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    Renato Farac

    Engenheiro Florestal formado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ/USP). Membro do Comitê Central Nacional do Partido da Causa Operária (PCO)

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    A perigosa dissimulação dos EUA no conflito da Ucrânia

    EUA estimulam o conflito na Ucrânia ao mesmo tempo que dizem querer evitar a guerra

    (Foto: Sputnik/Stringer)

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    Renato Farac, DCO

    Na crise da Ucrânia o governo dos EUA, ao mesmo tempo em que fornece assistência militar ao governo de Kiev, faz um jogo dissimulado, de que estaria tentando ao máximo evitar o conflito. A política do governo de Joe Biden (econômica, política e militar), deve ser compreendida à luz da situação mundial de conjunto. Além de uma crise econômica extraordinária, o polo político que Biden representa está também em grande agonia. A crise em geral é muito grave, o mundo parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro colapso político e econômico, como poucas vezes se viu na história. Isso explica a agressividade norte-americana na América Latina e na Ucrânia e Tawuan (neste caso, o mote de provocação dos chineses).

    A abordagem manipuladora da mídia comercial, e o olhar superficial do problema, levam à conclusão que é a Rússia que está ameaçando violar a soberania de um país vizinho, que estaria agredindo as normas democráticas, e assim por diante. Mas são os norte-americanos que estão colocando em prática a sua habitual política de provocação. A atitude agressiva é dos Estados Unidos, que ameaça uma região que faz parte da zona de defesa da Rússia. Tem um dado muito simples que ajuda a entender o fenômeno: enquanto o orçamento militar da Rússia é apenas o nono do mundo (US$ 65 milhões), o dos EUA é o primeiro, chegando a US$ 768 bilhões. Esse orçamento, equivalente a mais de 12 vezes o da Rússia, é superior aos orçamentos militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos.

    Os norte-americanos não estão protegendo a Ucrânia (pelo contrário, podem incendiar o país), mas defendem exclusivamente seu interesse de atiçar a Rússia, que se tornou um problema para suas pretensões imperialistas. Estão fazendo de tudo para ocorrer uma invasão na Ucrânia, o que justificaria as retaliações, como um bloqueio econômico e outras formas. Até o momento a ajuda financeira que os EUA disponibilizaram à Ucrânia, como dos demais países da Otan, não deve fazer muita diferença, numa eventual guerra com os russos.  A Rússia, apesar de ter um orçamento militar que representa uma fração do orçamento estadunidense, consegue fazer muito com poucos recursos, conforme nos mostram os especialistas. O país venceu todas as guerras recentes que participou: Geórgia, Ucrânia, Síria. Como potência regional que é, dispõe de forças armadas muito eficientes, com equipamento modernos e grande atualização tecnológica. Uma outra questão, é que o governo russo tem bem definido o que quer com suas forças armadas, o que permite um correto planejamento estratégico e constância de propósitos.

    Por outro lado, apesar do robusto orçamento de guerra, a experiência recente dos EUA nessa área não é nada positiva. As forças armadas do país, apesar dos trilhões de dólares torrados na guerra, foram escorraçados do Afeganistão em agosto de 2021, por um exército minoritário, que não tem aviões de combate, destroieres, não tem mísseis, não dispõe de helicópteros. Os norte-americanos foram derrotados por um exército equipado com metralhadoras manuais e algumas caminhonetes, a grande maioria arrancadas do inimigo. Esse acontecimento foi muito desmoralizante para os EUA e está entre as maiores derrotas militares que o país já sofreu em sua história. No caso da Ucrânia a própria credibilidade dos EUA enquanto potência militar está correndo risco. Para os russos o conflito não interessa, a começar pelos custos altíssimos da guerra moderna. Mas é muito difícil recuar, caso a Ucrânia ingressar na Otan, porque, de fato, isso colocaria em risco a segurança do país. Não se trata de jogo de cena, é uma questão real de segurança.

    O decisivo, o pano de fundo da questão, é o esforço dos EUA para recuperar o terreno perdido no cenário internacional. O país perdeu muitas posições importantes nos últimos anos, como na Síria e na derrota no Afeganistão.  Tenta agora se recuperar, mas de forma meio atabalhoada, desorganizada. Isso fica evidente até pela coordenação que fazem do processo, que mais provoca cizânia entre os aliados, do que unidade política. A capacidade militar dos russos é muito superior à da Ucrânia, a tendência é um enfrentamento direto ser vencido com relativa facilidade pelos russos. Por outro lado, dificilmente os países da Otan entrarão diretamente na guerra, com soldados próprios, em função do problema político que isso acarretaria em seus países. Na Europa (assim como nos EUA), é muito impopular gastar dinheiro, e mais ainda sacrificar vidas humanas com uma guerra, que ademais, interessa essencialmente ao Estados Unidos.

