TV 247 logo
    Leonardo Attuch avatar

    Leonardo Attuch

    Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247, além de colunista das revistas Istoé e Nordeste

    439 artigos

    HOME > blog

    A irrestrita "liberdade de expressão" e o desafio do desenvolvimento soberano no Sul Global

    Enquanto no Brasil a mídia controlada pelo capital financeiro fabrica crises artificiais, o modelo chinês se foca na construção de consensos

    O jornalista Leonardo Attuch concede entrevista à mídia chinesa (Foto: Brasil 247 / Divulgação)

    Por Leonardo Attuch (artigo originalmente publicado no site chinês Guancha) – O conceito de liberdade irrestrita de expressão é frequentemente saudado como um pilar fundamental da democracia. No entanto, em países como o Brasil, onde a propriedade dos meios de comunicação está concentrada nas mãos de elites financeiras, essa suposta liberdade pode se tornar um instrumento que enfraquece tanto o desenvolvimento quanto a própria democracia. Quando os canais de comunicação de massa servem principalmente aos interesses de uma minoria privilegiada, em vez do público em geral, a liberdade irrestrita de expressão deixa de ser um mecanismo de debate democrático e se transforma em uma ferramenta de manipulação econômica e política.

    1. O papel da mídia no Brasil e em outros países do Sul Global

    Embora a liberdade de imprensa seja, teoricamente, um componente essencial da democracia, na prática, ela muitas vezes opera sob o controle de elites econômicas, especialmente do setor financeiro e de grandes corporações. No Brasil, a mídia tradicional está concentrada em poucas famílias e grupos empresariais, formando oligopólios.

    Esses veículos defendem políticas favoráveis ao mercado, promovendo privatizações, o desmonte do Estado e cortes nos gastos sociais. Há ainda uma influência significativa de grupos financeiros internacionais e locais, que utilizam a mídia para pressionar governos a adotarem medidas pró-mercado, muitas vezes em detrimento do desenvolvimento nacional.

    Esse padrão se repete em outros países do Sul Global, onde a imprensa frequentemente atua como um agente político, fabricando narrativas de crise e instabilidade sempre que governos tentam implementar políticas de desenvolvimento soberano.

    No entanto, embora a monopolização da mídia seja um problema significativo, é importante reconhecer que o Brasil é uma democracia diversa e complexa, onde múltiplas perspectivas coexistem.  Além disso, o crescimento das plataformas digitais permitiu um ambiente midiático mais plural, servindo, até certo ponto, como um contrapeso aos veículos tradicionais. 

    2. A liberdade irrestrita de expressão pode ser um instrumento de sabotagem econômica?

    Quando a mídia de massa é dominada por setores que lucram com crises e desregulamentação econômica e financeira, a liberdade irrestrita de expressão, paradoxalmente, serve mais aos interesses privados do que ao bem público. Isso ocorre de diversas formas:

    • Fabricação de crises artificiais – A mídia amplifica problemas econômicos e políticos, criando um ambiente de pessimismo que desestimula investimentos produtivos.
    • Desestabilização de governos que buscam fortalecer o Estado – Presidentes que implementam políticas industriais, regulamentação do setor financeiro ou fiscalização do mercado frequentemente enfrentam campanhas agressivas da imprensa.
    • Promoção de agendas de curto prazo – Em vez de debater estratégias de desenvolvimento de longo prazo, o debate público é sequestrado por narrativas favoráveis à austeridade e aos ajustes fiscais.
    • Interferência estrangeira via ONGs e pela própria infiltração na mídia tradicional – Governos e corporações estrangeiras utilizam veículos de comunicação e organizações supostamente neutras para influenciar a opinião pública e desestabilizar governos soberanos.

    Países como Brasil, Argentina e muitos outros no Sul Global já passaram por esse tipo de manipulação, na qual conglomerados midiáticos alinhados ao capital financeiro atuam contra o desenvolvimento nacional. 

    No entanto, embora essas pressões existam, os governos não estão totalmente indefesos. Políticas estratégicas de comunicação e o crescimento de veículos independentes digitais podem ajudar a contrabalançar essas narrativas tradicionais.

