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Cristiano Addario de Abreu

Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

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A memória como farsa e o presente como fraude: o ultraliberalismo de Roberto Campos e a tecnicalidade do político Campos Neto

A tecnicalidade do Sr. Roberto Campos Neto é uma fraude vendida pela mídia oligopólica para legitimar o roubo social dos juros nas alturas

Jair Bolsonaro e Roberto Campos Neto (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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“Who controls the past controls the future: who controls the present controls the past" - George Orwell 1984

Ocorre no Brasil desde o final de junho de 2024 um verdadeiro ataque especulativo contra o Real. A moeda brasileira sofre uma desvalorização induzida pelo ainda presidente do Banco Central: o funcionário do Estado brasileiro, que deveria defender a moeda soberana do Brasil, trabalha politicamente para induzir uma crise cambial no país. Este é o resultado da tão arrotada “independência do Banco Central”... Independência de uma instituição estatal brasileira apenas das forças políticas legítimas da república, para que tal instituição seja instrumentalizada privadamente pela oligarquia financeira. Eis o que significa “independência do Banco Central”. Como na novilíngua, do 1984, as palavras no mundo estruturalmente desonesto do neoliberalismo (gerontoliberalismo: https://gmarx.fflch.usp.br/boletim-ano2-09 ) significam cada vez o contrário das coisas reais que fingem nomear.

A desonestidade material é calcada na desonestidade intelectual, e as próprias palavras são vitimadas neste processo. O neoliberalismo é um edifício intelectual para privatizar histericamente os ganhos, socializando perversamente todos os custos. O capitalismo, dirão muitos, sempre foi isso, mas como diria o velho Marx a quantidade influi na qualidade, e como diria Braudel, a temporalidade também influi na qualidade: assim o nível de malignidade da insistência no desnivelamento dos custos e ganhos sociais, partilhados e concentrados, tornam-se pornográficos nessa continuidade concentracionista em plena terceira década do século XXI. O tempo e o volume tornam a obsessão neoliberal(gerontoliberal) em concentrar lucros, sem nenhuma contrapartida, cada vez mais insustentavelmente criminosa.

Enquanto todas as forças civilizatórias do mundo defendem uma reversão da concentração de renda (vide Piketty, mesmo relatórios da ONU, e até o Papa), as forças corruptas (não há outro adjetivo) do neoliberalismo (gerontoliberalismo) defendem sua obsessão pelo fim da história.

Desonestidade intelectual fundamentando a corrupção econômica

Coerentes com sua desonestidade intelectual, os profetas da necrofilia histórica odeiam as transformações, odeiam qualquer evolução das dinâmicas humanas e sociais, odeiam assim a história: querem a distopia de matar a história. Em sua obsessão fanatizada pelas regras dedutivistas em economia, buscando matematizar a ciência social aplicada que é a economia (pode-se dizer: ciência moral), tentando criar uma doutrinação ultra dedutivista, que assim nega qualquer dimensão indutiva da ciência econômica. Logo, de forma anticientífica, insistem numa mistificação a-histórica, de uma ciência feita apenas de raciocínios “lógicos”, regras teóricas “perfeitas”, desprovida de indutivismo, experimentalismo, confirmação prática.

Chutando não apenas a escada da memória, mas chutando mesmo Galileu, e toda e qualquer metodologia científica básica, buscam criar o Frankenstein de uma “ciência” social feita apenas de dimensões dedutivas, desprovida de indutivismo. Logo, são anticientíficos na base de sua doutrinação ultraliberal: eles é que são ultra ideológicos, mistificadores, e desonestos intelectualmente, coisa que eles mesmos acusam as esquerdas. Desde os anos 1980 que o neoliberalismo criou para si uma torre de mistificações, como uma neoescolástica sagrada, uma doutrinação mistificadora e fanatizada, pois suas premissas não podem ser confrontadas aos fatos: sua teoria é perfeita e os fatos históricos que se adequem... No limite: que se “reescreva” os fatos!

A invenção do Roberto Campos neoliberal

Pois foi justamente neste ocaso dos anos 1980 e nos anos 1990, que a mídia coorporativa, com a ajuda decidida do próprio personagem, criou o Roberto Campos “neoliberal”, ultraliberal, com o consentimento vaidoso dele mesmo. Pois foi então que essa mídia, e o próprio Roberto Campos (o original: o avô) reinventaram a história, falsificando os fatos históricos, e defenderam em todas as linhas publicadas na mídia que o Roberto Campos sempre fora um ultraliberal em economia. O que não se sustenta nos fatos históricos.

Neste final dos anos 1980 e 1990 o economista Roberto Campos já estava afastado da vida pública, vivendo como um intelectual na imprensa e em outros círculos, mas não ocupando cargos públicos mais. Então fez-se essa reinvenção da memória sobre o Roberto Campos (o original): de que ele era, e sempre teria sido, um ultraliberal. Mas tal acusação não se sustenta nos fatos históricos: Roberto Campos ocupou vários cargos na carreira pública brasileira, tendo sido membro da assessoria econômica de Getúlio Vargas em seu governo 1950-54, tendo trabalho na formulação da Petrobrás, foi presidente do BNDE (de onde indicou Celso Furtado para a CEPAL), participou do histórico Plano de Metas de JK. Compondo um histórico de participante ativo no aparato estatal brasileiro durante seu período histórico desenvolvimentista.

