A gênese da barbárie
Devemos investigar como a extrema direita explora a condição humana a ponto de engajá-la por meio de um vínculo erótico
Talvez o filme "Dias perfeitos" de Wim Wenders nos ajude a refletir a liquidez das relações afetivas, falta de consistência nos debates, ausência dos marcos teóricos, paradigmas como referência de construção do pensamento e orientação para a vida ética, justa.
Quando começa o esgarçamento da textura existêncial?
Várias obras podem nos ajudar a formular uma resposta: A sociedade do espetáculo, A cultura do narcisismo, O declinio do homem público, A era do vazio, além das obras de Sygmunt Bauman que inícia-se com "O mal-estar da pós-modernidade". Freud já havia profetizado em seu famoso "O mal-estar na civilização". Muitos tentaram nos alertar para a desqualificação do pensamento como estratégia ao recrudescimento do fascismo, totalitarismo.
Como abordar a questão de forma ampla, investigando a construção do desejo contemporâneo em divulgar ódio, destruir pessoas e governos por meio de mentiras?
O filme de Wim Wenders é um manifesto à contemplação, à tudo que falta em nosso cotidiano - dedicarmos às miudezas da vida. O protagonista se interessa pelos detalhes da natureza, se delicia em ser bom, em gastar sua paciência com os outros, esmerando-se em seu trabalho. Lavar os banheiros públicos de Tóquio tornou-se um ritual quase libinal, prazeroso, erótico. Lembramos que Eros é o Deus do amor.
Aqui reside a questão, o que move as pessoas é de natureza libidinal, contudo devemos investigar como a extrema direita explora a condição humana a ponto de engajá-la por meio de um vínculo erótico.
As pessoas sentem prazer em seguir os ditames do "Brasil pararelo", projeto fascista que enebria seus fiéis proporcionando uma satisfação "quase espiritual" por meio de suas redes fakes - algo escapa ao racional.
A interação nas redes sociais dissemina fake news e alimenta o ego dos participantes ao estabelecer uma relação de identificação que produz satisfação - sentem prazer em divulgar as palavras de ordem antidemocráticas, mesmo sem sentido, inverdades.
Ao, por meio de métodos, criar uma conexão de natureza libidinal, vínculo erótico, fundam-se as condições para um assujeitamento irracional. Quando crescemos numa cultura de consumo vazio, relações interpessoais líquidas, desconectadas com a natureza, o laço social se fortalece por meio de uma hipnose às técnicas de sugestão. A verdade está na imagem, no espetáculo distorcendo a realidade.
Ao debatermos a barbárie que domina a vida política e familiar, devemos repensar a educação de nossos filhos. Crianças, ao passarem horas diante de telas, vivem alheias, suspensas. O eu paralisado na realidade virtual não se desenvolve em sua plenitude, denunciando falha na concepção de mundo.
O filme "Dias perfeitos" serve como alerta, o contraponto do que somos - nossa rotina, valores, escolhas. Poucas famílias estão interessadas em ensinar aos filhos o culto à natureza, a importância da responsabilidade nas relações afetivas, o debruçar sobre as tarefas de seu cotidiano - empenho, ética e compromisso.
A saída está na orientação do prazer, na produção do tesão. Onde iremos colocar nossa libido - competição ou colaboração?
Sem colocar o desejo na implantação de novas formas de subjetivação, o combate à barbárie não terá efeito. Nosso desejo há de ter um lugar no projeto social.
Importante ensinar às crianças a conviverem com a falta, a imperfeição do mundo, saber que a insatisfação e a frustração fazem parte da vida. Quase perfeita.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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