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    Elias Jabbour

    Elias Jabbour, é doutor e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. É professor dos Programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) e em Ciências Econômicas (PPGCE) da UERJ. É autor de quatro livros e dezenas de artigos acadêmicos e de opinião sobre a China e o socialismo de mercado como uma nova formação econômico-social.

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    A posição chinesa, longe de ser de uma “neutralidade estratégica”, é um aviso

    A China de hoje não é mais aquele país que recebia capital estrangeiro e fazia engenharia reversa. Acabou o tempo do low profile

    Presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping (Foto: œЋ Xinhua)

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    Publicado originalmente na CartaCapital

    Compreender a posição chinesa no recente conflito ucraniano passa por perceber ao menos dois fatos marcam nossa época. O primeiro, relacionada à meteórica ascensão chinesa e o surgimento do que chamamos de uma “nova formação econômico-social”, centrada em uma imensa base produtiva e financeira públicas cujas lógicas de funcionamento escapam a qualquer teoria do desenvolvimento. O segundo acaba de ocorrer, mas que vem sendo desenhado desde o fim de 2021, quando a Rússia decidiu colocar seus próprios termos à mesa em relação ao destino da Ucrânia como última fronteira de expansão da OTAN.

    A combinação entre os dois fatos/fenômenos nos apresenta uma dupla desmoralização do Ocidente: a Covid-19 expôs os limites do capitalismo financeirizado frente à força do socialismo chinês; e a atual cartada russa marca a desmoralização política e militar dos EUA e, consequentemente da OTAN. Estaríamos, assim, diante de condições objetivas ao surgimento de um nova Paz Vestfália, inclusive já proposta pelas chancelarias russa e chinesa. No documento apresentado pelos dois países, fica evidente uma proposta à opinião pública de “refundação” do sistema internacional criado pelos europeus há quatro séculos.

    É no contexto desta carta que os chineses – pedindo cautela aos envolvidos e sugerindo distância aos EUA – se posicionam. Sem alardes, sem palavras de ordem. Apenas levando à reflexão do quão é inaceitável e sem lógica racional as ondas de expansão da Otan. Qual seria a reação da opinião pública internacional caso Rússia posicionasse mísseis e armas nucleares em direção à Washington, utilizando-se das fronteiras dos EUA com o México, Canadá ou reabrindo uma base militar em Cuba?

    E a ação militar russa. Ficamos entre a estática e a dinâmica. A estática é a preferência dos analistas e jornalistas ocidentais. Em dinâmica, a posição chinesa é no mínimo certeira. “Acredito que a operação militar da Rússia é uma reação de Moscou à pressão dos países ocidentais sobre a Rússia por um longo tempo”, disse Yang Jin, pesquisador associado do Instituto de Rússia, Europa Oriental, e Estudos da Ásia Central sob a Academia Chinesa de Ciências Sociais, ao jornal chinês Global Times na quinta-feira última.

    A chancelaria chinesa é ainda mais objetiva. Segundo sua porta-voz, “as preocupações legítimas de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e tratadas”. Há relatos de que Putin considera que a melhor solução é que a Ucrânia se recuse a aderir à OTAN e permaneça neutra. A opinião convergente não diz respeito somente ao caso ucraniano, mas também às constantes ameaças à soberania nacional chinesa impostas pela presença militar ocidental.

    A China de hoje não é mais aquele país que recebia capital estrangeiro e fazia engenharia reversa. Acabou o tempo do low profile. Na mesma proporção, os legítimos chineses interesses em matéria de segurança nacional tem sido violados pelos EUA. Taiwan continua se armando e sendo atiçada a declarar sua independência. Uma aliança militar foi formada por EUA, Austrália e Reino Unido para conter (sic) um tal de “expansionismo chinês”. Novamente a broma. É como se porta-aviões chineses estivessem passeando impunemente pelo golfo do México, mas ocorre o oposto. A China é constantemente provocada no estreito de Taiwan e no mar do sul da China.

    Após a completa derrota e desmoralização dos EUA no Oriente Médio, e com a China ocupando rapidamente o espaço econômico aberto pelo lastro de destruição deixado pelo “ocidente”, restou ao atlantismo uma jogada arriscada e nada inteligente: unir a China e a Rússia em um jogo que nada tinha a ver com a conveniência ideológica pós-1949, cujas fissuras foram muito bem contra a URSS. O movimento hoje é oposto. Uma união eurásica está sendo imposta de fora para dentro dos territórios russo e chinês.

    A posição chinesa, longe de ser de uma “neutralidade estratégica”, é um aviso. Se a ascensão chinesa em si já era o grande fato de nosso tempo, junta-se a ela o xeque-mate de Putin sobre os EUA e a OTAN. Uma nova história começa no mundo. Talvez uma nova Vestfália.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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