A luta pela democracia passa pela memória
"Brasil precisa conhecer a sua História"
A luta pela democracia passa, hoje, pelas ações de Memória, Verdade e Justiça, incluindo a luta pela preservação e proteção dos arquivos públicos, como o ARQUIVO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO/ APERJ, e pela transformação de centros de tortura em Centros de Memória Contra a Ditadura, a exemplo do que está sendo feito na Casa da Morte, em Petrópolis, e do que pode e deve ser feito no antigo prédio do DOPS, no Centro, e no 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca, sede do tristemente célebre DOI-Codi.
Estas são lutas que convergem, como defendi no ato realizado neste final de semana, na Praça Lamartine Babo, em frente ao quartel que virou um trágico símbolo da barbárie do estado. Ali, comprovadamente, morreram 49 presos políticos, pessoas que, sob a guarda do estado, sofreram torturas horripilantes e abusos de extrema perversidade e cujos corpos foram desaparecidos, em um gesto final de crueldade, negando a eles o direito às despedidas e orações de seus familiares. O ex-deputado Rubens Paiva é, hoje, o nome mais conhecido da lista, mas não foi o único.
No ato, ao lado de filhos, netos e bisnetos desses desaparecidos forjados, ouvimos os duros relatos de ex-presos que sobreviveram aos horrores, mas trazem na alma, e muitas vezes nos corpos, as cicatrizes profundas desse período – homens e mulheres de cabelos brancos, na faixa de 75 a 85 anos, alguns com problemas de saúde, voz enfraquecida, mas de uma firmeza inabalável.
Impossível não chorar diante de um relato como o da cineasta Lucia Murat, ao narrar as torturas e os abusos sexuais com que tentaram submetê-la e quebrar o seu ânimo; a violência sexual é um dos mais asquerosos e mais usados instrumentos de tortura contra as mulheres. Impossível não sentir a dor e a indignação diante do relato do jornalista Álvaro Caldas, duas vezes preso naquele mesmo DOI-Codi, sendo a primeira por dois anos; nas duas vezes, barbaramente torturado.
Cada depoimento, ainda que doído, vai formando um único mosaico de luta, resistência e determinação, que nem a tortura, nem os atos mais imundos, nem o passar dos anos conseguem abalar. Essas mulheres e homens de cabeças brancas e olhares firmes merecem a Memória, a Verdade e a Justiça, os seus familiares merecem, o país merece, para que se possa construir uma Democracia sólida, justa e fraterna.
Mas essa é apenas uma ponta do enorme iceberg que trombou no Brasil de 1964 a 1985. Precisamos conhecer a história do genocídio dos povos indígenas, com mais de 8.350 mortes nos 21 anos da ditadura. Precisamos conhecer os massacres dos povos camponeses e a expansão dos grandes latifúndios, a expansão dos esquadrões da morte policiais e das políticas racistas, os desaparecimentos de pessoas em situação de rua, o desmantelamento de sindicatos, a censura à arte e à cultura... Muitas das chagas que sofremos hoje têm raízes históricas, inclusive no 1º de abril de 1964. É preciso olhar para elas, conhecê-las, mostrá-las e ressignificá-las.
Não se trata de revanchismo ou vingança. Trata-se de dar ao Brasil o direito à sua História, com agá maiúsculo, para que as páginas que nos cobrem de vergonha como Nação jamais se repitam.
Muito menos se trata de macular a instituição das Forças Armadas, até porque é um erro pensar que o golpe de 1964 foi um movimento exclusivamente militar. Não, aquela foi uma ação da extrema direita, reunindo empresários, militares, religiosos e políticos civis alinhados com o extremismo fascista e financiados, em grande parte, pelo governo dos Estados Unidos.
Mas é preciso lembrar que milhares de militares se opuseram ao golpe; mais de 6,5 mil oficiais e praças foram presos, perseguidos ou torturados e assassinados pela ditadura de 1964. Entre eles, o Marechal, posto mais alta da hierarquia militar, Henrique Teixeira Lott.
Um dos primeiros presos de 1964, ainda em 1º de abril, foi o brigadeiro e herói Rui Moreira Lima, deposto do comando da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. preso, aposentado compulsoriamente e que teve a família perseguida.
“O Brasil ainda não conhece a sua história”, disse o Tenente Coronel reformado Avelino Iost, aos 88 anos de idade. Em 4 de abril de 1964, ele era tenente da Força Aérea Brasileira e estava de serviço na 5ª Zona Aérea da Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul, quando ouviu estampidos. Naquele sábado, o tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro foi morto a tiros e Iost foi preso, logo em seguida.
Ao instalar a Comissão da Verdade, desdobrada em Comissões estaduais, a presidenta Dilma Rousseff deu o primeiro passo para contar o que a nossa História ainda não conta. É preciso retomar o caminho.
Em memória do Tenente Coronel Avelino Iost, que faleceu em junho de 2018, e de todos os milhares de cassados, perseguidos, exilados, demitidos, presos, torturados e assassinados pela ditadura, devemos reabrir as portas das ações de Memória, Verdade e Justiça, para o Brasil finalmente conhecer e pacificar a sua História.
Deputado federal Reimont (PT/RJ)
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