Após o golpe de 1964, Roberto Campos foi ministro do Planejamento de Castelo Branco, sendo o artífice da reforma que leva seu nome: reforma Campos e Bulhões, em referência aos ministros da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, e o do Planejamento então, Roberto Campos. Dirão muitos que essa reforma seria o cúmulo liberalizante, com a liberalização de remessas de lucro ao estrangeiro (a Lei de 1962, do gov. Goulart, fixava o teto de 10% de remessas das empresas estrangeiras), e a feitura de um arrocho salarial. Mas a elaboração deste Paeg (Plano de Ação Econômica do Governo), foi um plano feito de arrocho salarial, e liberalização das remessas de lucro, mas que não promoveu uma onda geral de privatizações das empresas públicas: tal sanha privatista (core do neoliberalismo) não estava naquele cardápio das reformas que levam o nome de Roberto Campos, liberalizantes para o contexto, mas que não foram ultraliberais se comparadas com a narrativa histericamente privatista da turma dos bolsonaristas do Roberto Campos Neto de hoje em dia.

O Roberto Campos, o original, não fez uma onda de privatizações desmedida, mas até modernizou as estatais existentes, usando-as como alicerce para dividir custos e financiamentos para o capitalismo industrial em evolução do Brasil de então. Roberto campos enquanto homem público não foi um ultraliberal mistificador ideológico, foi um liberal pragmático, sem nunca negar o setor público no processo econômico e social geral. Mas a memória como farsa praticada pela mídia coorporativa cria a farsa de que ele sempre foi o ultraliberal, como ele foi na imprensa dos anos 1990... Mas enquanto ele foi um funcionário público do Brasil, ele não foi esse ultraliberal imaginário: isso é uma memória enquanto farsa.

O Roberto Campos Neto: farsa da farsa, é o herdeiro da memória farsesca de seu avô, não da memória real

Na república mitômana bolsonarista, a mentira é uma bola de neve que não encontra limites. Como sempre ocorre com quem começa a mentir, a mentira só se arrasta no tempo com a construção de mentiras cada vez maiores: com os mentirosos convictos, mitômanos, como são os bolsonaristas, a mentira precisa ser aumentada como um cogumelo fantasioso, para o qual o céu é o limite. Como diz a deputada bolsonarista Bia Kicis “mentira não é crime”... Isso ela diz no Parlamento do Brasil. Curioso como esses adultos infantilizados do bolsonarismo arrotam tanto que admiram absurdamente os EUA, mas não conhecem NADA sobre a cultura política dos EUA referente a mentir em público, em exercício de mandato, em tribunais... Realmente admiram um EUA imaginário, fantasioso, como é a cabeça idiotizada dessa ralé, que já chegou ao poder no Brasil, que são os bolsonaristas. Pois é com essa turma imunda com quem chafurda o Neto do Roberto Campos: a alcateia bolsonarista dos que mentem, mentem, e depois mentem mais.

Roberto Campos, o original, participou da comissão brasileira da Conferência de Bretton Woods (1944). O autor do presente texto pode incorrer em algum romantismo fantasioso também, mas defendo que havia naquela direita alguma pudência política e social, algum limite naquela geração de Roberto Campos, que não existe mais na direita brasileira da geração do Campos Neto: Roberto Campos viveu seu auge como homem público num mundo que se reconstruída da catástrofe do nazi-fascismo (Bretton Woods), assim a direita em seu tempo tinha padrões e limites civilizatórios. Padrões estes hoje cada vez mais destruídos pela direita da geração do Campos Neto, com ele sendo participante ativo dessa regressão geral.

Em 1944 Bretton Woods era uma conferência internacional para refundar o sistema monetário internacional, presidida pelo Lorde John M. Keynes, para salvarem o capitalismo dele mesmo. Não era presidida por nenhum tio patinhas, mas pelo liberal reformista (sempre filiado ao finado partido whig inglês) John M. Keynes. Como diria Milton Friedman nos 1970: “hoje somos todos keynesianos”, Roberto Campos em Bretton Woods em 1944 antecipou isso em sua trajetória na vida pública, confirmando um caminho liberal consequente na prática. Negada pela memória que hiperboliza no Roberto Campos, o original, como um seguidor de um ultraliberalismo de botequim, que é o ultraliberalismo de botequim seguido pelo Roberto Campos enquanto farsa da farsa: que é o Sr. Roberto Campos Neto.

É realmente curioso ver a mistificação “técnica” que a mídia oligopólica coorporativa incensa Campos Neto (a farsa da farsa): ele seria um profissional “técnico” na presidência do Banco Central (BC), produzindo decisões “técnicas” no cargo. Mas fazer jantares com governadores bolsonaristas (oposicionistas ao governo federal do BC que ele preside), não reagir ao ataque especulativo contra o Real vendendo dólares (como ele fez para defender a moeda sob seu presidente bolsonaro), todo o histórico comparativo de Campos Neto sob bolsonaro e sob Lula confirma, empiricamente, confirma sob métodos indutivos, que o comportamento do funcionário público Roberto Campos Neto é político/econômico, nada técnico. Ele trabalha politicamente para o projeto ultraliberal do bolsonarismo, e sobretudo, trabalha economicamente para a lucratividade improdutiva de poucos, com uma ultra financeirização da economia brasileira, transferindo riquezas aos rentistas em detrimento do mundo produtivo.

De técnico isso não tem nem um parafuso: a tecnicalidade do sr Roberto Campos Neto é uma fraude vendida pela mídia oligopólica, para legitimar o roubo social dos juros nas alturas, a segunda maior taxa de juros do mundo (algo totalmente injustificado tecnicamente, cientificamente), mantida pelo Roberto Campos Neto, o farsesco bolsonarista, contra qualquer noção científica em economia minimamente válida.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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