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    Chris Hedges

    Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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    A Guerra de Classes dos Estados Unidos da América

    "Muitas vezes desafiando a sua tímida liderança sindical, os trabalhadores organizados marcham em todos os Estados Unidos", escreve Chris Hedges

    (Foto: Reuters)

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    Por Chris Hedges

    (Publicado no ScheerPost, publicado com exclusividade no Brasil pelo Brasil 247)

    Tradução: Rubens Turkienicz

    Há uma última esperança para os Estados Unidos. Esta não está na urna de votação. Está na organização sindical e nas greves feitas pelos trabalhadores na Amazon, Starbucks, Uber, Lyft, John Deere, Kellogg, na fábrica de Special Metals emHuntington, West Virginia, de propriedade da Berkshir Hathaway, no Sindicato dos Marceneiros do Noroeste dos EUA, nos professors de Chicago, West Virginia, Oklahoma e Arizona, nos trabalhadores de fast-food (comida rápida), centenas de enfermeiras em Worcester, Massachusetts e nos membros da International Alliance of Theatrical Stage Employees (Aliança Internacional de Empregados em Palcos Teatrais).

     Muitas vezes desafiando as suas tímidas lideranças sindicais, os trabalhadores organizados estão marchando em todos os EUA. Mais de quatro milhões de trabalhadores – cerca de 3% da força de trabalho -, principalmente dos serviços de hospedaria e alimentação, cuidados [serviços?] de saúde e assistência social, transporte, habitação e serviços de utilidade pública, deixaram os seus trabalhos, rejeitaram os baixos salários e as condições de trabalho punitivas e arriscadas. Há um consenso crescente – 68% num levantamento Gallup, com este número subindo para 77% das pessoas entre 18 e 34 anos de idade – de que a única maneira que resta para alterar o equilíbrio de poder e forçar concessões da classe capitalista dominante é mobilizar-se e fazer greve, apesar que apenas 9% da força de trabalho dos EUA seja sindicalizada. Esqueça dos Democratas “woke” (aka “despertos”). Esta é uma guerra de classes.

     Karl Popper nos lembrou que a questão não se trata de conseguir pessoas boas para governar. A maioria daqueles atraídos pelo poder – figuras como Joe Biden – são na melhor das hipóteses medíocres ou são venais – como Dick Cheney, Donald Trump ou Mike Pompeo. Ao invés disso, a questão é como organizamos instituições que evitem que líderes incompetentes ou ruins inflijam demasiados danos. Como podemos opor um poder contra outro.

     O Partido Democrata não fará passar no Congresso o tipo de reformas radicais do New Deal que evitaram o fascismo e o comunismo. O teatro político destes – que remonta ao governo Clinton – foi exibido plenamente em Atlanta, quando Biden pediu a revogação da obstrução parlamentar para conseguir fazer passar o Freedom to Vote Act (O Ato de Liberdade de Voto) e os Ato de Avanço dos Direitos de Votar de John Lewis (John Lewis Voting Rights Advancement Act), quando ele sabia que eram nulas as probabilidades de sucesso. Juntamente com muitos dos grupos que defendem os direitos de votar, a candidata Democrata a governadora da Georgia, Stacy Abrams boicotou o evento, num rechaço muito público ao mesmo. Eles estavam muito conscientes do cínico expediente de Biden. Quando os Democratas estavam na minoria do Congresso, eles se aferravam à obstrução parlamentar como um bote salva-vidas. O então Senador Barak Obama, juntamente com outros Democratas, fizeram campanha para que a obstrução fosse mantida. E, há poucos dias, a liderança Democrata usou a obstrução para bloquear o projeto de lei proposto pelo Senador Ted Cruz (Republicano).   