    Biden também já sofre oposição interna em relação ao assunto. Está sendo acusado de estar mais preocupado com a crise ucraniana do que com o aumento da migração na fronteira Sul dos Estados Unidos. Recentemente um congressista do Arizona, estado fronteiriço com o México, Paul Gosar, reclamou: “A Ucrânia está a mais de 8.000 quilômetros de distância. Os crimes violentos e as drogas perigosas estão atravessando os quintais dos meus eleitores”. Mas também dentro do partido do presidente da república cresce a oposição a ação dos EUA na Ucrânia. De fato, é muito chamativo que um país com milhões de pessoas em insegurança alimentar e 500 mil pessoas em situação de rua, invista tanto dinheiro e energia governamental com as fronteiras da Rússia.

    A posição dos EUA no conflito, convenhamos, é de um cinisco completo. Não aceitam a argumentação da Rússia de que a Ucrânia na Otan colocaria sua segurança em risco, mas, há décadas operam um embargo econômico criminoso à Cuba, que impõe tremendas dificuldades à população, simplesmente pelo país do Caribe ser altivo e soberano. Vamos lembrar da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, se assemelha à crise da Ucrânia, ainda que com sinal invertido. Como resposta à fracassada invasão da Baía dos Porcos, ocorrida no ano anterior, e à existência de mísseis balísticos estadunidenses na Itália e Turquia, o primeiro ministro Nikita Khrushchev atendeu o pedido de Cuba para colocar mísseis nucleares em seu território, visando deter uma eventual nova invasão estadunidense. Quando o governo norte-americano confirmou a informação, através de espionagem, estabeleceram imediatamente um bloqueio militar para evitar que novos mísseis entrassem em Cuba e anunciou que não permitiria que armas ofensivas fossem levadas à Cuba. Exigiu, além disso, que as armas já entregues fossem desmontadas e levadas de volta à URSS. Imaginem se o México, que, como a Ucrânia em relação à Rússia, possui uma longa fronteira com os Estados Unidos, aderisse a uma aliança militar com Rússia e China e se propusesse a abrigar armamento militar de última geração. A política externa, e o conceito de soberania nacional, não pode se basear em conceitos morais abstratos, e sim em fatos políticos concretos.

    Se a Rússia, em algum momento, invadir a Ucrânia, vai ficar muito evidente os limites da ajuda dos países da OTAN ao país. Exceto se a situação se deteriorar muito (claro, isso pode acontecer), é impensável EUA, Inglaterra, França e Itália enviarem tropas próprias para combater na Ucrânia. Analisado o problema de forma abstrata, é certo que os países imperialistas têm a capacidade de realizar uma guerra com a Rússia. Os EUA dispõem de muito armamento e contaria com boa parte do bloco imperialista na empreitada. A indústria da guerra tem muito dinheiro, inclusive, para fazer as populações aceitarem os gastos e o advento da guerra, como comprova o orçamento militar dos EUA (que, bem ou mal, a população engole). Mas existem muitos problemas, de outras ordens na Ucrânia. Cerca de quase 30% da população ucraniana é russa, portanto, deverá apoiar o seu país. Os países da OTAN estão divididos em relação às sanções contra a Rússia, porque sabem que uma guerra de provocação é muito impopular.

    Um dos aspectos que divide os países da Europa é o problema do fornecimento de gás russo, vital para boa parte dos países. Por exemplo, a Alemanha se recusou em fornecer armas à Ucrânia e boa parte dessa iniciativa decorreu da dependência que o país tem do gás russo, cerca de 40% de todo o produto utilizado no país. Mas, no caso de uma guerra, a tendência é toda a Europa sofrer muito com a redução da oferta de gás. Com o risco da guerra, o preço do barril de petróleo está em quase US$ 90 com tendência a aumentar. Claro que o gás é um problema para a Rússia também, pois suas receitas dependem muito das vendas para os países da Europa.

    A Rússia, assim como a China, não são países imperialistas. Não são países que tentam dominar o mundo, que é uma característica do imperialismo, mas potências regionais que procuram se manter enquanto tais. Esse fenômeno pode ser constatado até pelo número de bases militares que os EUA mantêm mundo afora, 742 espalhadas por cerca de 80 países e territórios, inclusive no Brasil, em Alcântara. Esta gentilmente cedida pelo “patriota” Bolsonaro ao Império. China e Rússia não têm nada disso. Neste momento em que os EUA procuram recuperar terreno perdido, potências regionais atrapalham os seus interesses, daí os conflitos da Ucrânia e Taiwan.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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