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    Paulo Sérgio Pinheiro

    Professor aposentado de ciência política na USP e ex-ministro dos Direitos Humanos. Autor, entre outros livros, de Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935 (Companhia das Letras)

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    A militância profética do Padre Agostinho

    "Todos que tentamos acompanhar suas ações incansáveis de resistência à injustiça e ao arbítrio temos, com o muito querido aniversariante, nos seus 90 anos, uma dívida incomensurável", escreve o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro

    Membros da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos (Foto: Reprodução/A Terra é Redonda)

    Por Paulo Sérgio Pinheiro 

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    Formado em direito, Marcelo Duarte de Oliveira, tornou-se o Padre Agostinho quando foi ordenado em 1967, como monge beneditino olivetano, na ordem religiosa de Nossa Senhora do Monte Oliveto, fundada por São Bernardo Tolomei, no século XIV, em Siena.

    Em janeiro de 1969, passou a prestar auxílio religioso aos detentos no presídio Tiradentes, em S. Paulo, descobrindo as torturas que ali eram realizadas. Pode assim confirmar que o Esquadrão da Morte, o grupo de extermínio comandado pelo delegado Fleury, retirava presos das celas à noite para executá-los. Durante suas visitas, obteve, com os policiais, lista dos detentos que saíam do presídio para jamais voltar.

    Perseguido pelo Esquadrão da Morte, ficou escondido por três meses no Palácio Episcopal, da Arquidiocese de São Paulo: “Se me pegassem, certamente seria morto”, declarou em uma sessão da Comissão da Verdade. Depois de 1970, tornou-se uma das principais testemunhas do inquérito sobre o Esquadrão da Morte desenvolvido pelo então procurador Hélio Bicudo, que enfrentou a resistência dos governos estadual e federal, e também sem o apoio do Ministério Público paulista.

    Conheci Agostinho quando me convidou para uma palestra no Centro de Direitos Humanos de Osasco, que ele dirigia. Fundado em 1977 durante a ditadura militar, foi o primeiro a ser criado em São Paulo e o segundo no Brasil. Desde 1976 até 1982, Agostinho foi coordenador nacional da Pastoral Carcerária, graças ao apoio do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, novo arcebispo da Diocese de São Paulo.

    Em 9 de janeiro de 1983, seis pacientes tentaram fugir do Manicômio Judiciário Franco da Rocha, em São Paulo, e fizeram de reféns dois servidores da instituição. Os dois foram assassinados, juntamente com um desses funcionários, por policiais militares da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). Na manhã de 13 de janeiro, lembro-me de ter ido, junto com o ex-ministro e futuro senador Severo Gomes, encontrar o padre Agostinho na Igreja Nossa Senhora da Mãe da Igreja, no Jardim Paulista, onde ele atuava, para irmos juntos ao Manicômio.

    Nem ele, nem nós, sabíamos que aquela visita, e a seguinte, à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, seriam os atos fundadores da futura Comissão Teotônio Vilela (CTV) de Direitos Humanos, composta também por Antonio Candido, Fernando Gabeira, Eduardo Suplicy, Fernando Millan, Hélio Bicudo, João Baptista Breda, José Gregori, Margarida Genevois. Agostinho era o imã que interligava todos esses membros, e os que se seguiram, tão diversos, nos trinta anos de atuação da CTV.

    Como o próprio Agostinho escreveu em 2003, em um depoimento por ocasião dos 20 anos da CTV: “Nenhum de nós deve ter saído ileso, depois de ter visitado e mergulhado no submundo das prisões – sejam cadeia, penitenciárias, Febems, manicômios etc. Ninguém é ingênuo depois de ter transitado no meio de torturados e torturadores, onde os supostos criminosos de ontem são as vítimas de hoje. Não há ilusão quando se fala de sociedade justa com polícia arbitrária, truculenta e corrupta. As violações contra a integridade física, psicológica, moral e espiritual também nos atingem, como participes da grande família humana”.

    Agostinho até hoje continua a atuar junto aos sobreviventes atingidos pela repressão e pelo abandono do Estado democrático, como os presos, suas famílias, moradores de rua, pobres miseráveis, crianças e adolescentes internados. É implacável, consistentemente incansável, na defesa dos sem direito junto às autoridades em todas as instâncias. Apela a quem for preciso para denunciar violações e obter justiça.

    Por toda sua longa vida de total dedicação aos sem-poder, Agostinho foi reconhecido por prêmios de inúmeras instituições. Em 1996, o Estado brasileiro, no governo Fernando Henrique, lhe concedeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Todos nos emocionamos nos cinquenta anos de sua ordenação, em 2017, quando ele celebrou junto com o Papa Francisco uma missa na Casa de Santa Marta, no Vaticano.

    Ativistas de direitos humanos, pesquisadores, professores, advogados, juízes, promotores, delegados de polícia, tantos de nós, novatos como eu quando o conheci, tivemos o privilégio de conviver com Agostinho, inspirados por sua militância profética na defesa dos direitos humanos. Todos que tentamos acompanhar suas ações incansáveis de resistência à injustiça e ao arbítrio temos, com o muito querido aniversariante, nos seus 90 anos, uma dívida incomensurável.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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