     Os Democratas têm sido sócios plenos no desmantelamento da nossa democracia, recusando-se a banir o uso de dinheiro corporativo sujo no processo eleitoral e na governança através de atos executicos presidenciais – como fez Obama – e “orientação” e instruções às agências governamentais, bem como outros expedientes regulatórios obscuros que passam ao largo do Congresso (não necessitam de aprovação do Congresso). Os Democratas, que ajudaram a lançar e perpetuar as guerras infinitas, também foram co-arquitetos de acordos de comércio como o NAFTA, a expansão da vigilância [do monitoramento?] dos cidadãos, a militarização das polícias, o maior sistema prisional do mundo e um grande número de leis anti-terrorismo – como as Medidas Administrativas Especiais (SAMs – Special Administrative Measures) - que abolem quase todos os direitos, incluindo o estado de direito e os privilégios de advogado-cliente, a fim de permitir que suspeitos sejam condenados e aprisionados com evidências secretas que não são permitidas ao escrutínio destes e dos seus advogados. O esbanjamento de assombrosos recursos financeiros dotados às forças armadas – US$ 777.7 bilhões por ano – foram aprovados pelo Senado por um voto favorável de 89x10 e na Câmara dos Deputados por 363x70, acoplados com os US$ 80 bilhões gastos anualmente com as agências de inteligência – os quais tornaram praticamente onipotentes os serviços militares e de inteligência operados por empresas privadas, como Booz Allen Hamilton. Há muito tempo, os Democratas abandonaram os trabalhadores e os sindicatos. Por exemplo, a governadora Democrata do estado do Maine, Janet Mills, matou há alguns dias um projeto de lei que teria permitido que os trabalhadores rurais do estado formassem sindicatos. Em todasas questões  estruturais, não há diferenças entre Republicanos e Democratas.

     Quanto mais o Partido Democrata não fizer reformas reais para melhorar as enormes dificuldades econômicas, exacerbadas pelos crescentes índices de inflação, mais estes alimentam a frustração de muitos dos seus apoiadores, pela difundida apatia (há uns 80 milhões de pessoas com direito a votar – um terço do eleitorado – que não votam) e o culto do ódio às elites “liberais” fomentado pelo Partido Republicano de Donald Trump. Quando se lê os detalhes do principal pacote de infraestrutura do atual governo – chamado de Build Back Better (Reconstruir Melhor), há mais uma infusão de bilhões de dinheiro do governo nas contas bancárias das corporações. Isso não deve surpreender ninguém, haja vista quem financia e controla o Partido Democrata.

     O sofrimento e a instabilidade que afligem pelo menos a metade do país que vive com dificuldades financeiras, alienados e desprivilegiados, atacados pelos bancos e pelas empresas de cartões de crédito, empresas de empréstimos estudantis, serviços públicos privatizados, a economia “gig” (do precariado), um sistema de saúde com fins lucrativos que produziu 25% das mortes por COVID-19 no mundo – apesar dos EUA representarem menos de 5% da população mundial – e os empregadores que pagam salários de escravidão e não proveem benefícios, está piorando. Biden presidiu a perda da extensão dos benefícios de desemprego, assistência aos aluguéis, indulgência aos empréstimos estudantis, os cheques de auxílio emergencial, a moratória dos despejos e, agora, o fim da expansão dos créditos de impostos para crianças – enquanto a pandemia recrudesce novamente. Do ponto de vista da saúde e da economia, a gestão da pandemia é um sinal à mais da profunda decadência do império. Os estadunidenses que não têm seguro de saúde, ou que são atendidos pelo sistema Medicare – muitos dos quais são trabalhadores de primeira linha contra o vírus – não são reembolsados pela compra te testes de COVIF feita por estes nas farmácias. A Corte Suprema dos EUA – na qual cinco dos onze juízes foram nomeados por presidentes que perderam no voto popular (Bush Jr., Trump) – também bloqueou o governo Biden de aplicar um mandato obrigatório de vacina-ou-teste-negativo para as grandes empresas. Alimentados pelas consequências econômicas da pandemia, vê-se no horizonte a inadimplência em larga escala de empréstimos e o surgimento de uma nova crise financeira. Quanto pior ficam as coisas, quanto mais o Partido Democrata e os seus valores “liberais” se tornam desacreditados, tanto mais prosperam os fascistas cristãos à espreita nas laterais do campo.

     Como a história provou repetidamente, o melhor instrumento para derrotar os ricos é a organização dos trabalhadores, aliada a um partido político dedicado aos interesses destes. Num artigo para a revista Jacobin, Nick French baseia-se no trabalho do sociólogo Walter Korpi – que examinou o surgimento do estado de bem-estar social (welfare state) sueco no seu livro ‘The Democratic Class Strugle’ (A Luta de Classes Democrática). Korpi detalhou como os trabalhadores suíços – como escreve French – “construíram um movimento sindical forte e bem organizado, estruturado por linhas industriais e unidos por uma federação central de sindicatos – a Landsorganisationen (LO) – que trabalhava junto com os Partido Social-Democrata doa Trabalhadores da Suécia (SAP – Social Democratic Workers’ Party of Sweden)”. A batalha para construir o estado de bem-estar social exigiu organização – 76% dos trabalhadores eram sindicalizados – com ondas de greves, atividades sindicais militantes e a pressão política do SAP. Korpi escreve que “medido em termos de dias de trabalho por trabalhador, desde p início do século XX até o início dos anos de 1930, a Suécia teve o índice mais alto de greves e ocupações (lockouts) dentre as nações ocidentais.” De 1900 a 1913, nota French, “houve 1.286 dias de paro devido às greves e ocupações por cada 1.000 trabalhadores na Suécia”. Entre 1919 e 1938, houve 1.448. (Em comparação, segundo os dados do Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas dos EUA (National Bureau of Economic Research), houve menos de 3,7 dias de paro por cada 1.00 trabalhadores nos EUA devido à paradas de trabalho)”. Nos EUA há alguns terceiros partidos – afora os Democratas e os Republicanos [?] -, incluindo o Partido Verde (Green Party), o Alternativa Socialista (Socialist Alternative) e O Partido do Povo (The People’s Party) que provêm esta oportunidade. Porém os Democratas não nos salvarão. Eles venderam-se à classe bilionária. Somente nós mesmos nos salvaremos.

