha 48% do PIB do planeta. Os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza e 52% da renda.
Diante disso e das frequentes crises financeiras internacionais, as nações em desenvolvimento, principais vítimas, reagiram a essa iniquidade. Formaram e fortaleceram o BRICS com uma agenda alternativa ao sistema unipolar dominado pelas nações centrais e institucionalmente articulado com base nos persistentes ditames da Conferência de Breton Woods, em 1944.
Ainda hoje, o dólar domina 70% das transações do comércio mundial. No final do século XX, a globalização provocou uma rearrumação do mundo, inicialmente em blocos comerciais. Nos anos 1990, o Mercado Comum Europeu já era uma realidade em pleno funcionamento até a criação do Euro, em 1991, e do parlamento.
Em 1992, foi criado o Nafta, mercado comum entre Estados Unidos e Canadá. Os Estados Unidos queriam a Alca – Área de Livre Comércio das Américas, formada por um mercado comum envolvendo 34 países latino-americanos, para circulação de mercadorias, desde que os Estados Unidos fossem comercialmente hegemônicos. Mas, com a eleição do presidente Lula, em 2002, a Alca foi vetada e ganhou força o Mercosul.
Os países em desenvolvimento, mais prejudicados pelas frequentes crises financeiras internacionais, decidiram articular o BRIC, grupo de países formado por Brasil Rússia, Índia e China (BRIC). Depois, com a entrada da África do Sul, ganhou o S e se tornou BRICS. Em todo o processo de formação do grupo, o Brasil teve participação destacada com sua política externa ativa e altiva, nos governos Lula e Dilma.
Com o crescimento excepcional da China e de outros países membros, ao longo do tempo, a geopolítica mundial mudou. O BRICS se fortaleceu, composto oficialmente por 11 países-parceiros, com a admissão do Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, podendo chegar a 36, tendo em vista os novos pedidos de nações que querem fazer parte do grupo.
Na 16ª Cúpula de Kanza, ficou demonstrado que a união dos países está ancorada no espírito democrático de cooperação ativa, nas características socioeconômicas, no crescimento econômico extraordinário dos países-membro plenos, desde sua primeira reunião, em 2006, e na necessidade de reduzir os fluxos financeiros dos países em desenvolvimento para as nações centrais, intensificados com a aceleração da comunicação entre mercados via internet.
Na geopolítica mundial, o BRICS se estrutura como força política, econômica, social e cultural, fundamental para a multipolaridade democrática. O conjunto de países membros do BRICS reúne uma população de 3,6 bilhões de habitantes com franco crescimento da mobilidade social. Representa 36% do PIB global, mais que os membros do G-7, grupo das maiores economias do mundo, e com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.
O PIB da China chegou a cerca de US$ 34 trilhões; Índia, US$ 14,5 trilhões; Rússia, US$ 6,5 trilhões; e o Brasil, US$ 4,5 trilhões. As exportações brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023 e um terço das importações brasileiras são de países do BRICS.
Uma das medidas estratégicas na construção do BRICS, que representa um dos maiores avanços, foi o acordo firmado de integração dos bancos centrais e dos ministérios da Fazenda e Economia de cada país, que passaram a ser responsáveis por realizar estudos em busca da adoção de uma moeda de referência do bloco para o comércio internacional. Essa medida foi defendida pelo Brasil, para ampliar as opções de pagamento e reduzir vulnerabilidades dos países membros.
Com a criação do Mecanismo de Cooperação Interbancária, os bancos nacionais de desenvolvimento estabelecem linhas de crédito em moedas locais, a fim de reduzir os custos de transação de pequenas e médias empresas. Com essas medidas, os países do bloco dependerão menos do dólar nas transações comerciais e de organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Na reunião, ficou acordada também uma proposta de reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento, para financiamento das economias emergentes. O Banco do BRICS já conta com uma carteira de quase 100 projetos, com financiamentos da ordem de US$ 33 bilhões.
Em seu discurso perante os chefes de Estado, por meio de videoconferência, o Presidente Lula reafirmou seu apoio à consolidação do BRICS, deu boas-vindas aos novos membros, defendeu a paz, não poupou críticas aos países envolvidos em guerras: a de Israel-Palestina, que se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano, e de Ucrânia-Rússia, conflitos que precisam ser resolvidos numa mesa de negociação, e que a ONU não toma providências cabíveis.
O Presidente Lula anunciou o lema da presidência brasileira, que será exercida a partir de janeiro de 2025: "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Ao apresentar os principais pontos da proposta de agenda que será debatida no grupo sob a presidência do Brasil, ele colocou, em primeiro lugar, defender a vocação do BRICS por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países; defendeu a reforma da ONU e a governança global, com prioridade para o Conselho de Segurança e os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento; taxação dos super-ricos como forma de redução da desigualdade; e medidas emergenciais para o enfrentamento das mudanças climáticas. Disse o Presidente Lula, que “... é preciso ir além dos US$ 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos”, se referindo ao descumprimento do acordo de Paris pelas nações centrais; reforçou o convite para que os países parceiros do BRICS participem da COP 30, que será realizada em Belém-PA, onde serão debatidos os fenômenos decorrentes das mudanças climáticas e a tomada de medidas a serem adotadas por todos os países do mundo; criticou a imposição de "apartheids" no acesso a vacinas e medicamentos, como o que ocorreu na pandemia e que pode ocorrer no desenvolvimento da Inteligência Artificial, com riscos evidentes de tornar-se privilégio de poucos. O Presidente Lula disse que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões - iniciativa, que nasceu no G20 – e que deve ser uma das prioridades da agenda do BRICS sob a presidência do Brasil.
A Carta de Kanza, documento final da 16ª Cúpula do BRICS, reafirmou seu compromisso com a aliança dos países do Sul Global, pela construção do mundo multipolar, no qual os países em desenvolvimento tenham voz, oportunidades, possam expandir mercados emergentes a fim de garantir benefícios coletivos. “Nós apelamos à reforma das instituições de Bretton Woods, incluindo a expansão da representação de países em desenvolvimento e de estados emergentes em posições de liderança para refletir sua contribuição para a economia global”, diz o documento.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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