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    Sergio Amadeu

    Professor da Universidade Federal do ABC. Doutor em Ciência Política e pesquisador de redes digitais e tecnologias da informação

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    A plataforma Facebook

    "A democracia não deveria ser confundida com uma plutocracia. O capital não pode ser utilizado de modo ilimitado nas disputas eleitorais. É preciso coibir o poder econômico, principalmente quando quer agir com toda sua força, mas sem ser visto", escreve o professor da UFABC Sergio Amadeu da Silveira

    MBL e sua situação patética com o Facebook: mordendo a mão de quem os alimentou

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    Por Sergio Amadeu da Silveira

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    No dia 4 de outubro, um apagão sacudiu o planeta. Mexeu em diversas relações econômicas, prejudicou prestadores de serviços e diversas empresas deixaram de vender seus produtos. Familiares preocupados ficaram sem as últimas notícias de seus filhos e parentes. O acontecimento ganhou manchete dos jornais em todos os continentes. Um erro nas configurações dos roteadores internos que ligam os data centers das empresas de Zuckerberg deixou o Facebook, o Instagram e o WhatsApp desconectados da internet durante aproximadamente 7 horas.

    Mais que o apagão, considero extremamente preocupante o grau de intermediação que as empresas Facebook alcançaram nas interações cotidianas em nossa sociedade. Vazamentos de documentos internos do Facebook publicados pelo The Wall Street Journal mostram que a empresa de Zuckerberg realiza pesquisas sem o consentimento de seus usuários, privilegia o lucro à segurança das informações, prefere a espetacularização tóxica à proteção dos adolescentes, incentiva exageros e deu livre conduto a personalidades como Donald Trump enquanto bloqueava e reduzia conteúdos de outros. Gerenciada por sistemas algoritmos opacos, a plataforma Facebook e suas empresas atuam de modo prejudicial à democracia. Agem de modo autocrático.

    Aqui quero tratar mais apuradamente da relação desinformação com o aplicativo de mensagens instantâneas mais utilizado no país. Certamente até março de 2021 e provavelmente até o momento, muitas empresas utilizam WhatsApp Business para compartilhar arquivos de diversos formatos com seus funcionários e também para fazer promoções e distribuir publicidade aos seus clientes. A depender do nível de uso que a empresa ocupa na hierarquia do WhatsApp Business ela poderá enviar 1000 mensagens por dia para seus clientes, utilizando um disparador de mensagens em massa, como uma lista de transmissão. Dependendo da frequência de uso das listas de transmissão da empresa, o WhatsApp Business permitirá que ela amplie a sua possibilidade de disparos em massa. A camada seguinte a inicial garante disparos de 10.000 mensagens por dia e a posterior chega a 100 mil.

    Existem três problemas gravíssimos que essa situação pode gerar. Primeiro, os empresários ligados ao negacionismo e a desinformação podem utilizar seus cadastros de WhatsApp Business para distribuir mensagens enganosas, fatos inexistentes, descontextualizados a partir desse dispositivo que deveria ter apenas uso comercial. Segundo, qualquer integrante das milícias digitais ou qualquer pessoa contratada pelo “Gabinete do Ódio” pode comprar um chip e converter sua conta pessoal em conta do WhatsApp Business. Não é requerido CNPJ ou confirmação de que se trata de uma empresa ou uma declaração de que a conta do WhatsApp Business não será utilizada para fins políticos. Terceiro, qualquer membro do esquema de Steve Bannon poderá criar diversas contas no WhatsApp Business no exterior e realizar disparos para números de supostos “clientes” no Brasil.

    Apesar do WhatsApp afirmar claramente que não aceita esquemas de disparo em massa, ele permite esses disparos no WhatsApp Business e também não impede que uma série de empresas consigam explorar suas interfaces de programação o façam. Algumas dessas empresas insinuam em seus sites ter parcerias com a plataforma de mensagens instantâneas da empresa de Zuckerberg. Seguem alguns exemplos.

