A insegurança jurídica é um trem desgovernado
A confiança nas instituições públicas é – ou deveria ser – o principal ponto de apoio para o funcionamento adequado e equilibrado de todos os mercados
A confiança nas instituições públicas é – ou deveria ser – o principal ponto de apoio para o funcionamento adequado e equilibrado de todos os mercados. Um regramento jurídico robusto, atualizado e alinhado com as melhores práticas mundiais tem um papel importante para transmitir segurança em operações que estimulam a economia.
No entanto, somado a fatores econômicos e estruturais, decisões judiciais recentes a respeito da disputa envolvendo a Ternium e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) estão provocando um temor generalizado no mercado. A gênese da questão teve início em 2011, com a compra, pela Ternium, das ações que a Votorantim e a Camargo Corrêa possuíam na Usiminas.
Antes de a operação ser concretizada, bancas de advogados foram mobilizadas e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), principal autoridade do mercado, foi consultada. A Ternium precisava saber se haveria necessidade de ser anunciada uma Oferta Pública de Aquisição (OPA), mecanismo utilizado para assegurar direitos iguais aos acionistas em casos de mudança de controle.
À época, CVM e advogados foram unânimes em afirmar que tal movimentação não modificava o controle da Usiminas. A participação da Nippon Steel, principal acionista, era de 29% e ela se mantinha como maior acionista no bloco de controle. Entendimento amparado na Lei das S/A, importante regramento para o desenvolvimento do mercado.
A CSN, contudo, que chegou a ter 17% das ações da Usiminas – sua principal concorrente no segmento de aços planos –, não concordou e ingressou na Justiça pleiteando uma indenização da Ternium. O processo percorreu as 1ª e 2ª instâncias e em ambas a Ternium venceu a disputa. Em março de 2023, o caso foi julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e, novamente, prevaleceu a decisão de que a OPA não era necessária.
Em junho de 2024, porém, tudo mudou quando o processo foi novamente julgado no STJ, em apreciação de embargo de declaração apresentado pela CSN, dessa vez com a participação de dois ministros que não haviam integrado a primeira votação. Profissionais da área do Direito ficaram surpresos com o fato de a Corte mudar o entendimento em um embargo de declaração, recurso que serve para dirimir dúvidas.
Mais surpreendente que isso (e alarmante) foi a fato de o STJ reverter sua própria decisão anterior e desconsiderar o posicionamento técnico da CVM. A Corte então estabeleceu uma multa com valor extraordinário – R$ 5 bilhões – e sucumbência de R$ 500 milhões. Este mês, o STJ debruçou-se novamente sobre o caso para apreciar outro embargo de declaração, dessa vez da Ternium. Contrariando sua decisão de junho, no entanto, a Corte não levou o mérito do pedido em consideração.
Outro fato causou estranheza. Mesmo diante de uma nova e ampla manifestação da CVM, o STJ seguiu desconsiderando o que diz a entidade. A resposta da autarquia foi dada à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), entidade que questiona no STF (Supremo Tribunal Federal) justamente a interpretação divergente dada pelo STJ. No novo relatório técnico, a Comissão é categórica ao afirmar, uma vez mais, que não houve alienação de controle na Usiminas, portanto, não havia necessidade de realizar uma OPA.
As consequências desse processo são desastrosas. Se ao fim e ao cabo de todos os recursos judiciais, a decisão for punir a Ternium por não realizar uma OPA que o próprio órgão que regulamenta o mercado disse ser desnecessária, os processos de fusões e aquisições de empresas tendem a recuar, aguardando definições mais claras.
Outro problema é para as companhias de capital aberto envolvidas em processos recentes de fusões ou aquisições. Caso acionistas minoritários decidam hoje acionar a Justiça para pleitear equiparações similares ao caso da Ternium, quais procedimentos deverão ser adotados pelos tribunais?
O custo da insegurança jurídica é muito alto para a economia brasileira. É preciso uma boa dose de realidade para que o trem não saia dos trilhos.
Wilson Nélio Brumer é empresário, conselheiro de empresas e ex-presidente da Usiminas
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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