     Sindicatos rompem as divisões políticas, congregando trabalhadores de todas as persuasões políticas para trabalharem juntos na luta contra um inimigo comum oligárquico e corporativo. Uma vez que os trabalhadores começam a exercer o seu poder e a extrair as suas exigências da classe dominante, a própria luta educa as comunidades sobre a real configuração do poder e mitiga os sentimentos de impotência que levaram muitos para os braços dos neofascistas. Por esta razão, é um terrível erro capitular ao Partido Democrata – o qual traiu homens e mulheres trabalhador@s.

     A voraz pilhagem feita pelas elites – muitas das quais financiam o Partido Democrata – tem se acelerado desde o colapso financeiro de 2008 e da pandemia. Os bancos de Wall Street registraram lucros recordes em 2021. Como notou o Financial Times, estes ordenharam as taxas de comissão dos empréstimos baseados em títulos do Federal Reserve (títulos garantidos pelo Tesouro dos EUA) e lucraram com as incorporações e aquisições corporativas. Eles alavancaram os seus lucros, alimentados por cerca de 5 trilhões de USD em gastos do Federal Reserve desde o início da pandemia – como apontado por Matt Taibbi – em pagamentos massivos de bônus e recompra de ações. “O grosso desta nova riqueza – a maior parte desta – está sendo convertido em compensações financeiras para uns poucos executivos”, escreve Taibbi. “As recompras também foram desenfreadas em ações corporativas nas indústrias de armamentos, farmacêutica e de petróleo e gás – todas as quais também recém fecharam o seu segundo ano consecutivo de lucros recordes e estratosféricos. Atualmente, temos cerca de 745 bilionários nos EUA – os quais viram o seu patrimônio líquido crescer de cerca de US$ 2.1 trilhões para US$ 5 trilhões desde março de 2020 – sendo quase toda esta riqueza ligada ao inchado balancete financeiro do Federal Reserve.

    Kroger
    Trabalhadores da loja de comestíveis comemoram no piquete de greve em frente à loja do King Soopers depois de rejeitarem a última oferta de contrato de trabalho da rede que é propriedade da Kroger, Co. Quinta-feira, 13 de janeiro de 2022, na parte leste de Denver, estado do Colorado, EUA. Este é a primeira greve de uma loja de comestíveis em Denver desde que eles deixaram os seus trabalhos em 1996(Photo: AP/David Zalubowski)


    O caso da empresa Kroger é típico. Esta corporação, a qual opera cerca de 2.800 lojas sob diferentes marcas – incluindo Baker’s, City Market, Dillons, Food 4 Less, Food Co., Fred Meyes, Fry’s, Berbes, Jay C Food Store, King Soopers, Mariano’s, Metro Market, Pay-Less Super Mrkets, Pick’n Save, QFC, Ralphs, Ruler and Smith’s Foodans Drug – ganhou US$ 4.1 bilhões em lucros em 2020. Ao final do terceiro trimestre de 2021, eles tinham US$ 2.28 bilhões em dinheiro líquido – um aumento de US$ 399 milhões sobre o primeiro trimestre de 2020. O CEO da Kroger, Rodney McMullen, ganhou mais de US$ 22 milhões, quase duplicando os US$ 12 milhões que ele ganhou em 2018. Isso equivale a 900 vezes o salário médio dos trabalhadores da Kroger. Nos primeiros três trimestres de 2021, a Kroger também gastou estimados US$ 1.3 bilhão em recompras das suas próprias ações.

