A prisão do ex-presidente Michel Temer e a antecipação da tutela penal
Em nome do Estado de Direito — adversário ou não, "amigo" ou "inimigo" —, todos, absolutamente todos devem se postar na mesma trincheira em defesa da democracia e do respeito à dignidade da pessoa humana
O ex-presidente Michel Temer voltou, na quinta-feira (9/5), para a prisão após o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por 2 votos a 1, ter revogado o Habeas Corpus concedido em 25 de março pelo desembargado Antonio Ivan Athié (TRF-2), em razão da prisão preventiva decretada pelo juiz Marcelo Bretas (Rio).
Para a força-tarefa da "lava jato" no Rio, o ex-presidente é o "chefe de uma organização criminosa" que por 40 anos recebeu vantagens indevidas por meio de contratos envolvendo estatais (corrupção).
Um dos contratos investigados é um projeto relativo às obras da usina nuclear de Angra 3. Segundo o MPF, o coronel João Baptista Filho — preso na mesma operação —, amigo de Temer, teria atuado como seu "operador financeiro", ocultando a origem ilícita do dinheiro por meio de suas empresas Argeplan e PDA. Nesse caso, o ex-presidente Michel Temer é réu por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.
Na decisão de quarta-feira (8/5) que revogou o Habeas Corpus determinando retorno do ex-presidente Temer para a prisão, o desembargador Abel Gomes concentrou o seu voto para sustentar que havia indícios suficientes da autoria e prova da materialidade, requisitos indispensáveis para decretação da prisão preventiva. Disse, ainda, que a contemporaneidade dos fatos se faz presente para a decretação da prisão. Abel Gomes, acompanhado em seu voto pelo desembargador Espírito Santo, apresentou o risco à ordem pública como fundamento principal para decretação da medida extremada.
Independente de qualquer responsabilidade que possa vir a ser constatada — após o devido processo legal, contraditório e ampla defesa —, é imprescindível deixar assentado que a prisão preventiva é medida de exceção e extremada. Como tal, somente deve ser decretada em casos excepcionais e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (Lei 12.403/11). Diante do princípio constitucional da presunção de inocência, a prisão preventiva, como qualquer outra medida cautelar pessoal, não pode e não deve ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena. Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
"A Prisão Preventiva — Enquanto medida de natureza cautelar — Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. A prisão preventiva não pode — e não deve — ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia" (RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello).
Hodiernamente, tem sido recorrente motivar a decretação da prisão preventiva com base no mais deplorável de todos os fundamentos previstos no Código de Processo Penal: a "garantia da ordem pública". Atrelado a esse fundamento, costuma-se aludir ao "sentimento de impunidade e de insegurança na sociedade".
Necessário assentar que, dos fundamentos previstos no Código de Processo Penal para a decretação da prisão preventiva, a "garantia ordem pública" é sem dúvida o mais questionável, criticável, vago e impreciso de todos e, também, de duvidosa constitucionalidade para ensejar medida cautelar extrema.
Como já dito alhures, ninguém, absolutamente ninguém poderá ser condenado previamente, sem processo e sem defesa. Esse é um preço muito módico que a sociedade deve pagar se realmente deseja viver em um Estado Democrático de Direito.
Em nome do Estado de Direito — adversário ou não, "amigo" ou "inimigo" —, todos, absolutamente todos devem se postar na mesma trincheira em defesa da democracia e do respeito à dignidade da pessoa humana.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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