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    Tereza Cruvinel

    Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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    A gênese de Moro e a metafísica de Gilmar: o documentário responde

    "Em entrevistas com advogados, procuradores, jornalistas e também com investigados e/ou condenados, o documentário recua aos primeiros anos da atuação de Moro, identificando decisões anteriores à Lava Jato em que ele já violava os ritos e procedimentos legais da magistratura", relata a jornalista Tereza Cruvinel

    Sérgio Moro e Gilmar Mendes (Foto: ABr | STF)

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    Nesta terça-feira a Segunda Turma do STF abriu o caminho para
    a declaração da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e a consequente
    anulação da condenação do ex-presidente Lula, ao validar as provas
    obtidas por sua defesa junto ao acervo da Operação Spoofing. A
    operação investigou o raqueamento das mensagens trocadas entre Moro e procuradores por jovens de Araraquara,  a quem devemos tão precioso
    conhecimento sobre as entranhas da Lava Jato.

    Como sabido, o pontapé foi dado pelo ministro Lewandowski, ao
    autorizar o compartilhamento,  com a defesa de Lula, dos dados já
    obtidos pela PF e o STF. Vale dizer, pelo Estado.  Moro e a PGR
    entraram com recurso para impedir o compartilhamento e foram
    derrotados por 4 votos a 1. Foi do ministro Gilmar Mendes o voto mais
    contundente, certeiro e demolidor contra a Lava Jato. Ele esmiuçou as
    mensagens mais reveladoras do conluio entre o juiz e os procuradores
    para condenar Lula, das muitas violações do devido processo legal e
    até de práticas próprias de regimes totalitários (como a obtenção de
    delações  através de chantagens e até de ameaças de tortura,
    vazamentos seletivos com claros propósitos políticos, gravações e
    quebras ilegais de sigilos e outras tantas).

    Ao final, Gilmar apresentou uma escolha: "Ou estamos diante
    de uma obra ficcional das mais notáveis, e estes hackers de Araraquara
    são um novo Gabriel Garcia Márquez,  ou estamos diante de fatos de tal
    gravidade, cuja avaliação me abstenho de fazer agora".  Sabe ele,
    sabemos nós, que a verdade está na segunda hipótese. Fatos gravíssimos estão sendo revelados, e são graves não apenas porque resultaram na condenação injusta de Lula. Eles atentaram contra a democracia e o Estado de Direito, desacreditaram a Justiça e o Ministério Público e levaram à eleição do presidente mais nefasto que o Brasil já teve.

    Mais cedo, em entrevista ao site Jota, Gilmar confessou-se
    chocado com o teor das mensagens e formulou perguntas metafísicas na primeira pessoa do plural, sabedor ele de que muitos contribuíram para a gênese de Sergio Moro, para o empoderamento dos "bad boys" do
    Ministério Público, o surgimento e a mistificação da Lava Jato, para
    dela tirarem proveito político e econômico.  No voto, Gilmar apontaria
    mais de uma vez a mídia como uma das artífices da farsa que se
    converteu "no maior escândalo judicial da história", como disse ontem
    em artigo no NYT o politólogo Gaspard Estrada, por ele citado (e
    republicado pelo 247).

    Perguntava Gilmar:  “Como pudemos chegar a permitir que isso se
    estruturasse?  Pois quanto mais a gente se aprofunda na leitura… São
    informações desorientadoras. É uma avalanche. A pergunta que me ocorre é:  o que nós fizemos de errado para que, institucionalmente, nós
    produzíssemos isso? Um setor que se desliga por completo, não está
    acoplado a nenhum sistema jurídico funcional, que cria sua própria
    Constituição e que passa a operar segundo seus sentimentos de justiça.
    Eles sabiam que estavam fazendo algo errado mas o fizeram com o
    sentimento de que tudo ficaria encoberto”.

    Para mitigar sua angústia tardia, e compreender parte do que
    tantos fizeram “dee errado" para que a Lava Jato pudesse ter ido tão
    longe,  Gilmar deveria assistir ao documentário “Sergio Moro: a
    Construção de um Juiz acima da Lei", realizado pelos jornalistas Luís
    Nassif, Marcelo Auler, Cintia Alves e Nacho Lemus. Produzido com
    financiamento coletivo obtido no ano passado através da Internet, o
    documentário de 72 minutos foi lançado na noite de segunda-feira, 8, e
    pode ser visto no Youtube, no endereço
    https://www.youtube.com/watch?v=tBc6AnRZfjo&t=1584s .

    No seu voto eloquente, Gilmar apontou mais de uma vez o dedo
    para a mídia, com sua cobertura engajada da Lava Jato, que produziu
    uma das páginas mais deploráveis do jornalismo brasileiro. Ressalvou
    não estar isentando de responsabilidade o STF, o Judiciário e outras
    instâncias do sistema de Justiça (a PGR e o CNJ, entre elas,
    certamente).  O documentário demonstra, entretanto, que houve
    complacência demais para com os métodos de Moro, que muito antes da
    criação da Lava Jato já atuava como um "juiz investigador", como o
    definiu certa vez o ex-ministro Celso de Mello. Quem julga não
    investiga mas Moro, revelam as conversas, era o verdadeiro chefe da
    Lava Jato.

