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    Adolfo Pérez Esquivel

    Ativista de direitos humanos argentino, Nobel da Paz de 1980

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    A primeira vítima da guerra é a verdade

    "Os meios hegemônicos de comunicação deformam a informação, censurando a liberdade de imprensa que dizem defender", escreve Pérez Esquivel

    Guerra na Ucrânia (Foto: Ukrainian Armed Forces)

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    Por Adolfo Pérez Esquivel 

    (Publicado no site A Terra é Redonda)

    O dramaturgo da antiga Grécia, Ésquilo, destacou que a primeira vítima da guerra é a verdade, hoje podemos vê-lo nos meios hegemônicos de comunicação que manipulam a informação através de mentiras e desinformação, procurando impor um pensamento único e a monocultura das mentes.

    A guerra entre Rússia e Ucrânia não é isolada, intervêm protagonistas que afirmam querer a paz, mas incentivam o conflito e tentam apagar o fogo com mais combustível. Enviam armas à Ucrânia e aplicam sanções econômicas contra a Rússia. A manipulação da informação é censura da liberdade de imprensa; temos que salvaguardar os jornalistas, homens e mulheres que arriscam suas vidas para informar sobre os fatos da guerra, mas os responsáveis pelos grandes meios hegemônicos de comunicação censuram a informação, são parte do sistema e responsáveis pelas mentiras.

    Não posso deixar de mencionar Julian Assange, preso numa prisão britânica com pedido de extradição aos EUA por revelar documentos do Departamento de Estado sobre as atrocidades cometidas no Iraque e no mundo. Tentam silenciar Julian e esconder a Verdade e os assassinatos de jornalistas em todo o mundo.

    Isto não é novidade, é uma longa história na vida da humanidade envolta em mentiras, mal-entendidos e esquecimentos intencionais. Precisamos da memória que nos ilumina o presente e saber que a primeira vítima da guerra é a verdade.

    Durante a guerra do Iraque, os EUA e seus aliados difundiram as mentiras de George Bush de que o Iraque possuía “armas de destruição em massa”, acompanhadas por uma grande campanha dos meios de comunicação hegemônicos do mundo, endossando a política com seu silêncio cúmplice e justificando a guerra.

    Em 12 de fevereiro de 1991, Mairead Corrigan Maguire, Prêmio Nobel da Paz da Irlanda do Norte, convidou-me para viajar ao Iraque numa missão humanitária. Devido ao bloqueio aéreo imposto pelos EUA, partiríamos por terra de Amã, na Jordânia, até Bagdá. Viajamos numa caminhonete com um carregamento simbólico de água, que valia mais do que ouro, pois a água em Bagdá estava contaminada pela radiação das bombas com urânio empobrecido. O objetivo era entregar o pequeno carregamento no Hospital Pediátrico. Tínhamos informações sobre a grave situação que médicos e médicas enfrentavam devido à falta de medicamentos e demais insumos.

    Quando chegamos a Bagdá, a pequena delegação, composta por Mairead, Padre John, jesuíta, membro do F.O.R. – Fellowship of Reconciliation –, dos EUA, uma jornalista da Grã-Bretanha e eu, foi recebida no hotel semi-destruído, carente de tudo. Descansamos da exaustiva viagem e no dia seguinte uma mulher muçulmana explicou-nos que tinha deixado o refúgio para lavar a roupa dos filhos, quando voltou, depois dos bombardeamentos, seus filhos já não estavam lá, tinham sido levados pela morte.

    Segundo a informação dos grandes meios de imprensa, duas bombas inteligentes tinham entrado pelo tubo de ventilação e destruído um bunker militar. A verdade é que destruíram e mataram mais de 500 crianças com suas mães, era um refúgio, segundo Vamveyda, mãe de Veyda. A primeira bomba matou muitas pessoas, a segunda entrou e elevou a temperatura a mais de 500 graus, matando quase todos e destruindo a tubulação. Apenas 17 pessoas sobreviveram. Denunciamos os fatos em nível internacional, a resposta foi o silêncio. Os EUA justificaram o fato como “danos colaterais” em qualquer guerra.

    Acompanhamos a mulher ao suposto bunker em forma circular, entre os escombros e restos do bombardeio. As famílias levaram fotos das crianças, desenhos, roupas, fizeram do local um oratório. Acompanhamos a dor dos presentes e de todo o povo do Iraque, demos as mãos e rezamos ao Deus de todos os nomes e de nenhum nome, em idiomas que não conhecíamos, mas que compreendíamos com a mente e o coração, pedimos pela alma das crianças, cujas vidas e esperanças foram roubadas, pedimos a Deus pelo fim da guerra, estávamos em comunhão com toda a humanidade. Um homem disse-me: “Não acredito em Deus, não sei como rezar”. Respondi-lhe, “não se preocupe, Deus acredita em você, basta manter-se em silêncio para escutar o silêncio de Deus que diz a você e à humanidade”.

    Quanto à situação atual entre Rússia e Ucrânia, rogamos para que parem a guerra, acreditamos na força da oração e pedimos que todas as religiões se unam no apelo ao fim da guerra. A Paz não se presenteia, ela é construída e é preciso coragem para alcançá-la.

    Não é sancionando a Rússia que o conflito será resolvido, os EUA e a Europa devem “desarmar a razão armada” que têm em suas estruturas e mentes. A Rússia deve parar a guerra e sentar-se à mesa das negociações. A Ucrânia deve salvar seu povo e resolver a situação, o que não implica fazer parte da OTAN ou ter bases militares e laboratórios biológicos e químicos sob orientação do Departamento de Estado norte-americano, o que expõe sua cumplicidade, e parar de massacrar províncias separatistas como Donbas e outras que sofrem a violência ucraniana há oito anos.

    Não há inocentes na guerra, todos são responsáveis. A violência traz mais violência, não uma solução para o conflito.

    Lembro vocês do tribuno Pilatos que cinicamente lava as mãos ensanguentadas com vítimas inocentes, e pergunta: “O que é a verdade?”, apesar das tentativas de matar a verdade. Um antigo provérbio diz: “A noite mais escura é quando começa a amanhecer”, uma e outra vez surge a luz e renasce na oração e no espírito, não perdemos a esperança na vida de que outro mundo é possível. Deus deu-nos o dom da liberdade, o ser humano é responsável pelo uso e abuso que dela fazemos.

    Tradução: Fernando Lima das Neves.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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