    A Enjay utiliza a API do WhatsApp para permitir o envio de mensagens conforme os termos e condições de uso do mensageiro. Todavia, o cliente da Enjay pode montar um cadastro gigantesco de números, segmentá-lo e enviar mensagens políticas e desinformativas. Basta ler as orientações no site da empresa para notar que a distribuição massiva de conteúdos desinformativos é relativamente fácil. Link da empresa: https://www.enjayworld.com/free-bulk-whatsapp-sender/

    O Wasender é uma plataforma que garante a distribuição massiva de mensagens personalizadas usando números de telefone em uma planilha de Excel, imagens com legenda, resposta automática, download de contatos, entre outras possibilidades. Ao entrar no site do Wasender é recebido com o slogan “Run WhatsApp Web on Steroids“. Link: https://wasender.com/

    A empresa indiana chamada Trueline Solutions garante diversos serviços via WhatsApp, entre eles o disparo massivo. Permite personalização dos conteúdos e diz não ter limite para atingir os clientes. A Trueline tem escrito no seu site: “Here, the user can find other various tools to verify and filter mobile numbers. Groups Contacts Grabber tool allows extracting all contacts from WhatsApp groups” (Em português: “Aqui, o usuário pode encontrar várias outras ferramentas para verificar e filtrar números de celulares. A ferramenta Groups Contacts Grabber permite extrair todos os contatos de grupos do WhatsApp”). Link: https://www.truelinesolution.com/bulk-whatsapp-marketing-software

    Existem inúmeras outras empresas que vendem dispositivos, plugins e softwares para extrair números do WhatsApp com o objetivo de realizar disparos massivos, segmentados e microssegmentados. Apesar na ênfase comercial e na prestação de serviços é nítido que o esquema da extrema direita o utiliza para viabilizar sua estratégia de desinformação. Nesse sentido, as instituições de defesa da democracia precisam atuar sobre esse cliente de mensagens instantâneas que permite atingir milhares de pessoas que podem ingenuamente ou conscientemente reproduzir conteúdos desinformativos. Em uma rede transnacional, repare que grande parte dos disparos massivos pode vir de fora do país.

    Para tentar evitar esse processo ou permitir que seja minimizado proponho: (1) Que seja proibido distribuir mensagens políticas pelo WhatsApp Business no ano eleitoral. O desrespeito a essa proibição deve implicar em sansões. (2) Que o WhatsApp Business exija das empresas que o utilizam uma declaração consciente e inequívoca (obviamente online) de que o aplicativo comercial não deve ser utilizado para finalidades políticas, nem para distribuir desinformação. (3) Seja declarado ilegal toda a venda de software, plugins e aplicativos que permitam disparos massivos no WhatsApp. A plataforma WhatsApp deveria ter 6 meses para criar uma solução automatizada que impeça essa distribuição massiva (exceto os dentro do WhatsApp Business que deve proibir o seu uso político). (4) Os mecanismos de busca (principalmente o Google) e outras mídias devem ser proibidas de veicular anúncios de venda de software, plugins, dispositivos quaisquer que prometam disparos massivos no WhatsApp, exceto no interior do WhatsApp Business. (5) O que vale para o WhatsApp deve valer para o Telegram e qualquer cliente de mensagens instantâneas.

    Obviamente, o bolsonarismo vai dizer que impedir o uso do WhatsApp Business para a política é uma violação da liberdade de expressão. Ocorre que só podemos aceitar disparos massivos em dutos não abertos se for para a venda de produtos e serviços. Não podemos aceitar a liberdade de enganar e desinformar, muito menos facilitar e proteger quem queria desqualificar o debate democrático. Além disso, a democracia não convive bem com a opacidade e com o obscuro. Por fim, a democracia não deveria ser confundida com uma plutocracia. O capital não pode ser utilizado de modo ilimitado nas disputas eleitorais. É preciso coibir o poder econômico, principalmente quando quer agir com toda sua força, mas sem ser visto.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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