    “A corporação Kroger é a única empregadora de 86% dos seus trabalhadores, fazendo com que ela seja a única fonte de renda destes.” – como o revelado por um levantamento dos trabalhadores da Kroger feito pela ‘Economic Roundtable’. “Trabalhando em tempo integral para ganhar um salário suficiente para viver exigiria que a Kroger pagasse US$ 22/hora – equivalente a um total de US$ 45,760 de renda anual sustentável. No entanto, a renda média anual dos trabalhadores da Kroger é equivalente a US$ 29,655 – o que representa US$ 16,105 a menos do que a renda anual necessária para pagar por necessidades básicas exigidas para um salário sustentável. Mais do que dois terços dos trabalhadores da Kroger lutam para sobreviver devido aos baixos salários que recebem e por horários de trabalho em tempo parcial. Nove de cada dez trabalhadores da Kroger relatam que os seus salários não aumentaram tanto quanto aumentaram os seus gastos básicos como alimentação e habitação. Desde 1990, os salários dos funcionários mais experientes da Kroger declinaram de 11% para 22% (ajustado pela inflação) nas três regiões pesquisadas. No total da indústria de comestíveis, 29%da força de trabalho está abaixo ou perto do limite federal da pobreza.

    Mais de um terço (36%) dos 10 mil empregados das lojas de propriedade da Kroger no sul da Califórnia, no Colorado e em Washington disseram que estavam preocupados em serem despejados das suas moradias. Mais de três-quartos (78%) vivem em insegurança alimentar. Um em cada 7 trabalhadores da Kroger enfrentaram situações de viver na rua no ano passado. Cerca de 1 em cada 5 (18%) dos empregados da Kroger disseram que não haviam pago em dia a parcela de hipoteca do mês anterior.

     Mais de 8 mil empregados sindicalizados das lojas King Soopers da Kroger entraram em greve em 12 de janeiro deste ano no Colorado, exigindo da maior rede de lojas de comestíveis dos EUA e quarta maior empregadora privada no país salários mais altos e melhores condições de trabalho.  

     Esta é onde se localiza uma das frentes emergentes na luta de classes nos EUA. É nela que deveríamos investir o nosso tempo e energia.

     Desde o seu início, a nossa democracia capitalista foi manipulada contra nós. O Colégio Eleitoral permite que candidatos presidências como George W. Bush e Donald Trump percam no voto popular e assumam a presidência do país. A concessão de ter dois senadores por estado, independentemente do tamanho da população de cada estado, significa que 62 senadores representam um quarto da população, enquanto seis destes representam um outro quarto. Os fundadores (aka “pais”) da nação tiraram os direitos das mulheres, dos nativos, dos afro-americanos e dos homens sem propriedades. A maioria dos cidadãos foram intencionalmente impedidos de participar do processo democrático pela classe dominante branca de homens aristocratas, sendo a maioria destes donos de escravos.

    Todas as aberturas na nossa democracia foram resultado de prolongadas lutas populares. Centenas de trabalhadores foram assassinados, milhares foram feridos, dezenas de milhares foram proscritos nas nossas guerras laborais – que foram as mais sanguinolentas de todos os países industrializados. Foram os abolicionistas, sufragistas, sindicalistas, jornalistas investigativos atuantes e participantes dos movimentos contra as guerras e pelos direitos civis que abriram o nosso espaço democrático. Estes movimentos radicais foram reprimidos e cruelmente desmantelados em nome do anticomunismo no início do século XX. Estes mesmos foram visados pelas elites corporativas após o surgimento de novos movimentos de massa nos anos de 1930. Estes movimentos populares, os quais surgiram novamente nos anos de 1960, nos mobilizaram, centímetro por cada sanguinolento centímetro, na direção da igualdade e da justiça social. A maior parte destas conquistas conseguidas nos anos de 1960 foram revertidas sob o ataque devastador do neoliberalismo, da desregulamentação e do corrupto sistema de financiamento de campanhas políticas – legalizado sob o nome de “Cidadãos Unidos” (Citizens United) – que permitiram que os ricos e as corporações comprassem as eleições para selecionar líderes políticos e impor legislações [leis?]. A encarnação contemporânea dos barões-ladrões do século XIX – incluindo Jeff Bezos e Elon Musk, cada um dos quais tem um patrimônio pessoal de cerca de US$ 200 bilhões – nos chama de volta às nossas raízes radicais.

     A luta de classes define a maior arte da história humana. Marx acertou nisso. Esta não é uma estória nova. Ao longo da história, os ricos encontraram maneiras de subjugar e re-subjugar as massas. E, ao longo da história, as massas têm despertado ciclicamente para jogar fora libertar-se das suas correntes.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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