    Em entrevistas com advogados, procuradores, jornalistas e
    também com investigados e/ou condenados,  o documentário recua aos
    primeiros anos da atuação de Moro,  identificando decisões anteriores
    à Lava Jato em que ele já violava os ritos e procedimentos legais da
    magistratura. Por exemplo, grampeando por mais de dois anos os irmãos
    Rozemblum nos anos 1980.

    Nos anos 1990, Moro projetou-se à frente do Caso Banestado, e
    ali já se notabilizou como um juiz que investigava ou ajudava na
    produção de provas, algo absolutamente escabroso no ordenamento
    jurídico.  Sua polêmica atuação naquele caso foi amplamente divulgada,
    conhecida e contestada, mas nada fizeram os órgãos de controle, como o
    CNJ e o STF. Em agosto do ano passado, a segunda turma do Supremo
    anulou uma sentença exarada por ele no caso Banestado contra o doleiro
    Paulo Roberto Krug, por entender que houve violação da imparcialidade:
    na fase de assinatura do acordo de delação premiada, Moro participou
    diretamente da produção de provas contra o doleiro. Logo, o que tanto
    fez na Lava Jato para "pegar" Lula já era prática antiga. E isso
    chegou aos ouvidos do Supremo, há muito tempo.

    No documentário, vai se mostrando que, de tanto pairar acima
    da lei, de tanto acreditar que era intocável e que estava blindado
    pela mística marqueteira que criou em torno de si, Moro foi avançando
    com suas práticas delinquentes até ser transformado (principalmente
    pela mídia antipetista) em santo guerreiro contra a corrupção. Foi
    dando nós na própria Justiça que ele conseguiu levar para Curitiba
    processos que deveriam ficar na Justiça de São Paulo, como o do
    triplex do Guarujá e o do sítio de Atibaia. Lula, afinal, era seu alvo
    claro e brilhante.

    De 2014 para cá, não faltaram episódios indicadores de que
    algo de podre havia no reino da Lava Jato. E boa parte  dos podres  é
    revisitada pelo documentário.  Um grampo foi encontrado e nunca
    explicado na cela do doleiro Alberto Youssef. Ainda em 2014, Moro
    começou a produzir vazamentos seletivos, como os da delação do diretor
    corrupto da Petrobrás, Paulo Roberto Costa,  na véspera do segundo
    turno da eleição presidencial.  Acordos de delação foram arrancados
    dos investigados à custa de chantagens ou tortura psicológica. "Só
    faltou agulha sob a unha", disse Gilmar ontem em seu voto. Os
    advogados de Lula foram não apenas grampeados mas por longo tempo
    monitorados. Isso também foi denunciado, mas nenhuma providência foi
    tomada.

    Por fim, o TRF-4, a segunda instância para a vara de
    Curitiba,  tornou-se, como já disse Lula, uma sucursal da Lava Jato.
    Ou como disse Deltan Dallagnol, os desembargadores ali faziam o que
    Moro queria. Homologando em prazo recorde a condenação de Lula, eles o tornaram inelegível, enquadrado na lei da ficha limpa.

    De todos os crimes de Moro e dos procuradores da Lava Jato,
    nenhum talvez tenha tido alcance tão grande e efeito tão danoso para o
    país como aquele vazamento da conversa Lula-Dilma em 2016, grampeadamilegalmente (porque ela tinha foro especial como presidente), e captada após o tempo de gravação autorizado.  A imediata divulgação da conversa pela TV Globo, sugerindo que Dilma estava  nomeando Lula como ministro apenas para protegê-lo da Lava Jato, para dar-lhe o foro do STF, determinou o êxito do golpe contra Dilma. Só Lula teria conseguido, com sua habilidade política, reverter a maré do
    impeachment ilegal que tomara conta do Congresso. E com isso tivemos
    por dois anos o governo do usurpador Temer, do qual passamos ao
    governo genocida de Bolsonaro.

    Mas o tempo tem sido mesmo senhor da razão para Lula. O
    lançamento do documentário na segunda-feira, a reportagem de Joaquim
    de Carvalho no Brasil 247, mostrando como Moro, ainda juiz, ajudou
    advogados a faturar com a Lava Jato, e a decisão da Segunda Turma
    nesta terça-feira,  são peças que se encaixam, e se juntam com outras,
    para tornar inevitável a declaração de suspeição de Moro e anulação de
    sua sentença contra Lula no caso triplex.

    Depois, teremos o acerto de contas de Moro e dos procuradores
    com a Justiça. Como isso se dará, não está claro. No Senado, avança a
    coleta de assinaturas para a instalação da CPI da Lava Jato. Na Câmara
    corre outra coleta. Pode ser que se juntem. Será divertido ver Moro e
    Dallagnol prestando depoimento na Casa que demonizaram com a Lava
    Jato, apresentando todos os políticos e partidos, mas especialmente os
    do PT, como corruptos inescrupulosos. E com isso nos levaram a
    Bolsonaro, que é o verdadeiro legado da Lava Jato.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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