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    A guerra é vizinha

    "Duas ordens diferentes se tornaram evidentes: a acelerada carreeira de Donald Trump e o avanço dos russos sobre áreas estratégicas da Ucrânia"

    Trump e Biden (Foto: Reuters)

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    Ao iniciar o ano de 2024 duas ordens de fatores diferentes se tornaram evidentes nas relações internacionais: – um de ordem política, a acelerada carreeira de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos – vencendo todas as dificuldades jurídicas e campanhas de mídia contrárias;  e outra, de caráter tipicamente bélico, o avanço dos russos sobre áreas estratégicas da Ucrânia, que ninguém mais acredita, seriamente, que seja capaz de desalojar os russos dos territórios ocupados. Estes dois fenômenos, aparentemente diversos, convergiram estreitamente quando, seguidamente, Trump fez sérias críticas a condução da guerra, ao apoio americano a Kiev e a ideia de sustentar uma guerra da NATO contra a Rússia.

    As críticas de Trump diferenciam claramente sua visão de prioridades daquela de Joe Biden. Trump chama atenção para a “invasão” dos Estados Unidos por imigrantes – um tema bastante popular – e para a necessidade de maiores investimentos em tecnologia para impedir que a China Popular se torne dominante no setor. Uma larga camada da população americana acredita que, de fato, a China é o principal inimigo, não só por ameaçar internacionalmente a primazia americana, como ainda por piratear e “roubar” tecnologia americana e, assim, destruir empregos nos Estados Unidos. Enquanto 50% de todo os americanos entrevistados consideram a China Popular a principal ameaça aos Estados Unidos, 73% dos eleitores Republicanos concordam com afirmação, frente a 46% dos eleitores que se identificam como “Independentes” e  somente  30% dos eleitores Democratas concordam com tal visão sobre os “inimigos” dos Estados Unidos. Os Democratas, por sua vez, com 53% de seu total apontam a Rússia como o principal inimigo. Sendo o Irã e a Coréia do Norte citados de forma residual Assim, Biden e Trump “surfam” no alto das certezas de seu eleitorado, mas Trump consegue – conforme pesquisa Gallup - muito mais apoios entre ois ditos “Independentes”, entre os quais apenas 32% apontam a Rússia como principal inimigo. Um significativo número de americanos, a maioria, malgrado toda a exposição negativa de Vladimir Putin na imprensa americana, não confia em negociações com Xi Jinping – chegando conforme pesquisa da Bloomberg, a 83% dos entrevistados que consideram as relações China Popular versus Taiwan como o maior foco atual de tensões. Assim, todo o investimento de uma futura Presidência Trump, seria em direção a “conter” a China e para isso o enfrentamento com a Rússia – o qual Trump várias vezes afirmou que resolveria diretamente com Putin – deveria ser minimizado. Para isso, a NATO e a Europa em geral e a Ucrânia – a quem não perdoa as relações “especiais” com a família Biden - em particular não causam maiores preocupações.  . De forma muito específica, reforçando posturas da Presidência anterior, Trump se desolidariza com a Aliança Atlântica, uma verdadeira heresia nas relações de defesa dos Estados Unidos.

    Tais declarações, em plena campanha das primárias americanas de 2024, junto com a prática de Trump na sua administração anterior, fez soar todos os alertas em ambos os lados do Atlântico. O Secretário de Defesa dos Estados Unidos, general Lloyd Austin, normalmente silencioso, veio à público  reafirmar a periculosidade da Rússia, a importância da Europa e da NATO para a defesa dos Estados Unidos e, num tom acima, afirmou que os Estados Unidos não aceitaram um vitória russa sobre a Ucrânia, o que tornaria a possibilidade de uma guerra generalizada bastante real As declarações do Secretário de Defesa foram, imediatamente, ecoadas em Bruxelas e nas capitais europeias. Van der Leyen, a Presidente da Comissão Europeia, veio rapidamente à cena garantir todo o apoio possivel à Ucrania, enquanto que o Estado-Maior da Luftwaffe planejava a entrega de misseis Taurus, de longo alcance, para ataques da Ucrânia – que seriam reconhecidamente pelos próprios planejadores alemães inúteis parta alterar a direção da guerra – no interior da Rússia.  Quase ao mesmo tempo, Presidente Macron, da França faz uma declaração, dramática, sobre a possibilidade de enviar tropas francesas para lutar contra os russos na Ucrânia. Já a transcrição da conversa dos altos mandos militares alemães sobre a possibilidade de, eles mesmos, além de treinarem os ucranianos, participarem do planejamento dos ataques à Russia, revelaram, também, que ingleses já estão na Ucrânia a planejar ações contra a Rússia.

    O conjunto de tais “incidentes”, e muito especialmente a postura agressiva de Macron – seriamente preocupado com o apoio russo aos países da África do Sahel, denominados de forma neocolonial pelos franceses como “Françafrique” – foi tratado com descaso pelas mídias ocidentais, buscando não aumentar as tensões, em especial entre Londres, Paris e Berlim com Moscou. No entanto, longe de ser atos “descuidados”, tais “naturalizações” de uma guerra, ao lado da demonização de Putin – ofendido pessoalmente por Biden, emergem como um aspecto da chamada “ambiguidade estratégica”, uma forma de guerra híbrida, onde táticas militares, mediáticas, econômicas – como as sanções decretadas contra os russos - são utilizadas contra um adversário – mesmo evitando um embate bélico direto entre as partes.

