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    Igor Corrêa Pereira

    Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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    A liberdade de não passar necessidade

    Se um bilionário se perder no deserto com um pacote de dólares, ainda assim morrerá de sede se não encontrar água. Enquanto houver pessoas passando necessidade, haverá pessoas com medo das pessoas que passam necessidade.

    (Foto: FOTOS PÚBLICAS)

    Precisamos conquistar a liberdade em que todos vivam sem passar necessidade. Com essa frase encerrei o último texto que escrevi neste espaço. É curioso que o autor desse conceito tenha sido um presidente da maior nação capitalista do mundo. O mandatário dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt defendeu quatro liberdades fundamentais para a humanidade: Além da liberdade de viver sem passar necessidade, o presidente defendia a liberdade de expressão, de culto e de não sentir medo. O discurso célebre que fez em 1941 seria a base para a redação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos — a declaração mais grandiosa do mundo sobre os direitos que todos compartilham.     

    Esse discurso forneceu os alicerces do que viriam a ser os valores do primeiro mundo pós-segunda Guerra Mundial. Foi a grande promessa que inaugurou o que foi chamado de Estado de Bem-Estar Social. Quando o capitalismo venceu a Guerra Fria, a comemoração em torno da queda do muro de Berlim era a de que finalmente essa liberdade poderia ser compartilhada em todo o planeta. Finalmente todos seriam livres em sua expressão, poderiam cultuar o que quiser, poderiam não sentir medo e poderiam viver sem penúrias.    

    O tempo foi transformando a euforia em decepção e finalmente em desencanto. A ofensiva neoliberal fez o número de bilionários dobrar na última década, ao mesmo tempo em que abaixo da linha da pobreza vive quase a metade das pessoas do planeta e a devastação ambiental devora as perspectivas de continuidade da vida. A ofensiva neoliberal também conseguiu reduzir a concepção de liberdade evocada por Roosevelt. Ao invés das quatro liberdades fundamentais, só uma liberdade realmente vigorou. A liberdade do mercado. Em nome dela, não podem existir sociedades, somente indivíduos, decretou Margareth Thatcher. Para garantir essa liberdade, vale apoiar uma ditadura sanguinária como a de Pinochet no Chile, conforme declarou o Nobel em Economia Fredrich Hayek. Em nome do mantra da liberdade individual, vale o sacrifício de vidas humanas, afinal de contas, a economia não pode parar.    Em tempos que os conceitos se confundem na névoa de destruição, precisamos separar coisas que são embaralhadas maliciosamente. Figuras grotescas do nosso cotidiano garganteiam a união entre anarquismo e liberalismo para defender ideias de proteção da soberania de cada indivíduo, elegendo o Estado como o grande vilão a ser combatido, enquanto que o setor privado deve ser exaltado. Essa bizarrice que leva o nome de anarcocapitalismo, nada tem a ver com o anarquismo filosófico e político. Justamente nesse momento em que a palavra liberdade não sai da boca de tantos canalhas, é um dever da esquerda resgatar a visão do anarquista Mikhail Bakunin sobre liberdade.     

    Enquanto os anarcocapitalistas pregam uma liberdade fundamentada no indivíduo, Bakunin entende a liberdade como uma ação coletiva da sociedade inteira. A liberdade do outro é a condição para a minha liberdade. Vejamos isso nas palavras do próprio Bakunin: (...) Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade do outro, longe de ser um limite ou a negação da minha liberdade, é, ao contrário, sua condição necessária e sua confirmação. Apenas a liberdade dos outros me torna verdadeiramente livre, de forma que, quanto mais numerosos forem os homens livres que me cercam, e mais extensa e ampla for a sua liberdade, maior e mais profunda se tornará a minha liberdade.    O anarquista prossegue afirmando que enquanto houver escravos, essa barbárie é um entrave a realização da humanidade individual. Tal concepção de liberdade, que se realiza coletivamente, precisa que a experiência da liberdade se espalhe por toda a humanidade.       

    Voltamos a pergunta feita na canção dos Engenheiros do Hawaii: de que adianta ser livre se tanta gente vive sem ter como comer? Mas Bakunin vai além dessa pergunta. Mais do que duvidar da validade da liberdade com a existência da fome, ele afirma que é impossível ser livre se o outro não tiver como viver. Antes que alguém diga que Bakunin era um utópico, voltamos a lembrar que um presidente da nação mais poderosa do planeta já afirmou que uma dimensão da liberdade é a de não passar necessidade.    

    Para concluir, eu dirijo uma pergunta que tem a ver com sonhos e projetos. Quais são seus sonhos? A liberdade é um sonho humano. Como você acha que ela seria possível? Há aqueles que entendem que ela pode ser vivida individualmente, e há aqueles que a querem como vivência coletiva. Você acha que alguém é livre atualmente? Mesmo os bilionários, você pode garantir que eles vivem sem medo de perder o que tem, diante de tanta gente que nada tem?   

     Eu poderia encerrar lembrando que dinheiro não mata a sede. Se um bilionário se perder no deserto com um pacote de dólares, ainda assim morrerá de sede se não encontrar água. Enquanto houver pessoas passando necessidade, haverá pessoas com medo das pessoas que passam necessidade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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