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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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A política como empreendimento familiar

Senhoras e senhores, é o abismo que nos olha! E enquanto vejo como as democracias morrem, penso: o que Gabriel García Márquez faria com tudo isso?

Urna eletrônica (Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

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Terminado o primeiro turno das eleições 2024, ainda não consegui tirar da minha memória a imagem do adesivo do candidato de extrema direita grudado no carrinho do vendedor de milho verde às portas da minha seção de votação. Além disso, e da inundação de santinhos emporcalhando a cidade, outra coisa que chamou minha atenção no último dia 06/10 foi o semblante triste da maioria dos eleitores que passaram por mim. Na ida, pareciam caminhar para o patíbulo com o desestímulo tatuado na cara. Na volta, o ar de “missão cumprida” triste e desolador. 

Nos dias posteriores à votação, a mídia foi responsável por trazer os detalhes do pleito que elegeu uma diversidade de candidatos e candidatas, bem como a ratificação da manutenção do modus operandi das capitanias hereditárias, que ainda se mantém de forma selvagem na sociedade contemporânea. Em nível nacional, vimos o ex-presidente brasileiro assistir ao seu rebento mais jovem ser eleito vereador em Balneário Camboriú (SC). O primeiro emprego a gente nunca esquece! Assim, o ex-mandatário, esculachado em recente entrevista por aquele poderoso empresário da fé, tem filhos em quase todos os cargos políticos da República, com exceção da garotinha que ainda é menor de idade e não pode concorrer nas eleições deste ano. Mas como o tempo passa rápido, em breve ela estará na luta em defesa de Deus, pátria e família. E se eles chegaram lá, qualquer coach sabe, é porque mereceram. É porque se esforçaram. Ressalte-se que nenhum candidato da extrema direita reclamou das urnas eletrônicas, pois o mimimi só existe quando não se é eleito. Enfim, a hipocrisia!Li também que um deputado cearense conseguiu eleger um irmão prefeito e a própria filha como vice. Infelizmente, sua excelência não conseguiu eleger nem a namorada nem o outro irmão. Notícias desse tipo abasteceram os jornais nos dias seguintes às eleições, e foi por intermédio delas que também ficamos sabendo que um ex-prefeito de uma cidade a 24 quilômetros de Fortaleza, além de fazer seu sucessor, conseguiu que seu filho não apenas se reelegesse na cidade vizinha, a 32 quilômetros da capital, mas que sua nora também fosse eleita vereadora em Fortaleza. Não é preciso ser um gênio em estatísticas para perceber que a política brasileira se tornou um rentável, e cada vez mais próspero, empreendimento familiar, com membros da mesma família sendo eleitos prefeitos e vereadores em diferentes cidades. Quem não foi eleito agora não deve desanimar, pois 2026 já bate à porta. Imagino que se uma árvore genealógica fosse esboçada para que compreendêssemos como se dão tais relações de parentesco no espaço cordial da política brasileira, provavelmente teríamos uma árvore tão grande e complexa como aquela da família Buendía, que nos ajuda a entender quem é quem na narrativa Cem anos de solidão. Contudo, não foram esses “novatos” que transformaram a res publica (“coisa pública”, “coisa do povo”) em coisa privada. Basta uma olhada nas administrações antigas e recentes do país, para ver como isso se dá em Pernambuco, Bahia e em uma infinidade de cidades Brasil afora. Mudando de pau pra cacete, o que as notícias não disseram é que um novo elemento parece ter sido decisivo para as campanhas de muitos candidatos: o crime organizado. As chamadas facções podem ter eleito sua bancada. Uma bancada que ainda não ousa dizer seu nome, mas que já sussurra no breu das tocas da política brasileira.

Entre os disparates, absurdos e surpresas das eleições do dia 06/10, também aconteceram “coincidências”. No Ceará, por exemplo, em uma cidade a 221 quilômetros de Fortaleza, que já foi considerada uma das mais violenta do país, só houve um candidato a prefeito que, claro, se reelegeu. Dez pessoas se candidataram às nove vagas à Câmara Municipal. A população votou e elegeu nove delas, enquanto uma ficou na suplência. Todas as pessoas que concorreram às eleições na cidade em questão são do mesmo partido político. Oh, glória! Mas de tão surreal que é, contando quase ninguém acredita. E nesse caldeirão da política brasileira, o fanatismo religioso se tornou um ingrediente cada vez mais recorrente. E assim, de olho no rebanho que ora para pneu e procura alienígenas com celulares na cabeça, o candidato, derrotado nas eleições à Prefeitura de São Paulo, bradou: “Deus me chamou para ser presidente do Brasil”. Senhoras e senhores, é o abismo que nos olha! E enquanto vejo como as democracias morrem, penso: o que Gabriel García Márquez faria com tudo isso? 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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