A grande ilusão
Amar, apaixonar-se, desejar o outro, depois dessa epifania da vida cotidiana é o grande desafio para a vida amorosa
Disse o psicanalista Jacques Lacan que o amor é uma fricção entre dois corpos, mediado por uma fantasia. E que nós amamos uma projeção de nós mesmos no outro, que necessariamente não corresponde à realidade do outro. De toda maneira, é muito difícil amar, se apaixonar por alguém sem uma fantasia. Faz parte da vida amorosa e emocional - sobretudo no começo de uma relação- se apegar a uma idealização do objeto do desejo ou do amor.
Há sempre um atrativo, um aspecto, uma qualidade que chama atenção e propicia a aproximação entre duas pessoas. A depender do gosto, pode ser o dote físico ou estético, a capacidade intelectual, o caráter terno e gentil ou mesmo a fortuna, os bens materiais. Esse elemento impulsiona, move, torna possível a paixão. Ocorre que nenhuma fantasia é igual à realidade, senão não seria fantasia. O tempo se encarrega de esmaecer, borrar a fantasia original e tornar a companhia mais real e verdadeira.
Aqui, ao contrário da tese que diz ser o tempo o meio de poetizar a existência nos mais velhos, o tempo se encarrega de retirar a fantasia e impor a dura realidade- a dor, o sofrimento, o desamor, a doença, a decadência física e mental é até as posses materiais. Amar, apaixonar-se, desejar o outro, depois dessa epifania da vida cotidiana é o grande desafio para a vida amorosa.
Amar o jovem, belo, rico, inteligente, saudável e afortunado é mais fácil do que se apegar ao velho, doente, pobre e desconhecido. Parece haver uma atração natural pelos mais bem sucedidos e saudáveis. Poucos ou ninguém amam os perdedores, esquecidos e despossuídos. Essa condição afasta as pessoas.
Elas querem o reflexo do sucesso e da sorte, não o anátema da senectude e decadência. É o mal da nossa civilização performática e excitada uma corrida incansável para o pódio, estar ao lado dos vencedores, ser como eles, compartilhar sua glória. Lógica de difícil reversão essa. Sociedade da aparência, do simulacro, onde o que menos importa é a relação de alteridade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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