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    Rubinho Giaquinto

    Ex-covereador da ColetivA-BH, guitarrista, escritor e professor. Graduado em Licenciatura Educação Musical (UEMG). Foi assessor da Coordenadoria para Assuntos da Comunidade Negra da Secretaria Municipal de Direitos de Cidadania de Belo Horizonte. Coordenou o “Movimento dos Sem Palco”, articulando artistas do Hip-hop, rock, literatura e samba da periferia de Belo Horizonte. Coordenador dos Fóruns Pró-Trabalho na questão racial, pessoas com Deficiência e Juventude do Ministério do Trabalho.

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    A mãe

    "A mãe começou a observar as reuniões do filho e seus amigos. Um dia, ouviu um discurso que a fez chorar e entender por que sua vida sempre foi muito dura"

    (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

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    Ela era calada. Com um olhar fixo no horizonte. Confiava pouco nas pessoas. Não conhecia seu filho direito. Conhecia mais o filho da patroa. A vida dura de babá dos grã-finos não permitia que pudesse ter uma vida mais alegre e participativa com o próprio filho. O ar pesado daquela mansão se impregnava na sua roupa. Sempre quando podia, passava no supermercado Grilo na Avenida Paraná ou numa loja popular chamada “Amigão” e saía cheia de sacolas. O frango de domingo não faltava na mesa dos Ferreira de Souza.

    Sua vida sempre foi um tédio, até a morte do marido. Ele era um homem autoritário, rude e bebia muito. A vida dela era casa e trabalho, trabalho e casa. Restaram agora na casa apenas ela e o filho. Eram estranhos um para o outro. Ele nem sabia qual o prato predileto da mãe. Ela nem sabia ao certo seu time de coração. Uma relação quase desconhecida: falavam pouco e quase não se viam. Isso durante quase duas décadas. Ela trazia uma tristeza enorme por causa disso, mas tinha no fundo um grande amor e um orgulho muito grande por ele. Ele era estudioso e trabalhador. Ajudava todo mundo da quebrada também. Um boa gente!

    Um dia, indo pegar ônibus juntos na quebrada, a mãe pergunta o que o filho tanto lê e por que tanto se reúne com outros jovens. Surge aí o primeiro vínculo entre os dois. Mãe, leio livros que contam a nossa história. Nossas vidas. Nosso jeito de falar. Contam por que somos explorados, pobres e desvalidos. Livros que falam que podemos ter outra vida. Uma vida melhor pra todo mundo da nossa quebrada. Aliás, para todas as quebradas.

    A mãe começou a observar as reuniões do filho e seus amigos. Começou a escutar, atrás da porta, e gostar do que ouvia. Depois pegava escondida os livros para ler também. Aquilo mudou também a vida dela. Sua vida começou a ter mais colorido e sorrisos. Ria sozinha. Começou a pintar o cabelo, fazer unha e comprou roupas novas e mais modernas e coloridas. Pegou um dinheiro na poupança e reformou a casa.

    Um dia, ouviu um discurso que a fez chorar e entender por que sua vida sempre foi muito dura, sem tempo e dinheiro contado:

    Nós, gente das quebradas e trabalhadores (as), temos que nos unir para transformar a vida do nosso povo para melhor. Temos direito à felicidade, a ter uma casa, estudar, ter bons médicos e fazer nosso churrasco na laje. É verdade que não sabemos nos exprimir; temos vergonha, porque compreendemos, mas não sabemos dizer o que compreendemos. E muitas vezes, por causa desse embaraço, revoltámo-nos contra nós mesmos. Temos que nos amar. Ficar mais juntos. A riqueza é partida desigualmente. Enquanto o 1% fica com quase todo o bolo, o resto, que é 99% da população, fica com uma fatia pequena. Temos que mudar o mundo! E acabar com tanta desigualdade.

    Essas palavras entraram como uma flecha no seu coração. Sentia mais orgulho ainda do filho. Mas ela sentia medo de o filho ser assassinado ou preso, por ser um lutador do povo, um rebelde, um comunista. No prédio onde trabalhava, as pessoas ricas odiavam esse tipo de gente. Ela ouvia quando passeava com os cachorros e os filhos dos patrões na área de lazer do prédio. Os ricos falavam:

    - Esse povo comunista tem que morrer ou ser preso. Povo baderneiro, preguiçoso. Nossa bandeira nunca vai ser vermelha!

    E os amigos do filho e seu filho andavam quase sempre de camisa vermelha ou camisa de time. Ele era torcedor do Galo Mineiro.

    E cada vez mais, o filho ia ficando conhecido na cidade e famoso. Seus discursos eram inflamados e contagiavam toda a classe operária. Ela também já era uma quase comunista. Até dentro do ônibus estava fazendo discurso pelo preço da passagem e as condições precárias do ônibus. Gritava dentro do ônibus:

    - Nada vai mudar se não reivindicarmos e nos unirmos. Esses ônibus estão com as passagens pela hora da morte de tão caras. Há um grande levante popular na cidade. Seu filho é um dos que organizaram o ato contra o aumento dos preços de alimentos, gás, luz. Supermercados são saqueados. Bancos são invadidos e quebrados. O levante popular assusta a burguesia da cidade. Logo colocam a polícia na captura dos militantes. Sua casa é a primeira a ser invadida pela polícia. Ela sabe que o futuro do filho é a prisão. O filho é preso por ser um dos líderes do ato contra o aumento dos alimentos, agua, luz, gás e a passagem do ônibus.

    A mãe, amadurecida e transformada com as leituras às escondidas e as ouvidas atrás da porta, engaja-se na luta, vai para frente da delegacia e organiza um acampamento de resistência contra as prisões ilegais.

    O filho é solto e logo inicia os preparativos para o dia do trabalhador (a). A manifestação reúne uma multidão pela cidade. Seu filho estimula o crescimento do levante popular: “Salve, camaradas e povo trabalhador! Não morreremos de fome. Vamos à luta! De pé, ó vítimas da fome! ”

    A multidão se dispersa diante da “onda cinzenta de soldados armados”. Muita violência e a prisão dos líderes, entre eles o filho. Ouve-se um tiro. A cidade toda fica em silêncio. O tiro é certeiro. Matam seu filho. Ela se desespera. Chora. Faz um discurso que inflama mais ainda toda a cidade. A cidade está num processo revolucionário. Ninguém arreda o pé do local. Pegam o corpo do filho. Vão em direção ao palácio para depor o representante da elite local. A cidade vira exemplo para o país todo. O país entra num processo revolucionário. A centelha da mãe está lançada.

    Ela é pega, humilhada e espancada. A cidade vira um mar de sangue. A cena inflama as mães de todo o país a irem para as ruas. Há um levante popular de mães. Soldados armados ficam atônitos. Como vão bater nas próprias mães? A burguesia da cidade não acredita no que vê.

    Ligam para o Pentágono. Precisam da ajuda dos americanos. Logo chegam com seu exército rico e poderoso. Massacram as mães nas praças e ruas.

    Uma mãe revolucionou um país. Não deu certo. O país piorou. Um filhote de ditador subiu ao poder. O jogo não acabou. A ideia de uma mãe continua a todo vapor. Camisa 10 joga bola até na chuva. Imagina uma Mãe!?! A multidão vai cantando:

    “Apesar de você
    Amanhã há de ser
    Outro dia
    Eu pergunto a você
    Onde vai se esconder
    Da enorme euforia
    Como vai proibir
    Quando o galo insistir
    Em cantar
    Água nova brotando
    E a gente se amando
    Sem parar”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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