A noiva de Beirute e a explosão
A noiva não se pergunta se tem direito à felicidade quando tantas pessoas se despedaçam em torno e o seu país afunda. Longe dela no coração. Para que se perguntar um desconforto? Ela não é filósofa, da dura e ética filosofia, e portanto não sabe, nem quer saber que mais importante que a felicidade é ser digna da felicidade. Não
As notícias quiseram mostrar o absurdo da desgraça e da felicidade juntas:
“A grande explosão em Beirute, no Líbano, interrompeu o ensaio fotográfico de uma noiva em uma praça no centro da cidade. A tragédia já deixou ao menos 135 mortos e mais de 5.000 feridos.
Em um vídeo, a noiva Israa Seblani aparece sorrindo e com as mãos na cintura. A câmera se movimenta e mostra a cauda do vestido branco longo e um buquê de flores que está no chão sobre o véu”.
No vídeo, a noiva aparece aqui
https://www.youtube.com/watch?v=2R0FdA_925o
As imagens falam. Em Beirute, a noiva está linda, linda além do raro vestido. A beleza vem do seu rosto, do seu sorriso, da delícia do desfrute do seu sonhado instante. Dela vem um encanto pra gente, tanto por saber o que virá, quanto por vê-la só, alienada do sofrimento próximo. Mas é um encanto por onde passa uma nuvem no coração, sombra que parece cobrir a sua beleza. Então vem uma pergunta, quando refletimos sobre as suas imagens: em que pensava a linda noiva nos momentos antes de tudo?
Nela, parecia haver uma comunhão de êxtase que só a poesia e os transportes místicos conseguem. Um gozo, um prazer mais alto, um doce orgasmo antecipado. Mas como seria lícito e razoável esperar que a jovem sentisse o gosto doce e abrasante do amor, o chamado gosto alienante do amor, e como uma pessoa adivinhatória, ou um ser antecipado, gozasse as possibilidades apaixonantes, enquanto assim se encontra envolta na fortuna do seu lindo vestido?
A noiva não se pergunta se tem direito à felicidade quando tantas pessoas se despedaçam em torno e o seu país afunda. Longe dela no coração. Para que se perguntar um desconforto? Ela não é filósofa, da dura e ética filosofia, e portanto não sabe, nem quer saber que mais importante que a felicidade é ser digna da felicidade. Não. Enquanto venta uma alegria em Beirute, tudo, todo o futuro menos a filosofia.
Nas imagens, a sua felicidade até parece um modo retrato, daqueles no porta-retratos, em que só aparecem definidas as linhas do rosto até o pescoço. Tão contente de si. Mas a felicidade seria um produto, o seu vestido de noiva? Seria a satisfação de ser dona dessa coisa démodé, tão fora de época e dos costumes das mulheres que amam sem tais pétalas da alta-costura? Para ela, o vestido de noiva expressa apenas um marido, um lar e a felicidade. Apenas. E tudo em um casamento, ali, enquanto dá voltas ao rosto suave em Beirute.
Nessa vista do que ela poderia ser, estranhamos que o seu companheiro não se mostre aos olhos. Ela é como uma felicidade no seu próprio objeto, a mulher feliz com o marido que não se vê. Nós, silenciosos, acompanhamos como espectadores e a compreensão de que a felicidade é possível, mas como uma necessidade que faz do barro a forma do que manda o desejo. Branco, esvoaçante ao vento de Beirute. Ela não sabe, nem imagina que a felicidade dura menos que o esperado. Mas para que prever o golpe que virá? As previsões devem ser feitas para a realização do amor no futuro.
Prever, adivinhar, não estava no seu encanto. Em um mundo de guerra ela só deseja ser feliz. Nem que seja por instantes de felicidade. De repente, a explosão.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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