A inviolabilidade das embaixadas e o Direito Internacional
O Estado receptor não pode adentrar a embaixada sem o consentimento do chefe da missão, garantindo a proteção do pessoal diplomático e dos asilados políticos
Soberania e Asilo: Princípios em Conflito
A recente invasão da embaixada mexicana em Quito pelo governo equatoriano, com o objetivo de prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, asilado político no México, reacendeu o debate sobre a inviolabilidade das embaixadas e os limites da soberania estatal. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, da qual ambos os países são signatários, estabelece a inviolabilidade das missões diplomáticas, incluindo suas instalações e arquivos. Isso significa que o Estado receptor não pode adentrar a embaixada sem o consentimento do chefe da missão, garantindo a proteção do pessoal diplomático e dos asilados políticos.
A concessão de asilo político é um direito soberano dos Estados, fundamentado em princípios humanitários e na proteção dos direitos humanos. No caso de Glas, condenado por corrupção no Equador, o México concedeu asilo com base em alegações de perseguição política. O Equador, por sua vez, argumentou que o México violou acordos bilaterais de asilo e solicitou permissão para entrar na embaixada e prender Glas. A negativa mexicana e a subsequente invasão da embaixada geraram uma crise diplomática, com o México, que suspendeu relações com o Equador.
Um Precedente Perigoso: O Caso Julian Assange
A invasão da embaixada mexicana não é o primeiro caso de violação da Convenção de Viena. Em 2019, a polícia do Reino Unido adentrou a embaixada justamente do Equador em Londres para prender Julian Assange, fundador do WikiLeaks, que havia recebido asilo político do governo equatoriano em 2012. Assange era procurado pelos Estados Unidos por acusações de espionagem e conspiração, relacionadas à publicação de documentos secretos do governo americano.
A incursão da polícia britânica na embaixada equatoriana no Reino Unido gerou uma forte condenação mundo afora, sendo considerada uma grave violação do direito internacional e um precedente perigoso para a proteção do asilo político, como agora está confirmado. O caso Assange demonstrou que mesmo países que se arvoram defensores do Estado de Direito violam princípios fundamentais do direito internacional quando seus interesses estão em jogo. E o Equador, que no primeiro caso aquiesceu à invasão de sua embaixada, dá mais um passo agora, invadindo a embaixada do México.
A Convenção de Viena e a Proteção Diplomática
A Convenção de Viena é um pilar do direito internacional, estabelecendo um conjunto de regras que regem as relações diplomáticas entre os Estados. A inviolabilidade das embaixadas é um princípio fundamental, garantindo a segurança e a independência das missões diplomáticas. A violação desse princípio, como ocorreu nos casos do Equador e do Reino Unido, constitui uma grave afronta ao direito internacional e pode ter consequências significativas para as relações entre os países envolvidos.
A Convenção também estabelece a imunidade diplomática, que protege os diplomatas de processos judiciais e administrativos no Estado receptor. Essa imunidade é essencial para que os diplomatas possam desempenhar suas funções sem interferência indevida. No entanto, a imunidade diplomática não é absoluta e pode ser suspensa pelo Estado acreditador em casos específicos.
Até o caso da invasão da embaixada equatoriana pelo Reino Unido, sequer as mais sanguinárias ditaduras haviam ousado burlar o preceito firmado.
Asilo Político e a Proteção dos Direitos Humanos
O asilo político é um instrumento de proteção dos direitos humanos, garantindo refúgio a indivíduos perseguidos por suas opiniões políticas, religiosas ou por pertencerem a um determinado grupo social. A concessão de asilo é uma decisão soberana do Estado, mas deve ser fundamentada em princípios humanitários e no respeito aos direitos humanos.
Nos casos de Glas e Assange, o México e o Equador consideraram que os asilados estavam sendo perseguidos politicamente e que suas vidas e liberdades estavam em risco. As decisões de conceder asilo foram baseadas em avaliações do contexto político dos países de origem e nas alegações dos asilados. Os países que buscavam a extradição dos asilados contestaram a legitimidade do asilo e acusaram os países que o concederam de interferir em seus assuntos internos.
A Crise Diplomática e suas Implicações
A invasão da embaixada mexicana e a suspensão das relações diplomáticas entre México e Equador, assim como a invasão da embaixada equatoriana pelo Reino Unido, demonstram a fragilidade do direito internacional e a importância do diálogo e da cooperação entre os Estados. A violação da Convenção de Viena e do princípio da inviolabilidade das embaixadas, agora reiterada, cria um precedente perigoso e pode minar a confiança nas relações internacionais.
A crise também evidencia a complexidade do asilo político e a necessidade de mecanismos claros e transparentes para sua concessão e revogação. A falta de consenso sobre os critérios para a concessão de asilo pode gerar conflitos entre os Estados e colocar em risco a proteção dos direitos humanos.
O Papel da Comunidade Internacional
A comunidade internacional tem um papel fundamental na promoção do respeito ao direito internacional e na resolução pacífica de conflitos. Nos casos das crises diplomáticas envolvendo a violação da inviolabilidade das embaixadas, organizações internacionais como a ONU e a OEA podem atuar como mediadoras, buscando uma solução que respeite a soberania dos Estados e os direitos humanos dos envolvidos.
A comunidade internacional também deve se empenhar na defesa da inviolabilidade das embaixadas e na proteção do asilo político, instrumentos essenciais para a manutenção da paz e da segurança internacionais. A violação desses princípios pode ter consequências graves para a estabilidade global e para a proteção dos direitos humanos.
O Caso Bolsonaro
O precedente do Reino Unido, reforçado agora pelo Equador, diminui o custo político de novas invasões. Respondendo a inúmeros processos, inclusive de golpe de estado, Bolsonaro resolveu se abrigar recentemente na embaixada da Hungria, considerando que ali estaria imune das garras do sistema judicial brasileiro. Este novo fato no Equador adiciona motivos para temer que mesmo numa embaixada ele poderá ser alcançado. Claro que esse cenário é muito pouco provável na atual conjuntura, dada a diplomacia e o perfil do governo de turno. E convém mesmo que não aconteça, não só pelo que isso representa em termos de direito internacional, mas também pelo efeito nefasto que provocaria em um país já tão polarizado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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