    Tanto o chanceler alemão, Olaf Scholz e o comumente aguerrido Jens Stoltenberg, secretário geral da NATO, fizeram declarações apaziguadoras – embora não Londres e Paris – e afirmaram que não desejam uma guerra contra a Rússia. Mesmo assim, começa a esboçar-se o planejamento estratégico de Washington e da NATO, através de sinais diversos e contraditórios, da chamada “ambiguidade estratégica”, de criar condições para um claro envolvimento da NATO, e consequentemente dos Estados Unidos, no conflito ucraniano. Isso deveria ocorrer antes da eleição americana – marcadas para 5 de novembro de 2024 -, e mesmo antes da provável  posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2025. Assim, mesmo ante o provável colapso da Ucrânia, os Estados Unidos estariam envolvidos, de fato, num conflito do qual não poderiam retroceder. Ou ao menos assim pensam Berlim, Paris e Londres.

    Por sua vez, a China percebe, com cuidado e atenção, a evolução de uma política europeia que busca “deslocar” a Rússia, ao mesmo tempo que continua vendendo armamentos a Taiwan e, mesmo, como no caso dos Países Bálticos, servem de “balão de ensaio” para um possível reconhecimento da “ilha” como um Estado Independente Para a China Popular o “deslocamento” da Rússia, ou sua derrota ou humilhação na Europa seria extremamente prejudical, posto que enfraqueceria aliança Beijing-Moscou, liberaria os aliados atlânticos da “Frente Russa” e abriria caminho, com maior facilidade, para o mesmo tratamento a ser ministrado a China, então, numa situação de isolamento, sem grandes aliados.

    Desde o final da Guerra Fria, em 1991, e da reorganização da Ordem Mundial e o fim do sistema conhecido como “Bipolaridade” – mesmo que uma “Bipolariedade Imperfeita” – não chegavamos tão próximo de um conflito de tão vasta extensão Enquanrto isso a mesma Europa escandalizada com a morte de um dissidentde russo fecha os olhos para o genocídio do povo palestino em Gaza – e mesmo proíbe manifestações de repúdioao Governo Netaniahu, como em Londres e Berlim. Há uma invisibilidade notável e uma banalização da guerra e de seus terríveis efeitos, como não se via nas lideranças europeias talvez desde 1014.  Os governos em Londres,  Paris e Berlim agem como se fosse possível praticar políticas de desafio, apoio e intervenção numa guerra já perdida  sem sofrer as consequências daí decorrentes. As sanções contra a economia russa, a ordem de prisão contra Putin – ao lado do silêncio sobre Netanyahu e os ataques ao pipeline Nord Stream e a ponte da Criméia são ofensas que  os russos não perdoarão.

    Assim, os países da União Europeia, cortadas as relações econômicas com a Rússia e destruídos ou paralisados os pipelines que garantiriam um abastecimento seguro e barato de energia, padecem, agora, de uma forte paralisia econômica. Com crescimento de 1%, em média, e indíces negativos para países como Alemanha, Holanda, Reino Unido, a Europa não tem garantias da continuidade de tais governos, a maioria acossados pelo crescimento do extremismo de Direitas.. Enquanto isso a Rússia – após diversificar e interiorizar suas pautas de importação, em especial com China, Índia, Irã, Venezuela, Vietnã, Turquia, Brasil – cresceu exatos 3.6% em 2023, deixando para  trás a área da União Europeia .. Tal situação levou muitos especialistas, a considerar que “...hoje estamos mais próximos de uma Guerra Nuclear do que durante a Guerra Fria”, enquanto funcionava a “Condição MAD”, de “Mútua Destruição Assegurada”, e vários países, com forte movimentos pacifistas – como França e Alemanha – não consideravam a raciocinar em termos de ganhos e perdas em caso de uma vasta guerra de massa, convencional, mas altamente tecnológica na Europa.

    A Rússia tem advertido, conforme a chamada “Doutrina Medvedev” que os riscos impostos a interesses vitais da Rússia – as linhas vermelhas traçadas em 2006/8 – levariam, obrigatoriamente a uma “Escalada” nuclear de um conflito na Europa. As políticas de “roll-back” e de exclusão dos russos da Europa não são realistas e poderiam, num lapso da razão, desencadear uma série de eventos que tenderiam a se tornar incontroláveis. 

    De qualquer forma, depois da década de humilhações, entre 1991 e 2001, a Rússia advertiu claramente da impossibilidade de ser derrotada, seja numa guerra convencional massiva e altamente tecnológica, seja numa guerra híbrida encoberta, e que a única saída da atual crise é a negociação e a diplomacia. As vitórias alcançadas até o momento por Donald Trump poderão acelerar a possibilidade de atos desesperados na Ucrân ia, com a NATO, ante a real possibilidade de um “abandono” americano com Trump se refugiando num neo-isolacionismo seletivo – maior apoio a Israel, sem dúvida – reorientando as preocupações estratégicas norte-americanos para o eixo Ásia-Indo-Pacífico. Se, Trump é uma ameaça contra a paz, o “deep state” de Washington – única derrota de Trump nas eleições primárias – é, ele também, um núcleo decidido a impor sua política atlantista, mesmo ao custo de uma ampla guerra massiva e dos riscos da “Escalada”.

    Por tais razões, mais do que nunca, por almejarmos a paz, precisamos e devemos estudar a guerra em suas novas e multifacetadas formas no tempo presente.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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