    3. Como as nações emergentes podem enfrentar esse dilema?

    A solução não é abolir a liberdade de expressão, mas estabelecer um ambiente comunicacional mais equilibrado e pluralista, onde os interesses nacionais não sejam obscurecidos por agendas privadas ou estrangeiras. Algumas medidas possíveis incluem:

    • Desconcentração da mídia – Implementação de regulações que impeçam monopólios e promovam uma diversidade de vozes no debate público.
    • Fortalecimento da mídia pública e alternativa – Em países desenvolvidos como Alemanha, França e Reino Unido, a mídia estatal coexiste com a imprensa privada, podendo, em tese, promover um equilíbrio informativo melhor, ainda que a mídia pública possa, também, reproduzir manipulações e preconceitos contra povos e nações do Sul Global.
    • Regulação do poder econômico sobre a mídia – Assim como os mercados financeiros e os bancos são regulamentados, os meios de comunicação de massa também deveriam estar sujeitos a limites, para evitar seu uso como arma política pelas elites financeiras.
    • Investimento em mídia digital independente – O crescimento das plataformas digitais oferece uma oportunidade para quebrar o oligopólio da mídia tradicional, promovendo maior democratização da informação.

    Ao estimular o desenvolvimento de um jornalismo independente e voltado para o interesse público, os países do Sul Global podem criar um ambiente onde a mídia sirva ao público em geral, e não a uma elite restrita.

    4. O papel do consenso na mídia e no desenvolvimento: lições da China

    A China adota uma estratégia deliberada de alinhamento das narrativas midiáticas com as prioridades do desenvolvimento nacional. No entanto, em vez de ser caracterizado apenas como “controle da informação”, o modelo chinês reflete um consenso construtivo entre governo, mídia e sociedade. Essa abordagem prioriza a resolução de problemas em vez da criação de crises políticas, concentrando-se no crescimento econômico e na estabilidade social.

    Principais características do modelo midiático chinês que podem ser relevantes para o Sul Global:

    • Priorização do desenvolvimento sobre o confronto político – A mídia chinesa tende a focar no crescimento econômico de longo prazo, em vez de alimentar a polarização política.
    • Coesão social e estabilidade – Em um país tão diverso quanto a China, a mídia desempenha um papel na promoção da unidade nacional e no desincentivo a divisões que poderiam levar à instabilidade.
    • Redução da interferência estrangeira – Ao regulamentar a influência da mídia estrangeira, a China garante que os interesses nacionais permaneçam no centro do discurso público.

    Embora o modelo chinês seja único e não necessariamente replicável em outros contextos, ele levanta uma questão importante: como a mídia nos países do Sul Global pode se alinhar aos objetivos de desenvolvimento nacional, escapando da influência de agendas privadas ou estrangeiras? Talvez a principal lição não seja o controle rígido da mídia, mas a criação de mecanismos que fomentem um alinhamento entre a imprensa e os interesses nacionais por meio da construção de consensos em torno dos grandes objetivos nacionais.

    A liberdade de expressão deve estar acompanhada de responsabilidade, defesa da soberania e equilíbrio informacional

    A liberdade irrestrita de expressão, quando capturada por elites financeiras e interesses estrangeiros, pode se tornar uma ferramenta para desestabilizar nações e dificultar seu desenvolvimento. No entanto, em vez de retratar os governos do Sul Global como vítimas passivas da manipulação midiática, é essencial reconhecer alguns os esforços para criar um ambiente midiático mais soberano e pluralista.

    O desafio dos países do Sul Global não é suprimir o debate público, mas garantir que o ambiente informacional seja verdadeiramente democrático, soberano e alinhado aos interesses nacionais. Em vez de adotar um modelo único para todos, os países podem aprender com múltiplas abordagens, incluindo o fortalecimento da mídia independente, o desenvolvimento da comunicação pública e a promoção de um consenso nacional que priorize o desenvolvimento.

    O crescimento das plataformas digitais e dos veículos de mídia alternativa representa uma oportunidade histórica para quebrar o monopólio das elites tradicionais e garantir que a informação sirva ao bem público, e não apenas aos interesses financeiros privados. Se utilizado de forma eficaz, o jornalismo pode se tornar uma poderosa ferramenta de progresso econômico e social, em vez de um instrumento de sabotagem econômica.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados